Comissão de Ética: cinco ministros de Bolsonaro são alvos de investigações
As denúncias em análise tramitam sob chancela de “reservado”. Apesar de ser ligado à Presidência da República, o órgão é independente
atualizado
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Condutas e declarações de ministros do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) consideradas inapropriadas estão sendo investigadas pela Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Por mais que não tenha poder de julgar criminalmente, a comissão pode, por exemplo, recomendar a exoneração de servidores da cúpula da administração federal que cometem desvios de conduta.
Ao menos cinco ministros foram denunciados: o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Guedes, da Economia; Ricardo Salles, do Meio Ambiente; Abraham Weintraub, da Educação; e Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo.
Apesar de ser ligado à Presidência da República, a comissão é independente. O órgão foi criado em 1999, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
As denúncias em análise na Comissão tramitam sob chancela de “reservado”. O dispositivo é previsto em um decreto de fevereiro de 2007. Somente ao fim do processo, há a divulgação do conteúdo.
“Findo o processo, haverá a divulgação do teor das decisões. Dessa forma, não é possível, nesse momento, informar dados sobre a quantidade, conteúdo, tramitação de tais procedimentos”, explica o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Paulo Henrique dos Santos Lucon.
O Metrópoles apurou algumas da situações envolvendo os ministros de Bolsonaro. O general Heleno, por exemplo, é investigado por “conduta violadora da Constituição”.
Ele publicou uma nota criticando a possível apreensão do celular de Bolsonaro no âmbito do inquérito que apura disseminação de fake news e ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A denúncia considera o conteúdo da nota uma “ameaça à livre atuação de outro poder”, no caso a própria Corte.
Guedes é investigado por ter chamado servidores públicos de “parasitas”. Já Salles, virou alvo da Comissão após compartilhar fake news sobre a ONG Greenpeace. Weintraub tem declarações diversas avaliadas pelo colegiado. Por fim, Marcelo Álvaro Antônio tem condutas na administração publicas sob suspeita. Além disso, ele é alvo de investigação por ter supostamente se beneficiado de um esquema de candidaturas laranjas no PSL, antigo partido de Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018.
Em caso de punição, estão previstas sanções como a aplicação de advertência pública, censura ética e, em situações mais graves, pedido de exoneração do servidor ou autoridade ao presidente.
As denúncias podem ser enviadas por meio de documentos físicos entregues no protocolo do órgão, por e-mail ou por processos eletrônicos, por manifestações enviadas pela Ouvidoria da Presidência da República e por processos abertos pela própria comissão. Partidos políticos, servidores e entidades da sociedade civil são os principais denunciantes.
Bolsonaro tentou enfraquecer o órgão no seu primeiro ano de governo. Em julho de 2019, ele pediu que a Controladoria-Geral da União (CGU) analisasse a possibilidade de retirar da comissão o poder de recomendar exonerações, por exemplo. As mudanças ocorreriam dentro de uma reestruturação nos mecanismos de combate à corrupção do governo. Não vingou.
Weintraub na berlinda
Em janeiro deste ano, Abraham Weintraub foi advertido pela Comissão de Ética por falta de decoro após comparar os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff à cocaína encontrada em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
Agora, ele volta ao foco do grupo. A comissão vai analisar também o fato de Weintraub ter usado assessores do ministério como advogados em ações de interesse particular. Além disso, pediu explicações sobre as declarações que deu na reunião ministerial de 22 de abril.
O vídeo da reunião foi divulgado por determinação do ministro do STF Celso de Mello, relator do inquérito que investiga suspeita de interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
Na reunião, Weintraub afirmou: “Eu, por mim, colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. O ministro disse ainda odiar os termos “povo indígena” e “povo cigano”.
Na ocasião, Weintraub ironizou os processos que responde na Comissão. “Eu tô com um monte de processo aqui no comitê (sic) de Ética da Presidência. Eu sou o único que levou processo aqui. Isso é um absurdo o que tá acontecendo aqui no Brasil”, reclamou.
Decisões
Neste ano, dois ex-ministros de Bolsonaro tiveram suas situações avaliadas pela Comissão. Luiz Henrique Mandetta (ex-Saúde) e Sergio Moro (ex-Justiça e Segurança Pública) foram colocados em quarentena remunerada por seis meses. Com isso, eles continuarão recebendo o salário de ministro (que pode chegar a R$ 39,2 mil brutos mensais) até o fim do período.
A lei que dispõe sobre o conflito de interesse no serviço público diz que pessoas que tenham exercido cargo de ministro, entre outros no alto escalão do governo federal, devem respeitar a chamada “quarentena” de seis meses antes de assumir emprego no qual possam se valer de informação privilegiada.
Menos punições
No ano passado, o número de processos (procedimento administrativo iniciado após uma denúncia) aumentou 66% na comparação com 2018. O índice subiu de 803 para 1.340. Contudo, somente um caso teve punição em 2019 e, ainda assim, uma sanção branda. No período anterior, foram seis. Em 2017, foram 820 processos e 17 sanções. A Comissão ainda não agrupou os dados de 2020.
A única sanção aplicada em 2019 foi uma advertência contra a ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Kátia Bogéa, em julho. Ela acabou exonerada em dezembro, após o ex-secretário da Cultura Roberto Alvim, exonerado em janeiro, assumir o posto e promover substituições em cargos do setor.
Versão oficial
O Metrópoles questionou o Palácio do Planalto e os ministérios citados na reportagem, mas nenhum órgão do governo federal se manifestou. O espaço continua aberto a esclarecimentos.