Bolsonaro se reuniu ao menos 27 vezes com “ministério paralelo”
Além das reuniões realizadas no gabinete presidencial, o chefe do Executivo ainda promoveu dois eventos com alguns integrantes do grupo
atualizado
Compartilhar notícia
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se reuniu ao menos 27 vezes com integrantes do “ministério paralelo”, em seu gabinete, no terceiro andar do Palácio do Planalto. É o que mostra um levantamento feito pelo Metrópoles, com base na agenda presidencial.
A reportagem considerou reuniões de Bolsonaro, entre março de 2020 e maio de 2021, com o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub; o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos RJ), filho do presidente; o empresário Carlos Wizard; o médico Luciano Dias Azevedo; o deputado Osmar Terra (MDB-RS); e a médica Nise Yamaguchi.
O “ministério paralelo” de aconselhamento a Bolsonaro durante a pandemia é investigado pela CPI da Covid, no Senado Federal. Os nomes considerados pela reportagem foram citados em lista elaborada pelo relator do colegiado, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
A suspeita de um assessoramento extraoficial surgiu durante depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Os senadores trabalham com a hipótese de que as orientações desse grupo eram definidas pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e responsável pela estratégia de comunicação digital do presidente, por Arthur Weintraub, e pelo ex-ministro da Cidadania Osmar Terra.
Em depoimento à CPI, Mandetta e o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, relataram que Carlos Bolsonaro participava de reuniões e fazia anotações dos encontros.
De acordo com o levantamento do Metrópoles, o deputado Osmar Terra foi quem mais se reuniu com Bolsonaro em pouco mais de um ano de pandemia. No total, foram 17 encontros, dos quais 12 contaram com a presença de outros convidados. Em outras cinco ocasiões, o deputado se reuniu sozinho com o presidente.
Na sequência, Carlos Bolsonaro participou de cinco reuniões ao lado do pai, segundo os registros oficiais. Entre elas, o vereador carioca acompanhou encontros virtuais com governadores das regiões Norte, Nordeste e Sul sobre a pandemia.
A médica Nise Yamaguchi se reuniu quatro vezes com o presidente Jair Bolsonaro, segundo a agenda presidencial.
Na CPI, Nise foi questionada sobre quantas reuniões teve com Jair Bolsonaro. A médica respondeu que foram “umas quatro, cinco vezes”. Em nenhuma dessas ocasiões, segundo ela, esteve sozinha com Bolsonaro.
De acordo com a agenda divulgada pela Presidência, no entanto, Nise esteve a sós com Bolsonaro em 15 de maio de 2020. O encontro durou 10 minutos.
O médico Luciano Dias Azevedo participou de uma reunião com o presidente Bolsonaro. O empresário Carlos Wizard e o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub não tiveram agendas públicas com o chefe do Palácio do Planalto. Nada impede, no entanto, que encontros não tenham sido divulgados. Os dois eram presenças frequentes em cerimônias (veja mais abaixo).
“Gabinete das sombras”
Além das reuniões com o “ministério paralelo” no gabinete presidencial, o presidente Jair Bolsonaro realizou dois eventos, no Palácio do Planalto, que contou com a presença de alguns integrantes do grupo.
A primeira cerimônia, chamada de “Brasil vencendo a Covid”, foi realizada em 24 de agosto, no Salão Nobre, localizado no segundo andar do prédio da Presidência. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que se um “bundão” da imprensa contraísse o novo coronavírus, a chance de sobreviver seria “bem menor”. Na época, Brasil registrava 114 mil mortes pelo novo coronavírus.
Os médicos Luciano Dias Azevedo e Nise Yamaguchi, além do deputado Osmar Terra, estavam entre os presentes. Eles defenderam o chamado “tratamento precoce”, que consiste no uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 para tratar a doença. Então assessor especial da Presidência, Arthur Weintraub, e empresário Carlos Wizard participaram da cerimônia.
Veja fotos da cerimônia:
Já em 8 de setembro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro recebeu o deputado Osmar Terra e representantes do grupo “Médicos pela Vida”, como consta na agenda do Planalto. O evento ocorreu na Sala de Audiências, no terceiro andar do prédio.
Na época, Bolsonaro transmitiu o evento pela sua página no Facebook. O vídeo foi resgatado e publicado pelo Metrópoles na sexta (4/6).
Na ocasião, o virologista Paulo Zanoto sugeriu explicitamente a criação de um “shadow cabinet”, ou “shadow board” (gabinete das sombras, em tradução livre) para aconselhar o governo federal sobre a pandemia de coronavírus.
Em sua fala, Zanotto revelou que Arthur Weintraub, então assessor especial da Presidência, fazia a interlocução entre os profissionais do aconselhamento paralelo e o presidente Jair Bolsonaro.
“A gente não tem condições neste momento de dizer que qualquer vacina poderia estar, realisticamente, no que eles chamam de fase 3. Isso é muito sério. Então, nesse sentido, a gente precisaria… a minha sugestão, até enviei uma mensagem ao Executivo, mandei a carta para Weintraub, para o Arthur… talvez fosse importante se montar um grupo, e a gente poderia ajudar”, disse o médico.
“Eu não vou fazer parte desse grupo, não sou especialista em vacinas, mas gostaria de ajudar o Executivo a montar um ‘shadow board’. De uma certa forma, o meu interesse está em dar ao Executivo no Brasil a chance de contatar alguns dos melhores pesquisadores do Brasil em áreas que são fundamentais para vocês poderem desenvolver coisas importantes, como se fosse um ‘shadow cabinet’. Eles não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade, à imprensa”, prosseguiu.
Durante discurso na cerimônia, que foi fechada à imprensa, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, sem apresentar dados para comprovar a tese, que a cloroquina poderia ter salvado até um terço do total das 120 mil mortes registradas na época. Por esse cálculo, segundo Bolsonaro, cerca de 40 mil vidas teriam sido salvas. O remédio não tem eficácia comprovada cientificamente contra a Covid-19.
Sem citar quais, o chefe do Executivo federal disse à época que teve acesso a “alguns estudos” que mostram que a cloroquina “pode, sim, evitar que pessoas sejam levadas à UTI ou até mesmo intubadas”.
Veja fotos do evento: