Comissão da reforma eleitoral na Câmara rejeita voto impresso em 2022
Consultoria jurídica defende cota parlamentar feminina, financiamento privado de campanha e maior liberdade na propaganda eleitoral
atualizado
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Convocado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para prestar consultoria em uma possível nova reforma da legislação eleitoral, o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira (foto em destaque) rejeitou a possibilidade de voto impresso para as eleições de 2022.
Pereira advogou para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer, e, atualmente, é o coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), formada por mais de 100 juízes, servidores, promotores, juristas, advogados e acadêmicos em direito.
Coube a Pereira e aos demais especialistas convocados por Lira discutir quais mudanças devem ser realizadas na legislação eleitoral. A comissão foi criada em março deste ano, e contou com a participação das advogadas Ezikelly Silva Barros e Géorgia Ferreira Martins Nunes, além do professor de ciências jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Marcelo Weick Pogliese.
O grupo atuou na elaboração de proposições e sugestões para serem aplicadas no texto da matéria. Todas as ideias discutidas pela comissão, em conjunto com a Abradep, foram consolidadas e entregues à relatora da reforma na Câmara, a deputada Margarete Coelho (PP-PI).
Uma das alterações debatidas pelos defensores e acadêmicos foi a volta do voto impresso. Apesar de discutida pelos especialistas, a adoção da modalidade teve ampla rejeição pela maioria dos integrantes, conforme informado pelo coordenador da Abradep, em entrevista ao Metrópoles.
Na avaliação do defensor, não há, hoje, justificativa plausível para que o sistema eleitoral brasileiro abandone a urna eletrônica. “Para isso, há que se ter uma desconfiança de que o sistema funciona mal, e, para mim e para a maioria absoluta da academia, essa realidade não existe”, resumiu.
Na quarta-feira da semana passada (28/4), parlamentares do PSL saíram em defesa do que chamam de voto impresso auditável. O líder do partido na Câmara, deputado federal Vitor Hugo (GO), manifestou apoio ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, de autoria da deputada Bia Kicis (DF), que estabelece a obrigatoriedade, na votação e apuração dos votos, da expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, para fins de auditoria.
Uma semana depois, nessa quarta (5/5), a proposta voltou a ganhar o apoio explícito do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que concorrerá à reeleição em 2022. Recentemente, o mandatário do país sinalizou que conversa com Lira para que seja instalada uma comissão especial a fim de analisar a PEC de Bia Kicis.
“Colegas parlamentares, a decisão é dos senhores, nós queremos, o povo quer o voto auditável. Qual o problema disso? Aqueles que não acreditam que não há fraude, por que ser contra?”, questionou o presidente, durante a Cerimônia de Abertura da Semana das Comunicações, no Congresso, nessa quarta.
A discussão do voto impresso no Brasil ganhou força após as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Apoiador de Donald Trump, Bolsonaro tomou as dores do ex-presidente republicano e questionou a legalidade do resultado da disputa, que terminou com Joe Biden eleito.
Na ocasião, Bolsonaro afirmou a apoiadores que a crise observada nas eleições dos EUA ocorrera devido à falta de confiança da população no voto. O chefe do Executivo nacional também afirmou que contestações sobre o resultado eleitoral poderão ser observadas no Brasil em 2022.
Para Pereira, a tese de que o voto impresso promove maior segurança ao sistema eleitoral não se sustenta. Segundo ele, o Brasil dispõe do “sistema de votação mais evoluído do mundo”, e, por isso, não há razão em mudar a forma como vota o eleitor.
“O voto impresso, nas formas cogitadas até aqui, põe em risco o voto secreto. Há vários outros motivos que não fazem sentido alterar. Nós temos que evitar retrocessos”, enfatizou.
A expectativa é de que a reforma eleitoral seja votada até outubro deste ano. Para Margarete Coelho, o clima na Casa é favorável à aprovação das mudanças na legislação propostas pela comissão e por parlamentares. “Estou completamente confiante na aprovação do novo Código Eleitoral”, enfatizou.
