Coronavírus breca a onda de liberalismo econômico no Brasil
Parlamentares eleitos com discurso de redução do Estado agora pedem mais gastos públicos contra a pandemia, mas projetam cenário temporário
atualizado
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A pandemia de coronavírus está interrompendo – ainda que temporariamente – uma crescente onda de liberalismo econômico no Brasil, que se traduziu nas reformas e privatizações tocadas pelo governo de Michel Temer (MDB) e se aprofundou na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) pelas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Desde a chegada do coronavírus no Brasil, a agenda de redução do tamanho do Estado se inverteu e o governo está sendo autorizado pelo Congresso a descumprir metas fiscais e descontinuar medidas que visavam a redução do déficit público, como o teto de gastos, para lidar com as necessidades impostas pela pandemia. A política econômica contracionista cedeu lugar ao expansionismo.
Apesar de terem incrementado propostas de corte em alguns gastos públicos, como diárias, cartões corporativos e salários de parlamentares e servidores, mesmo congressistas eleitos na crista dessa onda liberal estão pedindo soluções estatais para questões urgentes.
É o caso do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), que iniciou sua carreira política em uma entidade que tem a defesa do liberalismo no nome, o Movimento Brasil Livre (MBL).
Fugindo do senso comum liberal de que “não existe almoço grátis”, Kataguiri chegou a apresentar um projeto de lei prevendo gratuidade em táxis e carros de aplicativos de carona, como o Uber, para todos os profissionais de saúde do país.
“Agora, não é o momento de pensar em ajuste fiscal”, disse ele ao justificar que as despesas deveriam ser assumidas pelos cofres públicos.
Criticado por sua base, Kataguiri recuou dessa proposta, mas apresentou outras que geram custos ao erário com o objetivo de proteger os cidadãos, como a suspensão da cobrança de energia elétrica em tempos de pandemia.
“É tempo de guerra, mas passará”
O liberalismo é a principal bandeira do Partido Novo, que elegeu uma bancada de 8 deputados na Câmara nesta legislatura. Vice-líder da legenda na Casa, Marcel van Hattem (Novo-RS) considera “natural” que as prioridades mudem neste momento.
“A pandemia é como uma guerra. Nesse momento, o mercado acaba não funcionando, ele para. E a sociedade precisa que o Estado assuma um papel mais amplo”, avalia ele em conversa com o Metrópoles. “Mas isso não significa que o Estado deva ficar grande quando passar a crise. As medidas de expansão precisam ser temporárias”, defende van Hattem.
O parlamentar gaúcho lembra que também estão sendo tomadas medidas de desburocratização do Estado. “Esperamos que essas, sim, fiquem, e com isso, num futuro próximo, poderemos pagar a conta dos gastos feitos agora”, projeta.
“Socialismo dos ricos”
Economista da ala heterodoxa e crítico do liberalismo, o pesquisador Marcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que o cenário projetado por van Hattem deve mesmo se concretizar ao fim da crise.
“Vínhamos de um cenário em que se fortalecia a tese de que o problema brasileiro seria o Estado e a solução a sua redução. Com isso tivemos reformas e lei do Teto de Gastos”, lembra ele. “Com o coronavírus, essa agenda ficou comprometida pela insuficiência do setor privado em dar soluções para a crise. O Estado, então, passa a ser solução”, avalia ele, para emendar com a crítica:
“Mas os liberais fazem a defesa do socorro e proteção para os segmentos mais fortes, já privilegiados, como os bancos. A maior parte do dinheiro vai para o chamado andar de cima. É um socialismo dos ricos, que socializa o ônus e privatiza os lucros quando melhorar”, afirma Pochmann.