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“Combate à corrupção não se esgota com a Lava Jato”, diz Paulo Lacerda

O ex-diretor-geral da Polícia Federal afirma que os trabalhos de combate às irregularidades devem ser vistos como um processo permanente

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paulo lacerda
1 de 1 paulo lacerda - Foto: Reprodução

As eleições de 2018 são motivo de preocupação para procuradores do Ministério Público Federal (MPF). Em recente entrevista coletiva, agentes dedicados à Lava Jato afirmaram que o pleito do ano que vem pode ser definitivo para o sucesso ou fracasso da operação, iniciada em 2014.

Neste ano, depois de reduzir de nove para quatro o número de delegados dedicados exclusivamente à Lava Jato, a Polícia Federal (PF) decidiu extinguir tal força-tarefa, alegando “decisões operacionais”. Além disso, a recente troca no comando geral da PF, com a saída de Leandro Daiello, que estava no cargo desde 2011, por Fernando Segóvia, também foi vista com desconfiança.

Diretor-geral da PF entre 2003 e 2007, Paulo Lacerda esteve à frente das investigações do mensalão, no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em entrevista à DW, ele afirmou que o combate à corrupção no Brasil não deve estar atrelado apenas à Lava Jato, mas “ser visto como um processo permanente de depuração”.

“O sucesso econômico, social e de moralização pública em nosso país depende muito mais da conscientização política do eleitor brasileiro na escolha de seus próximos representantes do que propriamente de alguma iniciativa ‘mágica’ do tipo ‘batalha final da Lava Jato'”, disse.

DW Brasil: Qual avaliação pode ser feita da recente troca do comando da Polícia Federal, de Leandro Daiello por Fernando Segóvia?

Paulo Lacerda: Se não fosse a grande sensibilidade da Operação Lava Jato no imaginário popular, como sendo o principal marco da recente luta contra a corrupção no Brasil, esta mudança no comando da Polícia Federal seria algo absolutamente natural e até corriqueiro, porque Leandro Daiello já estava há bastante tempo na função. Ademais, tanto Daiello quanto Segóvia são profissionais respeitados na PF.

Procuradores do Ministério Público Federal disseram que “o ano de 2018 será a batalha final da Lava Jato”, porque as eleições vão determinar o futuro da luta contra a corrupção no país. O combate à corrupção corre o risco de depender do resultado das eleições do ano que vem? O calendário político pode influenciar a deflagração de novas ações?

Penso que o combate à corrupção no Brasil deve ser visto como um processo permanente de depuração, que não há de se limitar ao tempo da Lava Jato. Ainda que tenha havido altos e baixos no combate à corrupção no Brasil ao longo dos anos, é certo que algumas instituições nacionais se consolidaram antes da Lava Jato e continuam se aperfeiçoando, a exemplo do conjunto de organizações públicas responsáveis por investigar, processar e punir as mazelas da vida pública brasileira, ou seja, órgãos como a Justiça Federal, Ministério Público Federal, Polícia Federal e outros entes da administração pública que exercem atribuições de fiscalização.

O ano de 2018 será também muito importante nesse processo, assim como já foram bastante positivos os avanços ocorridos nos anos recentes de Lava Jato. O sucesso econômico, social e de moralização pública em nosso país depende muito mais da conscientização política do eleitor brasileiro na escolha de seus próximos representantes do que propriamente de alguma iniciativa “mágica” tipo “batalha final da Lava Jato”. Acredito que o desfecho conclusivo da Lava Jato dependerá das consequências de investigações e de ações judiciais a serem finalizadas, sendo que nem sempre os resultados nesse campo são previsíveis.

Houve um corte significativo no orçamento da União previsto para a PF em 2018. Em julho, a PF de Curitiba encerrou o grupo de delegados exclusivos para a Lava Jato, alegando “dificuldades operacionais”. Esse tipo de movimentação interna sempre existiu? Como interpretar tal alternativa no momento que vivemos?

