Congresso mais bolsonarista pode dificultar a punição de terroristas
No entanto, especialistas acreditam que culpabilização dos envolvidos não deve enfrentar dificuldades mesmo entre a direita
atualizado
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Após invasões terroristas às sedes dos Três Poderes, parlamentares do Congresso Nacional tentam emplacar medidas contra os autores dos atos antidemocráticos. No entanto, o Legislativo está de recesso e só pode, de fato, viabilizar uma reação concreta contra as invasões e depredações após a volta do recesso parlamentar, em 1° de fevereiro.
No último domingo (9/1), atos antidemocráticos tomaram as ruas de Brasília (DF). O movimento foi organizado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não aceitam a derrota nas urnas. Em 30 de outubro, Bolsonaro se tornou o único presidente da República a não conseguir se reeleger.
O mandato dos novos parlamentares também começa em 1° de fevereiro. A nova composição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal será, no entanto, desfavorável ao atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desta forma, algumas estratégias estudadas pelos senadores contra as manifestações antidemocráticas podem ser dificultadas, como a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
Nessa segunda-feira (9/1), o senador governista Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que uma CPI destinada a investigar os ataques terroristas de domingo já obteve o número mínimo de assinaturas para ser instaurada no Senado. São necessários ao menos 28 signatários para que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), proceda com a instalação do colegiado. A instalação de uma CPI com o mesmo objetivo também é avaliada pelos deputados.
Porém, as assinaturas não serão totalmente válidas. Isto porque a nova legislatura começa apenas em fevereiro com uma nova composição e nem todos os senadores que apoiaram a CPI foram reeleitos.
Uma outra alternativa para garantir a punição dos envolvidos nos ataques antidemocráticos é a correção na Lei Antiterrorismo. A regra elenca dois requisitos essenciais para que ações golpistas preenchem os requisitos para serem consideradas atos de terrorismo, de acordo com a legislação nacional. São eles: a finalidade de provocar terror social ou generalizado, ameaçando pessoas, o patrimônio ou a paz pública e a motivação da xenofobia ou do preconceito por raça, cor, etnia ou religião, além do enquadramento das condutas entre aquelas previstas em um rol restrito.
Há, ainda, a possibilidade de discutir ações para tornar inelegíveis aqueles que participarem de atos golpistas. A medida seria uma alteração na Lei da Ficha Limpa para impedir os condenados pela participação em atos antidemocráticos de se elegerem.
Todas as alternativas citadas, porém, precisam do crivo dos novos parlamentares. A composição será em sua maioria de Centro e de oposição ao governo. Isto porque apenas o partido de Bolsonaro, o PL, conseguiu garantir o maior número de cadeiras na Câmara e no Senado.
Punição exemplar é indispensável
“A melhor forma de estancar esse escândalo, o maior escândalo de depredação de patrimônio púbico da história do Brasil, é a punição exemplar dos envolvidos”, destaca o cientista político André Rosa. Para ele, é importante também identificar ligações entre patrocinadores dos atos e parlamentares.
O cientista político acredita que o governo não teria dificuldades em instaurar uma CPI para apurar os fatos. “Essa ampla maioria bolsonarista no Congresso aconteceu nas eleições de outubro. Com os desdobramentos negativos, essa ala deve migrar mais ao Centro e enfraquecer as bases bolsonaristas no Parlamento”, acredita.
Rodolfo Tamanaha, professor de direito do Ibmec-DF, também acredita que a culpabilização dos envolvidos não deve enfrentar dificuldades mesmo entre a direita. “Nem Bolsonaro, por mais que ele não tenha sido tão contundente, nem ele avalizou o que aconteceu. Realmente o que aconteceu rompeu todos os parâmetros de razoabilidade, então não me parece que haja alguma dificuldade para, dentro do Congresso Nacional, se debater uma responsabilização das pessoas que praticaram esses ato.”
Para André Rosa, parlamentares que participaram dos atos podem perder o mandato por meio do Conselho de Ética. “Isso pode acontecer inclusive em efeito cascata, começando pelo governador [afastado do Distrito Federal] Ibaneis Rocha, que já tem alguns pedidos de impeachment apresentados.”
Já Tamanaha cita também possíveis acusações por crime de responsabilidade ou improbidade administrativa, dependendo do caso. “Um parlamentar que veio de outra cidade e participou dos atos, ainda mais se usou recursos públicos para vir a Brasília, na minha leitura poderia ser enquadrado [por improbidade administrativa], por ferir o princípio da moralidade e da legalidade.”
Por fim, André Rosa acredita que o país enfrentará uma “crise institucional profunda”, mas que difere do que vinha ocorrendo nos últimos quatro anos, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro se opunha aos outros poderes da República, principalmente ao Judiciário. “Parlamento, Judiciário e Executivo estão alinhados contra o bolsonarismo”, define.
Atos antidemocráticos
Aos gritos de “faxina geral” e ao som do Hino Nacional, bolsonaristas ocuparam a Esplanada dos Ministérios na tarde do último domingo, em protesto contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições 2022.
Por volta das 14h40, extremistas invadiram o Congresso Nacional sob uma chuva de bombas de gás lacrimogênio. Em seguida, conseguiram passar pelas barricadas da Polícia Militar do Distrito Federal e entrar no Palácio do Planalto, sede da Presidência da República.
Vidraças, cadeiras e mesas dos dois prédios públicos foram quebradas. Funcionários do Congresso Nacional que estavam de plantão foram ameaçados.
O último alvo dos manifestantes extremistas foi o Supremo Tribunal Federal (STF). O prédio do órgão do Judiciário foi invadido por volta das 15h45.