Com relevância em queda, MBL busca diálogo até com a esquerda
Ao longo dos anos, o grupo perdeu alcance na internet, meio no qual angariou apoiadores e se consolidou como movimento antipetista no país
atualizado
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Protagonista na mobilização popular que foi pano de fundo para o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, e força política que elegeu nomes de destaque em duas eleições seguidas, o Movimento Brasil Livre (MBL) enfrenta uma contínua queda de relevância no ambiente em que construiu sua força, a internet. Levantamento do (M)dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, mostra que os canais do movimento em plataformas como YouTube e Twitter registram menos visualizações, curtidas e retuítes (veja abaixo).
Essa nova realidade se reflete nas opções que o grupo pretende oferecer aos eleitores no pleito de 2020: ao invés de cara novas, restará a tentativa de reeleger “velhos” nomes, como o vereador Fernando Holiday (DEM) em São Paulo. O político foi eleito em 2016 e ficou conhecido pela militância antipetista e o pensamento liberal. A maior aposta do movimento, que já cogitou virar partido quando estava em alta, será lançar o deputado estadual Arthur do Val, o “Mamãe Falei”, a prefeito de São Paulo.
Ao Metrópoles, Holiday admitiu a queda em engajamentos com o grupo nas redes sociais, e, como justificativa, citou um momento político mais “equilibrado” em relação ao período em que o PT esteve no poder. Outro motivo, avalia Holiday, se deve ao “cansaço” das pessoas em discutir política a todo instante. No entanto, ele sustenta que, quando há notícias relevantes que “movem o mundo político”, o movimento recebe alto retorno.
“Muito provavelmente as pessoas estão começando a se cansar de discutir política a todo instante. Era mais premente quando tinha o PT no governo, quando a população havia se cansado do governo. Como as coisas começaram a se ‘equilibrar’, começou a diminuir o engajamento”, complementa. Holiday espera, contudo, que os apoiadores do MBL façam uma filtragem entre os polos – a esquerda e a direita radical – e entenda que a direita não é um espectro unificado. Assim, acredita que conseguirão renovar o apoio.
“MBL ficou num limbo político”
Para o cientista político Lucas de Aragão, da consultoria Arko Advice, os elementos políticos que possibilitaram o sucesso do MBL não existem mais. “Quando eles surgiram, havia duas linhas de raciocínio político no Brasil: o petismo e o antipetismo. Eles conseguiram representar o antipetismo por um tempo, mas essa força se diluiu”, avalia.
Para o pesquisador, o bolsonarismo conseguiu, à partir da eleição de 2018, representar melhor essa ala do eleitorado e acabou excluindo os personagens mais moderados, o que inclui o próprio MBL. “A narrativa do antipetismo grudou no bolsonarismo e o MBL ficou órfão de discurso, ficou excluído dos dois grupos, porque a esquerda não os perdoa e a direita que chegou ao poder não precisa deles. Quem vai escutar o MBL?”, questiona.
O público do movimento, segundo Aragão, não acabou, mas agora se concentra entre as pessoas que não gostam da gestão Bolsonaro, mas também não se identificam com a esquerda. “Só que esse público não está na polarização e, por isso, não se engaja tanto politicamente, não vê muitos vídeos no YouTube. O MBL ficou num limbo político”, conclui.
Ainda segundo Lucas de Aragão, a esperança de um renascimento da força do MBL depende de um aumento na rejeição ao governo por parte de pessoas que hoje o consideram regular. “Ou se produzir um novo nome, uma figura que seja um fenômeno político. Mas isso está no terreno do imponderável.”
Estratégia
Como alternativa para reconquistar o espaço perdido, o vereador conta que não há um plano específico. Mas o grupo decidiu investir em mais “discussões com respeito” desde o ano passado, sobretudo com integrantes da esquerda. Holiday cita um debate político entre o deputado federal Kim Kateguiri (DEM-SP) e Sâmia Bomfim (Psol-SP) e até uma entrevista que ele concedeu a um portal com matérias progressistas.
Apesar de ter amenizado o discurso contra figuras políticas adversárias, Holiday afirma que o grupo não é movido pelo desejo de acabar com a polarização, mas de manter a discussão “mais consciente”. “É uma maneira de manter a polarização, que não acho que seja ruim. Mas é consciente de que do outro lado existem pessoas que acreditam naquilo que defendem.”
O vereador admite que o MBL polarizou o cenário político em 2016, mas de um modo no qual não acredita mais. “Não era discussão de ideias, mas a demonização de pessoas. Acho que muitas vezes poderíamos ter feito um debate mais pé no chão e deixamos de fazê-lo, principalmente nesses últimos dois anos. Temos corrigido isso e buscado dar um exemplo”, admite.
Eleições 2020
Apesar de já se colocarem como pré-candidatos, Holiday e do Val ainda não têm um partido para representá-los no pleito deste ano. As negociações estão avançadas com o Patriotas e, segundo o vereador, “muito provavelmente” o acordo deve ser fechado até março. Ambos teriam a liberdade de montar a própria chapa e procurar por candidatos com propostas semelhantes às deles.
O discurso na corrida às urnas manterá um distanciamento da narrativa bolsonarista, porque apesar de o MBL ter uma “aproximação natural” com algumas figuras do governo, como os ministros Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Paulo Guedes (Economia), há ainda muitas críticas ao que classificam como direita radical do Executivo.
Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o cientista político Rui Tavares Maluf diz que o MBL cumpriu um papel importante em determinado momento e que ver esse papel se esvair de alguma forma não apaga o sucesso do passado. “Eles surgiram em uma onda, mas momentos como aquele, de crise, são passageiros. Não digo que caminham para o fim inevitável, mas é fato que vão precisar, de alguma maneira, se recalibrar”, avalia.