A julgar pelas declarações do próprio Daiello e do Superintendente Regional da PF/Paraná, Rosalvo Franco, as mudanças na força-tarefa de Curitiba seriam decorrentes da redução de demandas da Operação Lava Jato naquele Estado. Isso porque à medida que os inquéritos se transformam em ações penais e em posteriores sentenças judiciais, os procedimentos investigatórios de cada caso tendem a reduzir ou até mesmo se esgotar. Eu não tenho elementos para dizer se houve cortes no orçamento da PF, mas se for verdade, haveria um grande prejuízo não apenas para a Lava Jato, mas sim para toda a gestão da atividade policial federal em nível nacional. Mas, estou certo de que se verdadeira essa afirmativa, os dirigentes da Polícia Federal não aceitarão passivamente qualquer decisão nesse sentido.

Numa entrevista à Folha de São Paulo, quando ainda era diretor-geral da PF, o senhor destacou a autonomia do órgão em relação ao Ministério da Justiça e à Presidência da República. O senhor vê a PF com autonomia atualmente?

Eu não vejo nenhum problema em a Polícia Federal ser vinculada ao Ministério da Justiça, este por sua vez subordinado à Presidência da República. A autonomia que eu vejo com simpatia para a PF seria apenas de caráter administrativo e orçamentário, a fim de que o órgão não dependesse da boa vontade dos governantes em termos de recursos materiais e humanos. No mais, percebo que a mentalidade da maioria dos policiais federais é de que já existe independência operacional suficiente para conduzir e aprofundar as investigações, sempre com acompanhamento do Ministério Público e anuência do Poder Judiciário. Em toda a sua existência, a PF realizou as suas atribuições legais com autonomia investigativa, ainda que em alguns casos haja tentativas de pressão de pessoas poderosas, porém que se revelaram infrutíferas. No geral, o policial federal tem a cultura de não se submeter a interesses escusos por parte de quem quer que seja.

Durante a posse dele, Fernando Segóvia fez comentários sobre as investigações que envolviam o presidente Michel Temer e a delação dos executivos da JBS. Ele afirmou que “talvez uma mala não desse toda a materialidade para apontar se houve ou não crime”. O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, criticou a fala. Como o senhor vê a relação entre PF e MPF nesse momento?

Em minha opinião, o diretor-geral da PF, assim como todos os demais delegados, não deveria se manifestar sobre apurações em andamento, e talvez, por isso o MPF tenha criticado a fala de Segóvia. A PF e o MPF são órgãos essenciais ao nosso país. Eles devem buscar uma relação de convivência harmônica e o fortalecimento da cooperação, haja vista que a desarmonia entre referidos órgãos só interessa ao crime organizado, seja este de que natureza for.

Desde o mensalão, operação que o senhor comandou estando à frente da PF, avançamos no combate à corrupção?

Como eu disse anteriormente, o combate à corrupção não começou agora e nem vai se esgotar com a Lava Jato. O episódio mensalão e outros grandes casos mais antigos tiveram o condão de evidenciar as deficiências da nossa legislação criminal, apontando a necessidade de modernizar os instrumentos investigativos e processuais penais. Lembro que após o mensalão surgiram regras legislativas importantes, como a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), a Lei de Atualização da Lavagem de Dinheiro (Lei nº 12.683/2012), a Lei de Criminalização da Pessoa Jurídica (Lei nº 12.846/2013) e, principalmente, a nova Lei de Colaboração Premiada (Lei nº 12.850/2013), esta última que vem sendo fundamental para o êxito da Lava Jato.

Recentemente, o senhor prestou depoimento ao juiz Sergio Moro como defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como o senhor avalia a possibilidade de candidatura de Lula em 2018?

Embora eu não tenha qualquer ligação político-partidária, fui arrolado pela defesa do ex-presidente e cumpri o dever de falar a verdade sobre a independência da Polícia Federal e os inegáveis avanços materiais com a modernização da PF no primeiro governo Lula. Sobre a candidatura de Lula em 2018, penso que as ações judiciais a que ele responde podem inviabilizar sua eventual candidatura caso seja confirmada em segunda instância alguma condenação judicial. Porém, se Lula conseguir concorrer no próximo pleito presidencial, certamente será um candidato muito forte, porque apesar de tudo o que se atribui ao ex-presidente, ele continua sendo uma liderança política importante no Brasil.

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