Como a eleição do Senado lembrou treta da 5ª série em 11 atos
Em meio a roubos de pasta e acusações, o debate pareceu a escolha do representante de classe do ensino fundamental
atualizado
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Quem acompanhou a turbulenta sessão que, nesse sábado (2/2), escolheu Davi Alcolumbre (DEM-AP) como novo presidente do Senado Federal observou a quantidade de puxadas de tapete, gafes e até momentos de total constrangimento para a imagem da Casa. Conhecido justamente por ser reduto de ex-presidentes da República, ex-governadores e de personalidades emblemáticas, o novo Senado mostrou que pode ser comparado a uma classe de ensino fundamental, dada a maturidade dos membros da atual legislatura.
O Metrópoles reuniu pelo menos 11 momentos que mereceram destaque na atabalhoada eleição, que — por total falta de sintonia entre os pares — se estendeu por dois dias.
Capítulo 1
1. Com a posse dos novos senadores, Davi Alcolumbre foi o único parlamentar integrante da Mesa Diretora da Casa que permaneceu na nova legislatura. Pelo regimento interno, caberia a ele conduzir o processo de votação para eleger o novo presidente do Senado. Contudo, por ser candidato à função, adversários reivindicavam o impedimento do senador. Ao contrário do que pediam os opositores, Alcolumbre assumiu a sessão e sua primeira decisão foi demitir o secretário-geral da Mesa, Luiz Fernando Bandeira de Mello. Tido como 82º senador, o servidor é visto como aliado de Renan Calheiros (MDB) e trabalhava para que a votação fosse secreta, desejo do parlamentar alagoano;
2. Na já tumultuada sessão, os senadores e adversários políticos Renan Calheiros e Tasso Jeireissati (PSDB-CE) se estranharam a ponto de quase partirem para as vias de fato dentro do plenário. O caso se torna ainda mais bizarro se levar em conta a idade dos senadores: eles têm 63 e 70 anos, respectivamente. Se fosse numa escola, teriam sido mandados à diretoria;
3. Na mesma sessão, os senadores que integram o bloco anti-Renan passaram a articular que a votação fosse aberta, mesmo sem que a modalidade estivesse prevista no regimento da Casa. A estratégia visava constranger parlamentares que pretendiam votar no cacique alagoano. Em votação rápida, o grupo venceu com pouco mais de 50 votos e acirrou ainda mais os ânimos no plenário;
4. Irritada com a “tratoragem”, termo usado por ela mesma, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) subiu até a mesa de trabalhos do plenário e protagonizou uma cena inacreditável. A representante de Tocantins entrou numa verdadeira guerra com o então presidente da sessão, Alcolumbre, e arrancou dele a pasta onde continha o roteiro para a condução dos trabalhos no Senado. A senadora queria, com isso, impedir que o colega permanecesse presidindo a eleição da Casa. A pedetista provocou o colega: “Você não pode ser presidente. Se quiser a pasta, venha buscar”;
5. Sem consenso sobre o término das eleições, Alcolumbre suspendeu a sessão de sexta (1°/2) até o sábado (2), às 11h. Nesse meio tempo, a “turma do fundão” provocou o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legitimidade do voto aberto. Tentavam com isso garantir o voto secreto e favorecer Calheiros. O presidente do STF, ministro Dias Toffolli, concedeu liminar monocrática para anular toda a votação do dia anterior. O mais curioso: embora a decisão do magistrado tenha sido dada por volta das 3h da madrugada de sábado (2), o texto jurídico se referia à sessão do próprio dia como “amanhã”, dando a entender que o documento já estava pronto desde antes do fim de sexta-feira (1).
Capítulo 2
6. Após uma bela noite de sono, Kátia Abreu parece ter se arrependido da treta com Davi Alcolumbre. Com sorriso no rosto, a senadora chegou ao plenário do Senado infinitamente mais mansa. Carregava com ela flores brancas — que simbolizam a paz. Adivinhem quem foi o merecedor do buquê? O algoz e então candidato à presidência da Casa Davi Alcolumbre.
- 7. Sem qualquer previsão de funcionar no sábado, o Senado Federal teve de improvisar para receber os parlamentares. Com isso, os senadores que chegaram pontualmente às 11h para o reinício da votação deram com a cara na porta do plenário. Esqueceram de pedir ao servidor responsável que destrancasse o principal acesso ao local. Os pontuais tiveram de ficar zanzando pelo Salão Azul do Senado até que o bendito chegasse ao local;
- 8. Nem mesmo a simbologia das flores brancas fez com que o clima de paz permanecesse por muito tempo no Senado Federal. Já com a sessão reaberta, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ingressou com requerimento para que a votação fosse em cédula, conforme prevê o regimento. Em tese, o pedido atendia a determinação do presidente do STF, Dias Toffoli. Contudo, a estratégia dos adversários de Renan era que, com o papel nas mãos, poderiam mostrar o documento para as câmeras e fotógrafos que acompanhavam a votação. O expediente levou a outros senadores a também revelarem suas opções;
- 9. Em meio à tanta confusão e com os nervos dos parlamentares à flor da pele, o presidente da sessão, senador José Maranhão (MDB-PB), cometeu uma gafe inesquecível. Sem perceber que os microfones da mesa permaneciam ligados, o decano da legislatura — no alto dos seus 83 anos — deixou “vazar” que “precisava dar uma mijada”. Na mesma hora, todos que acompanhavam a sessão caíram na gargalhada, mas o senador fez cara de paisagem e seguiu ao toalete para aliviar a pressão. Seja ela qual fosse;
- 10.Com a primeira votação finalizada, a hora da contagem das cédulas também guardou uma surpresinha para os excelentíssimos senadores. Em vez dos 81 votos, a mesa da Casa contabilizou misteriosos 82. Obviamente, a votação teve de ser refeita, mas o Major Olimpio (PSL-SP) garantiu que quer as imagens do circuito interno para descobrir quem foi o engraçadinho que melou a votação.
- 11. Enquanto os senadores cantarolavam os votos a favor do adversário, Renan Calheiros passou a ficar vermelho de raiva. Nitidamente irritado, o ex-presidente da Casa não resistiu manter-se na linha “paz e amor” e logo reincorporou o jeitão que o fez ficar conhecido na política nacional: subiu na tribuna, descascou os colegas e retirou a polêmica candidatura à principal cadeira do Senado, enterrando a possibilidade de um 5º mandato como presidente da Casa. É aquela velha história: “Se for pra brincar assim, eu não quero”.