Cuba abandona Mais Médicos no Brasil após críticas de Bolsonaro
Governo cubano afirma que declarações do presidente eleito são ameaçadoras e inaceitáveis. Governo brasileiro não se manifestou
atualizado
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O governo de Cuba comunicou nesta quarta-feira (14/11) que vai se retirar do programa Mais Médicos devido a declarações “ameaçadoras e depreciativas” do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que anunciou modificações “inaceitáveis” no projeto.
O governo brasileiro ainda não foi informado da decisão. Questionado sobre o assunto no começo da tarde desta quarta-feira, o general Heleno Augusto, um dos integrantes do futuro governo, afirmou que o caso será tratado pelo Ministério da Saúde. “Não sei ainda e não vou dar palpite. Isso é um problema da área de saúde”, disse.
O Ministério da Saúde, por sua vez, disse que o assunto cabe ao Ministério das Relações Exteriores. Procurado, o Itamaraty não se pronunciou até o momento.
A decisão foi comunicada por meio de nota oficial divulgada pelo governo cubano.
“Diante dessa realidade lamentável, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos”, anunciou a pasta. A decisão significa que os milhares de médicos cubanos que trabalham no Brasil dentro do programa deverão retornar à ilha.
Para sua retirada do programa, o governo cubano argumentou que Bolsonaro tem questionado a formação dos especialistas cubanos, condicionou sua permanência no programa à revalidação do diploma e impôs como único caminho a contratação individual.
Além disso, a nota reafirma a competência e a colaboração dos profissionais. “O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia, nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, municipal e estadual daquele país e de sua população, que concedeu 95% de aceitação, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais”, apontou.
“O povo brasileiro, que fez do Programa Mais Médicos uma conquista social, que confiou desde o primeiro momento nos médicos cubanos, aprecia suas virtudes e agradece o respeito, sensibilidade e profissionalismo com que foi atendido, vai compreender sobre quem cai a responsabilidade de que nossos médicos não poderem continuar prestando seu apoio solidário no país”, afirmou o Ministério da Saúde Pública de Cuba.
O Ministério da Saúde de Cuba afirmou ainda que, mesmo com a saída do programa do Brasil, os médicos cubanos sempre estarão disponíveis a prestar seus serviços no mundo. “Os povos de nossa América e do resto do mundo sabem que poderão contar com a vocação humanitária e solidária de nossos profissionais”, diz trecho da nota.
Na nota, o governo cubano trata o impeachment da presidente Dilma Rousseff como golpe, ao ressaltar que, mesmo diante desta condição, manteve o acordo de colaboração.
Veja a íntegra da nota divulgada pelo governo de Cuba:
Declaração do Ministério da Saúde Pública
O Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, comprometido com os princípios de solidariedade e humanistas que nortearam a cooperação médica cubana por 55 anos, envolvidos desde a sua criação em agosto de 2013 no programa Mais Médicos para o Brasil. A iniciativa de Dilma Rousseff, na época presidente da República Federativa do Brasil, teve o nobre propósito de garantir assistência médica para o maior número da população brasileira, em consonância com o princípio da cobertura universal da saúde promovida pela Organização Mundial da Saúde.
Esse programa previa a presença de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar em áreas pobres e remotas daquele país.
A mesma participação cubana é feita através da Organização Pan-Americana da Saúde e se distinguiu pela ocupação de lugares não cobertos por médicos brasileiros ou outras nacionalidades.
Nestes cinco anos de trabalho, cerca de 20 mil colaboradores cubanos atenderam 113,3 milhões de pacientes em mais de 3.600 municípios, atingindo um universo de 60 milhões de brasileiros cobertos por eles na época, o que constituiu 80% de todos os médicos participantes do programa. Mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.
O trabalho dos médicos cubanos em locais de extrema pobreza nas favelas do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador de Bahia nos 34 Distritos Especiais Indígenas, especialmente na Amazônia, foi amplamente reconhecido pelos governos federal, municipal e estadual daquele país e de sua população, que concedeu 95% de aceitação, segundo estudo encomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil à Universidade Federal de Minas Gerais.
Em 27 de setembro de 2016, o Ministério da Saúde Pública, em uma declaração oficial, informou perto da data de expiração do contrato e no meio dos eventos que cercam o estatuto jurídico-legal do golpe contra a presidente Dilma Rousseff que Cuba “continuará a participar do acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde para a aplicação do Programa Mais Médicos, desde que mantidas as garantias oferecidas pelas autoridades locais”, o que foi respeitado até agora.
O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, com direto, depreciativo e ameaçando a presença de nossas referências médicas, disse e reiterou que modificar os termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito para a Organização Pan-Americana da Saúde e acordados com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título como única forma de se contratar individualmente.
As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e violam as garantias acordadas desde o início do programa, que foram ratificados em 2016 com a renegociação da cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil e de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde Pública de Cuba. Essas condições inadmissíveis impossibilitam a manutenção da presença de profissionais cubanos no Programa.
Portanto, nesta triste realidade, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa Mais Médicos e tem comunicado ao Diretor da Organização Pan-Americana da Saúde e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam essa iniciativa.
Não é aceitável questionar a dignidade, o profissionalismo e o altruísmo dos colaboradores cubanos que, com o apoio de suas famílias, prestam atualmente serviços em 67 países. Em 55 anos, 600 mil missões internacionalistas foram realizadas em 164 países, envolvendo mais de 400 mil trabalhadores de saúde, que em muitos casos cumpriram essa honrosa tarefa em mais de uma ocasião. As façanhas da luta contra o Ebola, na África, cegueira, na América Latina e no Caribe, a cólera, no Haiti, e a participação de 26 brigadas do Contingente Internacional de Médicos Especializados em Desastres e grandes epidemias “Henry Reeve” no Paquistão, Indonésia, México, Equador, Peru, Chile e Venezuela, entre outros países.
Na esmagadora maioria das missões concluídas, as despesas foram assumidas pelo governo cubano. Da mesma forma, em Cuba, 35 mil 613 profissionais de saúde de 138 países foram treinados gratuitamente.
Havana, 14 de novembro de 2018