Da defesa do alho a ciclistas, parlamentares se reúnem em 256 frentes
Alianças temáticas reúnem preocupações curiosas e não parecem ter poder real, mas dizem muito sobre a organização do Parlamento brasileiro
atualizado
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Além de estarem ligados a partidos (há 25 representados no Congresso Nacional atualmente), deputados federais e senadores também se unem em outro tipo de organização, as frentes parlamentares. Algumas são bem conhecidas e atuantes, como a da Agropecuária, a Evangélica e a da Segurança Pública, mas existem outras 253 na Casa, a maioria com pouca ou nenhuma influência sobre a pauta legislativa.
Com existência prevista nas regras do Congresso, mas sem verba pública ou estrutura própria, as frentes nascem da iniciativa de parlamentares que buscam unir esforços em torno de um tema. Entre as formadas na atual legislatura, as pautas vão do ambientalismo ao incentivo à leitura, do café ao alho, passando pela defesa dos atacadistas, pela pesca (a profissional e a artesanal) e pela optometria (que é a medição da amplitude da visão).
Há ainda as frentes que são contra temas que seus membros consideram ruins para a sociedade, como aborto, tuberculose, corrupção e abuso infantil.
Como existem 594 congressistas no Brasil (513 deputados e 81 senadores), o Congresso tem uma frente para cada 2,3 parlamentares. Levantamento feito pela editoria de análise de dados do Metrópoles mostra que, em média, cada parlamentar participa de 103 frentes. Alguns, porém, estão em muitas outras, como é o caso do deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que participa de 223.
“Quantas?”, espantou-se ele ao ser questionado pela reportagem sobre o interesse em tantos temas. “Nossa Senhora, tá louco!”, completou, ao ter o número confirmado. O parlamentar lembra que os mineiros, como ele, têm dificuldade em dizer não. “Toda hora a gente recebe o convite de um colega que está organizando uma frente e, de maneira cordial, a gente aceita participar. Até porque a maioria das pautas é justa e importante”, avalia. “Mas a verdade é que a grande maioria é puramente nominal, não tem trabalho efetivo. Eu fico até abismado de saber que existem tantas”, frisa Lafayette.
Ainda segundo Andrada, o fato de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ter iniciado o governo com discurso de valorização das bancadas temáticas em detrimento dos partidos fez com que se criasse uma ideia no Parlamento de que as frentes cresceriam muito em importância. “E Bolsonaro pegou a presidente da Frente Agropecuária, a Tereza Cristina [deputada federal pelo DEM-MS], para ser ministra [da Agricultura]. Então houve uma correria generalizada de criação de frentes, mas não acho que algo tenha mudado”, conclui o político mineiro.
Além do integrante do Republicanos, só os deputados Diego Garcia (Podemos-PR), em 226 grupos, e Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO), em 228, estão em mais frentes. Do outro lado desse espectro, participando de apenas uma frente cada, estão os deputados Fabiano Tolentino (Cidadania-MG), Geraldo Resende (PSDB-MG), Miguel Haddad (PSDB-MG) e Paes Landim (PTB-PI). Eles, aparentemente, não têm tantos amigos quanto Lafayette de Andrada.
A análise do (M)dados também mostrou que o maior grupo temático da atual legislatura é a Frente Parlamentar Mista em Defesa de Furnas, que tem 391 membros. Em segundo lugar, está a Frente da Justiça Notarial e Registral (333 membros) e, em terceiro, a Frente Mista da Educação (313).
Do outro lado, a menor frente é a Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, da qual fazem parte 165 parlamentares. Nesse caso, segundo o coordenador do grupo, o deputado federal Vitor Lippi (PSDB-SP), “tamanho não é documento”.
“Nós poderíamos até ter número maior de participantes se tivéssemos focado nisso, mas focamos em começar a trabalhar em um tema que é tão importante e está tão em baixa nas prioridades do governo”, explica Lippi. “A gente se reúne, se coordena. Estamos mapeando os problemas de financiamento no setor de pesquisa a fim de criar estratégia para distribuir de maneira melhor as verbas que existem”, ressalta ainda.
Pontos de encontro
Com tantas frentes, várias acabam se parecendo bastante umas com as outras. Um total de 209 dos 216 membros da Frente Parlamentar Mista pela Conclusão da BR-285 – Ligação Município de São José dos Ausentes-RS ao Estado de Santa Catarina pertencem também à Frente Parlamentar Mista pela Conclusão da BR-470 – no Rio Grande do Sul. Outro exemplo: a Frente Parlamentar em Defesa do Rio Jequitinhonha e a Frente Parlamentar em Defesa do Rio São Francisco têm 206 e 209 membros respectivamente, e 199 são os mesmos.
Essas proximidades, aparentemente, podem fragilizar as frentes por dividir os esforços, mas o oposto também acontece, segundo a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que já coordena cinco frentes e está criando outra, em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
“A união pode ajudar. Há, por exemplo, oito frentes relacionadas ao setor elétrico, a maioria regionalizada, como é o caso da frente da Eletronorte. Mas essas frentes todas se unem em torno de temas como a resistência ao desmonte do setor elétrico. Essa articulação foi importantíssima para evitar que a proposta do governo Michel Temer, de privatizar a Eletrobras, fosse adiante”, relata a petista. “Sei que muitas frentes não conseguem resultados, mas como instrumento legislativo elas são fundamentais para articular interesses suprapartidários e suprarregionais. Sou testemunha de inúmeros casos em que frentes conseguiram acelerar tramitações ou, pelo contrário, tirar assuntos de pauta”, completa.
A deputada do Partido dos Trabalhadores lembrou-se de um caso de 2006, quando a bancada evangélica conseguiu tomar das siglas de esquerda o comando da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que foi comandada pelo deputado federal Pastor Marcos Feliciano por um mandato. “Nessa época, concentramos nossos esforços na Frente Parlamentar dos Direitos Humanos para não deixar as políticas se perderem. E conseguimos recuperar a comissão no ano seguinte, graças a essa articulação.”