Crise com Telegram e Google acirra embate entre Poderes e big techs
Telegram e Google usaram suas plataformas contra o PL das Fake News, despertando reações do Legislativo, Judiciário e Executivo
atualizado
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As recentes ações do Telegram e do Google, que usaram suas respectivas plataformas para pressionar contra o PL das Fake News, causou reação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Na Câmara dos Deputados, parlamentares governistas aproveitam a contraofensiva do Supremo Tribunal Federal (STF) para pressionar pela aprovação do texto. Enquanto isso, o governo federal não tem hesitado em buscar suas próprias medidas e acionar a Justiça.
“A matéria quer queira um, quer queiram outros, é necessária para a democracia. Quem for contra, que vote contra. A atuação do Supremo não atrapalha, o que atrapalha é o Congresso não votar. Há o argumento de não se judicializar a política, mas se ninguém vota, o Supremo age. A Câmara precisa votar, de um jeito ou de outro”, disse José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara dos Deputados, ao Metrópoles.
Sob reserva, um dos vice-líderes do governo na Casa Baixa considera correta a ação do ministro Alexandre de Moraes, mas aponta ser preciso esperar a aprovação do PL das Fake News para o Congresso responder à ofensiva das big techs. Na sua visão, uma ação neste momento pode acabar polarizando a discussão, o que dificultará a busca de votos pela aprovação da matéria.
Além disso, considera as determinações do Supremo contra o Google e Telegram como positivas, no sentido de reforçar o principal argumento governista na disputa para virar votos pelo PL das Fake News. As lideranças do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendem que essa atuação do Judiciário só acontece porque não há regulamentação em vigor.
“A gente vem dizendo: é melhor a gente aprovar que o Supremo continuar agindo. O remédio deles é mais amargo”, disse o vice-líder, ao Metrópoles. Essa é a linha defendida pelo governo federal, mais objetivamente o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). O Executivo defende que a regulação das grandes empresas de tecnologia vai acontecer, seja por meio de decretos, seja por decisões do Judiciário.
As ações do Judiciário e Executivo
Na terça-feira (9/5), o Telegram enviou aos seus usuários uma mensagem contra o PL das Fake News. A plataforma classificou a matéria como “perigosa” e um ataque à democracia no Brasil. O ministro Alexandre de Moraes não somente determinou a remoção da mensagem como o envio de um novo texto aos usuários da rede nessa quarta (10/5), após considerar “ilícita desinformação atentatória’ contra a democracia”.
O Executivo voltou a agir e o serviço de mensagens instantâneas da Rússia vai ter que se explicar para a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao MJSP. “Basicamente é uma mentira dizer que o Projeto de Lei das Fake News estabelece a censura no Brasil. O Telegram não está emitindo meramente uma opinião da sua diretoria”, defendeu o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, ao Metrópoles.
No entanto, se por um lado o governo tenta mostrar forças usando o Senacon para colocar as redes sociais contra a parede, o mesmo otimismo não é visto quanto à aprovação da PL das Fake News. “Mais uma vez – tudo indica que vai acontecer – o Congresso vai cruzar os braços e o Judiciário vai lá e legisla. O que vai acontecer é que quem vai legislar isso é o Supremo Tribunal Federal”, avaliou Wadih.
Na semana passada, o Google colocou em sua home uma mensagem chamando os usuários para uma publicação no seu blog contra o projeto, relatado por Orlando Silva (PCdoB-SP). Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, reclamou em plenário e classificou a mensagem como “desrespeito” ao Poder Legislativo.
Na decisão de 2 de maio, além do Telegram, Google, Meta (proprietária do Facebook e Instagram), Spotify e Brasil Paralelo foram notificados pelo ministro Alexandre de Moraes. Eles tinham uma hora para remover integralmente todos os anúncios, textos e informações veiculados, propagados e impulsionados a partir do blog oficial do Google com ataques ao projeto de lei.
Ele tomou a decisão no âmbito do inquérito das milícias digitais e fixou multa de R$ 150 mil por hora de descumprimento por cada anúncio. Antes, o Ministério Público Federal (MPF) havia enviado ofício ao Telegram cobrando explicações sobre a campanha compartilhada na rede social.
“A decisão do ministro Alexandre Morais aponta que o Parlamento se sente ‘ofendido’ pela mensagem, seja do Google como do Telegram. Eu, ao contrário, me senti feliz e eu sou um membro do Parlamento federal. Me sinto ofendido com o tolhimento da voz de quem pensa de forma diferente e considera isso uma desinformação”, reclamou o deputado Gilson Marques (Novo-SC), vice-líder da minoria da Câmara dos Deputados, ao Metrópoles.
No Judiciário
A Justiça tem respondido ao impasse com as big techs de diversas maneiras: com informações, audiências públicas, julgamentos e ofensivas. Em março, o STF ouviu representantes das empresas em audiência pública. Na ocasião, foram ouvidos mais de 60 participantes sobre o tema. Isso aconteceu em meio à pressão por uma resposta aos ataques às escolas, problema associado às redes sociais.
