Comitê de combate à Covid completa um mês com apenas duas reuniões
O comitê, coordenado pelo Palácio do Planalto, foi promessa para unificar ações, mas teve apenas dois encontros e nenhum resultado prático
atualizado
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Em 24 de março, em meio à escalada da crise de Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) convocou uma reunião com os chefes dos demais poderes, ao fim da qual foi anunciada a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia de Covid-19.
Com adesão de governadores e parlamentares aliados, o grupo prometia dar respostas efetivas e unificadas à crise sanitária. Uma das esperanças residia na recente troca no Ministério da Saúde, com a saída do general Eduardo Pazuello e a indicação do médico cardiologista Marcelo Queiroga, o que sinalizava mudança na gestão da pandemia.
Após o anúncio de criação do comitê, Queiroga defendeu o uso de máscaras e o distanciamento social, mas ouviu do chefe do Executivo federal o apoio ao chamado “tratamento precoce”.
O grupo logo foi ofuscado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que deve apurar negligências do governo federal durante a pandemia, bem como averiguar o repasse de recursos federais a estados e municípios.
Apesar de ainda não ter sido instalada e estar restrita ao Senado Federal, a CPI já rouba as atenções e figura no centro do debate público desde o início de abril, quando o ministro Luís Roberto Barroso determinou sua instalação. Enquanto isso, o comitê de enfrentamento à Covid segue em marcha lenta e cada vez mais desacreditado pela classe política.
“Eu não lembrava nem que esse comitê existia”, disse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). Ele defendeu que o comitê deveria ter apresentado desde o início um plano de trabalho, o que não foi feito.
“A primeira coisa que um comitê precisa ter é um plano de trabalho: ele foi instalado para quê, com quais objetivos, quais medidas ele vai tomar? E aí se reúne a cada semana para avaliar se as medidas avançaram, não avançaram, se recuaram, se deu certo, se deu errado, se tem que recalibrar as medidas.”
Apesar de crítico do governo, Ramos também é cético em relação à CPI da Covid, por entender que ela vá causar uma paralisia no Senado, e defende que o Colegiado deveria estabelecer apenas um protocolo de saúde em nível nacional.
Ausência de governadores
Coordenado pelo Palácio do Planalto, o grupo não conta com a participação direta de governadores, que são representados pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM -MG). Também compõem o grupo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; e a juíza federal Candice Jobim, supervisora do Fórum Nacional da Saúde do Poder Judiciário, representando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Autoridades avaliam que, com a exclusão de governadores e prefeitos, o grupo já surgiu natimorto, pois não contou com os responsáveis pela logística local de enfrentamento à Covid-19.
“Não tem como você ter um comitê de enfrentamento à Covid sem governadores e prefeitos. A maior missão agora é imunizar. Quem recebe a vacina e distribui são os governadores, e quem aplica são os prefeitos”, avaliou Marcelo Ramos.
Para o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), coordenador do Consórcio de Governadores do Nordeste, a falta de resultados do comitê se deve justamente à ausência de governadores e prefeitos.
“Não pode ter o resultado necessário um comitê nacional de combate à pandemia se não tem a presença dos estados e dos municípios. Afinal de contas, quem é que planeja, que programa, que acompanha a parte da vacinação em cada estado? Os estados. Quem é que aplica a vacina em cada município, em cada posto de vacinação, que tem que cuidar, inclusive da base de informações? Os municípios.”
“Continuo insistindo: se quer acertar o passo, é preciso colocar estados e municípios no comitê integrado”, reforçou Dias.
O grupo tem previsão de funcionamento de três meses. No primeiro deles, reuniu-se apenas duas vezes. Em ambas as ocasiões, o Planalto anunciou coletivas de imprensa nas quais foram feitas somente declarações.
No último encontro, realizado em 14 de abril, o presidente da Câmara não se fez presente. Ele enviou como representante o deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), que preside a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. A ausência de Lira foi interpretada como um sinal de que o comitê está sendo paulatinamente deixado em segundo plano.
Poucas propostas, nenhum resultado
Na primeira reunião, as autoridades defenderam a compra de vacinas contra a Covid-19 pela iniciativa privada. Dias após, o projeto sobre o assunto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas enfrenta resistências no Senado, onde empacou.
No segundo encontro, foi apresentada a proposta de criação de uma carteira de vacinação on-line, no formato de um aplicativo, para resolver a questão da disparidade entre os números de doses da vacina distribuídas aos estados e as efetivamente aplicadas.
O tema, assim como a compra de vacinas por empresas, ainda não seguiu adiante e continua emperrado na Câmara.
Para além das propostas, também chama a atenção o desalinhamento de discursos. Na segunda reunião, por exemplo, o deputado Dr. Luizinho fez duras críticas à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e à Organização Mundial da Saúde (OMS), por considerar que o Brasil recebeu poucas doses de vacinas por intermédio do consórcio internacional Covax Facility.
A fala colocou o ministro da Saúde em situação delicada, uma vez que ele tem elogiado o relacionamento com as duas entidades e evitado tecer críticas a elas.
Apesar das poucas medidas práticas resultantes do comitê, o ministro da Saúde tem aproveitado a ocasião para fazer importantes anúncios, como o auxílio da Opas na aquisição de kit intubação para pacientes com Covid-19 e a antecipação da entrega de 15,5 milhões de doses da vacina da Pfizer.
Em que pese a não ligação direta com o grupo, salta aos olhos a escolha do ministro de usá-lo como palco para o anúncio público de medidas.
Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou sobre o funcionamento do comitê. O espaço segue aberto.