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Bolsonaro ignora 75% das posses de presidentes da América do Sul

Ausências se justificam, em sua maioria, por distanciamento ideológico. Ao ignorar vizinhos, presidente se descola de antecessores

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Presença de Bolsonaro em posses de presidentes da América Latina
1 de 1 Presença de Bolsonaro em posses de presidentes da América Latina - Foto: Yanka Romão/Editoria de Arte/Metrópoles

Por falta de alinhamento ideológico, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem se distanciado de chefes de Estado de nações latino-americanas. O afastamento se reflete na ausência em cerimônias de posse de presidentes de países vizinhos. Das oito cerimônias de posse de nações da América do Sul ocorridas durante seu mandato, Bolsonaro marcou presença em apenas duas e faltou a seis, o que representa um percentual de abstenção de 75%.

Entre as seis posses, o levantamento do Metrópoles contabilizou uma que vai ocorrer no próximo mês: a do presidente eleito do Chile, o líder de esquerda Gabriel Boric, marcada para 11 de março. Bolsonaro já avisou que não deve viajar ao Chile para a posse de Boric, que derrotou nas eleições de dezembro o candidato de ultradireita José Antonio Kast, apoiado por bolsonaristas.

Em seu lugar, Bolsonaro escalou o vice, Hamilton Mourão (PRTB), para representá-lo no Chile. Foi assim também com o peronista Alberto Fernández, na Argentina, e com o socialista Pedro Castillo, no Peru. Nas eleições argentinas, Bolsonaro expressou claro apoio ao então mandatário, o liberal Mauricio Macri, com quem possuía boa relação.

Confira as participações do presidente em posses de vizinhos de continente:

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Depois que Fernández tomou posse, em dezembro de 2019, o líder brasileiro chegou a dizer que a economia argentina estava “ladeira abaixo”.

No caso de Castillo, o brasileiro chamou o líder peruano de “um cara do Foro de São Paulo”. Em uma demonstração de boa vontade com o país vizinho, porém, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, acompanhou o vice Mourão na solenidade de posse do peruano, em julho de 2021.

Nas demais cerimônias, o chefe do Executivo federal enviou como representantes embaixadores brasileiros já residentes nos países, o que é considerada representação meramente protocolar. Foi o caso da Bolívia, que elegeu Luis Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS).

Na posse de Arce, em novembro de 2020, o país foi representado pelo embaixador em La Paz, Octávio Côrtes. Na época, o Itamaraty ainda era chefiado por Ernesto Araújo, considerado um chanceler mais ideológico que o atual. Ernesto teria considerado a presença do embaixador mais do que suficiente para a ocasião.

Quebra de tradição

O afastamento de líderes latino-americanos descola Bolsonaro dos antecessores, que não deixaram de manter os vizinhos por perto e de fazer gestos de deferência diplomática. Pelo tamanho e posição estratégica, tradicionalmente, o Brasil preserva nações sul-americanas próximas e exerce forte influência sobre a região.

Essa “política de boa vizinhança” é importante em razão do comércio inter-regional e da promoção de investimentos brasileiros.

“A própria integração regional, a despeito de governos mais à esquerda ou um pouco mais à direita no Brasil, ela sempre foi promovida”, resgata Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e pesquisador do INCT/Ineu.

Ele lembra que cada governante brasileiro privilegiou um formato de atuação, seja por meio do Mercosul, por meio de acordos bilaterais ou de mecanismos institucionais mais amplos, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

“Mas ela sempre foi um ponto interessante de atuação da nossa política externa, independentemente das ideologias ou questões partidárias”, complementa.

Para Leite, uma das características da política externa sob Bolsonaro é o auto-isolamento. “É perceptível que há uma falha, portanto, da nossa política externa, há uma quebra de tradição e ela não é substituída por nada. Ela não é substituída por outras formas de aproximação, por outros aparatos institucionais”.

Na visão do professor, além da ideologização ao extremo e da visão isolacionista de mundo, há um desconhecimento acerca do papel do Brasil na sua região e, principalmente, uma visão personalista desconectada dos interesses pragmáticos do Estado.

Bolsonaro tende a se afastar de países vizinhos após a eleição de líderes de esquerda, posto que busca chefes de Estado baseado no critério político-ideológico, como foi o caso de Vladimir Putin, da Rússia, e Viktor Orbán, da Hungria, visitados na semana passada.

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Vácuo ocupado

Com o Brasil deixando a posição de ator primordial na região sul-americana, é aberto um vácuo para a atuação de outras nações, como México, Colômbia, Peru e Chile, que passaram a ser movimentar mais recentemente.

Além da ausência em oportunidades como cerimônias de posse e outras agendas bilaterais, o Brasil tem se afastado de fóruns sul-americanos, os quais não faz questão de fortalecer. “Na prática, isso significava acordos melhores, instituições melhores, participação comum em votações conjuntas de organizações internacionais. Havia um ganho ali, mesmo com a ideologia. Ideologia sempre vai existir, o problema é o que se faz dela”, explica Lucas Leite.

“Quando Jair Bolsonaro atua desse jeito, ao contrário dos demais, ele mostra que não é apenas uma questão ideológica, mas de uma ideologia levada a cabo em detrimento do resto, que era o que os outros não faziam”, resume.

América Central

Outra região sobre a qual o Brasil historicamente vinha exercendo influência, a América Central também tem sido relegada a um segundo plano pela atual gestão.

Bolsonaro esnobou a esquerdista Xiomara Castro, eleita presidente de Honduras em novembro de 2021. A ausência teria se justificado por um convite ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula acabou não comparecendo, mas a ex-presidente Dilma Rousseff esteve lá. Esposa do ex-presidente Manuel Zelaya, que foi alvo de um golpe de Estado em 2009 e ficou abrigado em uma embaixada brasileira, Castro é próxima ao PT.

Em uma posse prestigiada por dezenas de líderes, também participaram da cerimônia as vice-presidentes Cristina Kirchner, da Argentina, e Kamala Harris, dos Estados Unidos, além do rei da Espanha, Felipe VI. O Brasil

Na Nicarágua, Daniel Ortega venceu eleições de fachada em novembro de 2021 e deu início a seu quarto mandato consecutivo. O Brasil também não enviou representante formal.

Além da ausência de representantes do alto escalão em posses, encarada como sinal de descaso no meio diplomático, em três anos de mandato, Bolsonaro não visitou nenhum país do sub-continente. Por outro lado, esteve em países geograficamente distantes, como Emirados Árabes Unidos e Catar por duas vezes cada.

Mudanças de rumos

O governo brasileiro trilhou um caminho rumo ao isolamento diplomático ao longo dos primeiros três anos de mandato de Bolsonaro.

Ainda na posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro contou com a presença de apenas 10 chefes de Estado e de governo e vetou a presença dos governantes de três países: Cuba, Venezuela e Nicarágua, antecipando o distanciamento com países chefiados por esquerdistas.

Segundo país mais populoso da América do Sul, a Colômbia vai ter eleições entre maio e junho. O candidato favorito nas pesquisas é de esquerda: o senador Gustavo Petro, que vai concorrer contra o atual presidente Iván Duque, de direita e aliado ideológico de Bolsonaro. O resultado no país é considerado estratégico para ditar os rumos da esquerda na região.

Argentina, México e Venezuela, governados por líderes de esquerda e aliados históricos de Lula, indicaram que lhes agradaria uma mudança de governo no Brasil. O diálogo com essas nações hoje, se não fechado, é quase inexistente.

Seguem próximos de Bolsonaro — apesar de não serem propriamente aliados — o presidente do Chile, o bilionário Sebastián Piñera, e o presidente do Paraguai, o conservador Mario Abdo Benítez, mais conhecido como Marito.

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