Delator de esquema no Senado contra escutas legais da PF é demitido
Paulo Igor Bosco Silva denunciou varreduras “informais” da Polícia Legislativa em busca de grampos. Ele foi demitido por faltas no trabalho
atualizado
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Delator do esquema de varreduras ilegais da polícia do Senado que funcionava como contrainteligência às ações legais da PF, Paulo Igor Bosco Silva, de 30 anos, foi exonerado. A portaria que impôs ao policial legislativo demissão é datada de sexta-feira (12/1) e publicada nesta segunda (15) no Diário Oficial da União. Ele perdeu o cargo por supostamente descumprir os deveres de servidor público e transgredir proibições inerentes à função.
Em outubro de 2016, Paulo Igor revelou à imprensa que policiais legislativos do Senado cumpriam missões secretas para detectar grampos no escritório particular do ex-presidente da Casa José Sarney (MDB-AP), em Brasília.
Segundo as denúncias do agora ex-servidor, diversos parlamentares faziam os pedidos de varreduras contra grampos, que causavam “estranheza” por não serem numerados, dando a impressão de que não eram oficiais e que tinham o claro objetivo de atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. “Ordem de missão não numerada não é normal porque todo documento oficial tem que ter um controle do órgão”, afirmou Paulo Igor, na ocasião.“Fui injustiçado. O processo administrativo foi uma retaliação às minhas denúncias, que, como todos sabem, na época desencadearam uma operação da Polícia Federal que comprovou a caça aos grampos no Senado”, disse o ex-policial legislativo ao Metrópoles.
Após o relato, a Polícia Federal realizou a Operação Métis, na qual Pedro Ricardo Araújo Carvalho, na época diretor da Polícia Legislativa, foi preso temporariamente apontado como líder das ações que “tinham a finalidade de criar embaraços às ações investigativas da PF em face de senadores e ex-senadores, utilizando-se de equipamentos de inteligência”.
Entre os beneficiados pelo trabalho de contrainteligência, também foram citados os senadores Fernando Collor (PTC-AL) e Gleisi Hofmann (PT-PR), além do ex-senador Edison Lobão Filho (MDB-MA).
Entenda o caso
Paralelamente à denúncia de Paulo Igor Silva, na época, foi aberto Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) com o objetivo de investigar se o servidor dava aulas em cursinhos preparatórios para concurso enquanto deveria estar em expediente no Senado.
Em 2017, o relatório final do PAD concluiu que o servidor faltava ao trabalho corriqueiramente. Entretanto, Paulo nega e diz que não há sequer uma ausência sem justificativa em seu banco de horas.
A demissão publicada no Diário Oficial (imagem acima) esclarece que o servidor foi demitido “em razão de descumprimento dos deveres funcionais previstos nos incisos I, III, IV, V e IX do art. 116 e por haver incorrido nas condutas previstas nos incisos I, XV e XVIII do art. 117, todos da Lei n° 8.112, de 1990”.
Paulo Igor teria, segundo a justificativa da demissão, deixado de exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo, observar as normas legais e regulamentares, cumprir as ordens superiores, atender com presteza e manter conduta compatível com a moralidade administrativa.
Também foram desrespeitadas as proibições de: ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato, proceder de forma desidiosa (descuidada), exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e o horário de trabalho.
Todo o meu direito de ampla defesa foi uma farsa. A Casa me estabeleceu um prazo de dez dias para apresentar todas as provas cabíveis, um prazo visivelmente apertado, pois eu tinha que solicitar certidões e outras papeladas sobre a minha frequência. Quando consegui juntar o que tinha a meu favor, eles não aceitaram os documentos
Paulo Igor, ex-policial legislativo que denunciou operação anti-grampos no Senado
Paulo Igor diz ainda que políticos e policiais legislativos agiram para se vingar de sua denúncia. “Tenho certeza de que teve atuação direta de alguns personagens políticos. Vou consultar meu advogado e pretendo tomar as medidas cabíveis”, afirma.
O Senado diz que Paulo passou por todas as fases do PAD e teve direito a ampla defesa, durante a investigação de sua conduta. Acrescenta ainda que a investigação contra o policial legislativo foi aberta antes da Operação Métis.
Casa escondeu atos em 2009
A contrainteligência da Polícia Legislativa remete a outro episódio que mostrou uma “caixa-preta” no Senado. Em junho de 2009, o jornal O Estado de S. Paulo revelou cerca de 300 atos administrativos que não foram tornados públicos, como prevê a Constituição, e favoreciam parentes e até mesmo os próprios parlamentares. Esses atos ficaram conhecidos como “atos secretos”.
Um dos principais personagens daquele acontecimento foi justamente o então presidente da Casa, José Sarney (MDB-AP). Entre os atos secretos, constava a exoneração do neto do político, lotado em um gabinete. O objetivo foi não dar visibilidade a um parente não concursado de Sarney na instituição, quando o Senado já deveria cumprir as regras antinepotismo estabelecidas no ano anterior pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Depois que as irregularidades vieram à tona, os atos foram publicados em edições suplementares do Boletim Administrativo de Pessoal. Sarney decidiu não anular as decisões tomadas pela Mesa Diretora, responsável pela publicação dos atos, alegando que não teria poder para isso.