As opiniões foram compiladas e analisadas para a conclusão de dois recursos que tratam do tema na Corte. Na ocasião, o Google chegou a dizer que já faz moderação de seus conteúdos. O advogado da Google há nove anos, Guilherme Sanchez, ressaltou que “aumentar a responsabilidade civil das plataformas não é a chave para uma internet mais segura”.
“É um mito supor que o artigo 19 do Marco Civil da Internet seria a razão pela qual se pode encontrar conteúdos nocivos ou ilegais na internet. Nós, do Google, não esperamos até que haja uma decisão judicial para remover esse tipo de conteúdo das nossas plataformas. Pelo contrário. Nós removemos, com eficiência e em larga escala, os conteúdos que violam as políticas das plataformas do Google”, disse aos ministros e representantes da sociedade civil presentes no evento.
No dia 10/4, Flávio Dino saiu insatisfeito de uma reunião com representantes de diversas plataformas.
Enquanto os ministros tentavam destravar os impasses na Corte a fim de julgar os Recursos Extraordinários (RE 1037396 e RE 1057258) e dos Temas 533 e 987, que tratam da responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de internet por conteúdo gerado pelos usuários e a possibilidade de remoção de conteúdos, o Congresso Nacional debatia o PL das Fake News.
Nesse âmbito e diante das proposições do relator da matéria, as big techs reagiram e a Justiça precisou entrar em ação. Agora não como mediadora de debates, mas como fonte acionada para agir contra desrespeitos às leis.
Na decisão do dia 2/5, Moraes pediu ainda que Polícia Federal ouça os presidentes ou pessoas em cargos equivalentes nas quatro empresas, para que esclareçam as razões de terem autorizado o uso dos mecanismos que podem, em tese, constituir abuso de poder econômico, bem como caracterizar ilícita contribuição com a desinformação praticada pelas milícias digitais nas redes sociais.
Nesta quarta (10/5), o ministro também determinou que o Telegram apagasse uma mensagem enviada pelo aplicativo contra o PL das Fake News com pena de suspensão em todo o país caso a determinação não fosse atendida. A plataforma excluiu o comunicado encaminhado aos usuários logo após a decisão do magistrado.
Marco Civil
Em meio a todos esses impasses e manifestações coibidas sob a suspeita de abuso de poder econômico e divulgação de desinformação, o STF está apto e com data marcada para julgar questões sobre o Marco Civil da internet.
Poucos dias depois de o Congresso Nacional não conseguir sequer votar o o PL das Fake News, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux liberaram os recursos dos quais são relatores para votação.
Nesta terça-feira (9/50, presidente do STF, ministra Rosa Weber, marcou para 17 de maio o julgamento dos Recursos Extraordinários – RE 1037396 e RE 1057258 (Temas 987 e 533 da repercussão geral) – que discutem a responsabilidade de provedores de aplicativos ou de ferramentas de internet pelo conteúdo gerado por usuários e a possibilidade de remoção de temas que possam ofender direitos de personalidade, incitar o ódio ou difundir notícias fraudulentas a partir de notificação extrajudicial.
O tema 533 analisa o dever de empresa hospedeira de sítio na internet de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar, sem intervenção judicial, quando for considerado ofensivo. Já o tema 987 revela discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que torna necessária a existência de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo.
A análise dos dois REs vai a plenário no mesmo momento em que ocorre a discussão sobre o PL das Fake News, por enquanto fora da pauta do Congresso Nacional.
Divergência
Enquanto Judiciário, Legislativo e Executivo estão em diferentes caminhos para regular as redes sociais, especialistas apontam críticas ao PL das Fake News, embora reconheçam a necessidade de regulação das plataformas.
O advogado mestre em direito constitucional, Ariel Uarian, avalia que o debate em torno do projeto de lei tem um problema: “Estão misturando muitos assuntos e empilhando argumentos que não fazem sentido para a discussão em si”, argumenta.
“Em um ambiente ideal, seria melhor que a constitucionalidade do Marco Civil fosse travada separadamente da regulação das redes sociais. Todavia, dado o ambiente institucional e político, caso o Congresso não legisle sobre o assunto, é muito provável que o Judiciário o faça por meio e talvez de uma forma mais dura”, acrescenta.
De qualquer modo, o jurista, que acompanha o tema de perto há anos, garante: “Olhando para o texto atual do PL 2630, não há risco real de que a liberdade dos usuários dessas plataformas seja ameaçada”, reforça.
Para o professor de ciência política da UnB Carlos Oliveira, que pesquisa os impactos das fake news, as plataformas e o governo devem agir de forma rápida e criteriosa para coibir a proliferação de conteúdos que são danosos à sociedade.
“As plataformas deveriam ter adotado mecanismos rapidíssimos de checagem das mensagens, para evitar que conteúdos fabricados e danosos à sociedade, à própria democracia, se espalhassem viralmente”, diz.
A moderação de conteúdo não é um processo fácil, explica o professor, no entanto ele diz que a urgência acerca dos riscos que informações falsas trazem à democracia e sociedade justificaria o investimento das big techs.
“Não se pode deixar a desinformação pulular viralmente e ficar por isso mesmo. As consequências podem ser nefastas. Se as pessoas tomarem decisões baseadas em desinformação, correm o risco de colocarem a si mesmas em perigo”, conclui.