“Há uma concordância na Casa de que as regras eleitorais atuais promovem muita insegurança jurídica nos pleitos. Essa sensação não é só dos partidos. Percebe-se na advocacia e no Judiciário essa necessidade de uma legislação que promova maior clareza nas regras do jogo eleitoral”, concluiu a deputada.
Propaganda eleitoral
O coordenador-geral da Abradep criticou alguns pontos da legislação eleitoral brasileira atual, como a regulamentação da propaganda eleitoral durante o período de campanhas. “Chegamos ao ridículo, não há outra expressão para isso. Chegamos a definir, por meio de lei, o tamanho do adesivo que vai na bicicleta.”
Para o consultor, a criação de um teto de gastos para as campanhas torna a regulamentação da propaganda eleitoral desnecessária. “Não faz mais sentido. Se o candidato tem um limite de dinheiro para gastar, qual o problema de ele escolher gastar em outdoor e não em divulgação nas redes sociais? A regulamentação publicitária eleitoral no Brasil é esquizofrênica e não tem paralelo em lugar nenhum do mundo. Está provado, por meio de estudos, que o eleitor brasileiro tem hoje menos informação dos candidatos do que antigamente”, defendeu.
Ele explica que as restrições impostas pela legislação provocaram uma hiperjudicialização do processo eleitoral. “Eu advoguei muito em eleições, e tem campanhas em que você tem mil ações na Justiça. No Brasil, o direito eleitoral tem uma importância que não tem em nenhum outro lugar do mundo. Tudo é multa, dá pra ver legalidade e ilegalidade em tudo”, criticou.
Financiamento de empresas
Outra novidade que foi inserida na reforma eleitoral desejada para 2022 é o retorno do financiamento privado de campanhas. “Nós aprovamos a volta do financiamento de empresas nas campanhas após percebermos que o financiamento público gera disfunções, alimenta apenas candidaturas para deputado federal, e faz com que ninguém aposte mais em candidaturas majoritárias. É um ciclo vicioso.”
Para contornar a inconstitucionalidade das doações do setor privado nas eleições, sinalizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a equipe jurídica sugeriu a fixação de um teto de gastos.
“Há uma concentração nesse rumo do dinheiro, e é preciso oxigenar os financiamentos com outras formas. Não dá pra voltar ao modelo antigo, que é inconstitucional, como reconheceu o STF. A ideia é estabelecer um teto nominal por CNPJ. Ou seja, nossa sugestão é autorização do financiamento das pessoas jurídicas, sem que haja sequestro dos financiamentos por grandes empresas. O modelo antigo não serve. É preciso calibrar isso, como fizemos”, disse.
Cota parlamentar feminina
À reportagem, Pereira ressalta a necessidade de inserir dispositivos legais para permitir uma igualdade representativa no Congresso Nacional. Foi pensando nisso que os consultores eleitorais propuseram a fixação de um percentual mínimo de vagas exclusivas para parlamentares mulheres.
“A cota de candidatura não provocou o avanço que se esperava. O Brasil é uma vergonha nesse quesito, estamos muito mal. Ainda não há a definição de percentual, que deve ser determinado pela própria Câmara. Mas a gente defende que o percentual ideal seja o mais próximo da paridade (50/50) possível, respeitando a sobrevivência política.”
O advogado não crê, porém, que os deputados aprovem o percentual de 50% para mulheres. “No Congresso, a discussão tem outra lógica, de sobrevivência política. Tem que levar em consideração as injunções da própria política, não há como ameaçar a sobrevivência. Esse percentual de 50% é suicídio político para bancadas majoritariamente masculinas.”
Uma alternativa, segundo ele, seria o aumento gradativo do percentual, como ocorre no Parlamento argentino. “Não há uma regra de ouro em sistema eleitoral, em legislação eleitoral, existem múltiplos modelos. Ninguém tem um modelo ideal, está mudando em todo lugar do mundo a todo tempo. No entanto, temos que reconhecer o fracasso brasileiro na representação feminina. Isso é uma opinião unânime”, finalizou.