Com Lula, Bolsonaro agora tem “rival à altura”, avaliam especialistas
Cientistas políticos avaliam impactos da decisão do ministro Edson Fachin de anular todos os processos de Lula na Lava Jato
atualizado
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A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava Jato traz mudanças importantes ao cenário político do país, avaliam especialistas. Agora, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem um “adversário à altura”, e os partidos e possíveis candidatos de centro – ou que se mostram como de centro, afastando-se do chefe do Executivo, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB); ou de Lula, como Ciro Gomes (PDT) – perdem espaço na corrida eleitoral.
Relator da Lava Jato na Suprema Corte, Fachin decidiu anular, na segunda-feira (8/3), todos os processos envolvendo o ex-presidente Lula no âmbito da 13ª Vara Federal em Curitiba. Na prática, essa medida torna o petista elegível, de acordo com a Lei da Ficha Limpa, e permite, portanto, que o ex-mandatário seja candidato em 2022.
O ministro do STF entendeu que a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba não era o juízo competente para processar e julgar casos envolvendo o petista.
Além de tornar Lula elegível, a decisão livra o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro do julgamento sobre a suspeição nos processos contra o petista na Lava Jato, após o vazamento de diálogos entre procuradores do Ministério Público do Paraná (MPPR). Isso porque 10 habeas corpus e quatro reclamações apresentadas pela defesa de Lula perderam objeto. Logo, a 2ª Turma do STF fica impedida de julgar se Moro foi parcial ou não.
“O ministro Edson Fachin ficou encurralado com a situação e resolveu, ele mesmo, usar da tecnicidade da ação para extinguir os objetos apresentados pela defesa e, assim, não tem como alegar a suspeição de Moro nas ações, o que tira o risco de o ex-ministro de ser declarado juridicamente suspeito”, avalia o cientista político João Feres, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em conversa com o Metrópoles.
“Ficou evidente que havia, no mínimo, suspeitas fortíssimas de envolvimento do Moro e do [Deltan] Dallagnol nas ações contra o ex-presidente. Então, Fachin, antecedendo que seria derrotado, transfere o foro de Curitiba para Brasília. Esse processo, ainda que vá para o plenário do STF, será difícil reverter. Como também é muito difícil uma condenação de Lula na Justiça Federal do Distrito Federal”, complementa o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Do ponto de vista da democracia, assinala João Feres, o veredito do ministro foi em tempo, pois antecipa o desgaste eleitoral. Isso porque a deliberação aconteceu mais de um ano antes das próximas eleições, o que permite, segundo o docente, um período maior para o sistema se estabilizar. “A elegibilidade de Lula desestabiliza o sistema político-eleitoral, mas a decisão é boa, pois ocorre bem antes do pleito, então dá tempo de o cenário se estabilizar até as eleições – ao contrário do que seria caso Lula se tornasse elegível nas vésperas”, explica.
Nesse sentido, Grin ressalta que possíveis candidatos que têm se mostrado antagônicos tanto ao atual mandatário quanto ao Partido dos Trabalhadores (PT) – sigla do ex-presidente Lula –, como o governador de São Paulo, João Doria; o apresentador Luciano Huck; o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM); e, sobretudo, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, perdem fôlego na corrida eleitoral, uma vez que Lula criará, segundo o cientista político, um forte campo gravitacional ao seu redor.
“A gente, desde já, vai voltar a um cenário que se julgava esgotado depois de 2018, que é o da polarização política. Temos um candidato cada vez mais caminhando para a extrema direita, que é o Bolsonaro, e um candidato de esquerda, [que é Lula], o que significa dizer que a chamada candidatura de centro no Brasil, essa gelatina orbitada em torno de Huck, Moro, Maia, Doria, Ciro… enfim, essa maçaroca que ninguém sabe o que sai daí, esse agrupamento, por sua indefinição de nomes, naufragou. Vai ser muito difícil fazer crescer uma outra candidatura que não seja a de Lula e a de Bolsonaro”, completa Grin.
O cientista político Marco Teixeira também frisa a perda de fôlego de possíveis candidaturas mais ao centro. Ele acrescenta, por sua vez, a necessidade de se buscar alianças. Em entrevista ao UOL, na manhã da última segunda-feira (portanto, antes da decisão do ministro Edson Fachin), Ciro Gomes pontuou já ter visto um filme sobre a discussão gerada em torno da elegibilidade de Lula e afirmou: “Não contem comigo para esse circo mambembe, porque a tragédia brasileira não permite mais contemporização”.
“A decisão muda para o PT, que já tinha colocado Fernando Haddad em cena”, explica Marco Teixeira. “Mas Lula é uma pessoa experiente nos termos políticos. Ele pode até voltar a falar com o Ciro Gomes e, quem sabe, fazer acontecer no Brasil o que aconteceu na Argentina, onde a ex-presidente Cristina Kirchner foi vice de Alberto Fernández. Agora, Doria talvez tenha de buscar alinhamento com o DEM, pois o centro fica mais fragilizado”, explica o doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).
“A questão é que as posições entre Bolsonaro e Lula se inverteram. Em 2018, Bolsonaro era um franco-atirador; agora, é o telhado de vidro. Ou seja, o efeito de um discurso antipetista, uma vez que Bolsonaro está no poder, perde um pouco do efeito. O jogo está aberto”, afirma o cientista político.
“Bolsonaro vai dizer o quê? Que ‘o PT é corrupto’? Que ‘o PT quebrou a economia’? Como, se o ministro da Economia dele disse que iria recuperar a economia em um ano, e até agora nada? Então, o Bolsonaro ganha aquele ‘candidato à altura'”, completa Grin, da FGV.
Em fevereiro, o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, disse, em entrevista à GloboNews, que não vê, “no momento”, oposição ao presidente Jair Bolsonaro em 2022.
Pesquisa de opinião publicada no último sábado (6/3) pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que apenas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra ter mais capital político do que o atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro. No levantamento, feito pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), 50% dos entrevistados disseram que votariam com certeza ou poderiam votar em Lula se ele se candidatasse novamente à presidência. Já Bolsonaro aparece com 12 pontos porcentuais a menos no potencial de voto (38%).