Bolsonaro fez 81 eventos no Planalto durante a pandemia; apenas 10 voltados à Covid
Cerimônias palacianas contam com dezenas de convidados. Presidente costuma promover aglomerações e não usa máscara em diversas ocasiões
atualizado
Compartilhar notícia
Em um ano e meio de pandemia de coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) realizou 81 cerimônias no Palácio do Planalto. De acordo com um levantamento feito pelo Metrópoles com base na agenda presidencial, desse total, apenas 10 eventos foram voltados ou tiveram relação com a Covid-19.
A reportagem levou em conta todas as cerimônias realizadas nos salões Nobre, Leste e Oeste do Palácio do Planalto, além dos eventos promovidos na Sala de Audiências da Presidência desde março de 2020 – mês em que foi decretada a pandemia – até a segunda quinzena de agosto de 2021.
De março a dezembro do ano passado, o chefe do Executivo promoveu 46 eventos, sendo oito voltados à pandemia. Neste ano, foram 35 cerimônias até o momento e apenas duas agendas relacionadas à Covid-19.
Em toda a pandemia, Bolsonaro dedicou apenas 10 horas e 10 minutos para tratar da pandemia durante eventos palacianos, segundo registros oficiais. Em muitas ocasiões, ele saiu em defesa do “tratamento precoce”, que consiste no uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada para tratar a doença.
Em contrapartida, o presidente reservou 64 horas e 30 minutos para promover eventos sem relação com a crise sanitária que se aproxima das 600 mil vítimas.
Desse total de mais de 60 horas de eventos que não foram voltados à Covid-19, o chefe do Executivo passou 9 horas e 20 minutos apenas em cerimônias de posse de integrantes do primeiro escalão — a mais recente, uma das mais lotadas em um ano e meio de pandemia, foi a de Ciro Nogueira, que assumiu o comando da Casa Civil.
Cerimônias relacionadas à Covid
A primeira vez em que Jair Bolsonaro promoveu um evento no Palácio do Planalto voltado à pandemia de coronavírus, foi em 30 de junho de 2020, quando prorrogou o pagamento do auxílio emergencial.
Em 6 de agosto do mesmo ano, o mandatário do país assinou uma medida provisória que viabilizou R$ 1,9 bilhão em recursos para a produção e compra da vacina AstraZeneca/Fiocruz. Na ocasião, o chefe do Executivo defendeu o tratamento precoce.
“E a gente fica triste, prezada Tereza Cristina [ministra da Agricultura], quando a gente vê pessoas assinando decreto proibindo determinado medicamento. Mesmo que não tenha comprovação científica, mas ele não apresentava uma alternativa. O que está em jogo? Vidas. E, desde o começo, eu assumi essa postura: tinha que fazer alguma coisa, mesmo não sendo médico”, disse o presidente no evento.
No mesmo mês, no dia 19, o governo sancionou duas medidas provisórias que facilitavam o acesso ao crédito para micro, pequenas e médias empresas afetadas pela pandemia.
Em 24 de agosto do ano passado, Bolsonaro promoveu o evento “Brasil vencendo a Covid-19”. Na época, o país registrava 114 mil mortes pelo novo coronavírus. No evento, o presidente afirmou que se um “bundão” da imprensa contraísse o vírus, a chance de sobreviver seria “bem menor”. Novamente, defendeu o tratamento precoce.
“Fomos vendo devagar que existia sim, uma sinalização, que se ministrando precocemente esse protocolo, por assim dizer, não é? Usar hidroxicloroquina com azitromicina, as pessoas tinham muito mais chances de viver. Aqui nesse prédio [da Presidência], 200 e pouco servidores foram acometidos da Covid e pelo que eu fiquei sabendo, a grande maioria, senão todos, não posso comprovar, usaram a hidroxicloroquina. Nenhum foi internado. Acredito mais de 10 ministros, aqui tem um aqui, mais de 10 ministros pegaram a Covid e se trataram, logicamente com receita médica, com hidroxicloroquina. E nenhum foi hospitalizado, nenhum foi internado. Então é sinal, a observação, é que está dando certo”, afirmou.
Já em 8 de setembro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro recebeu o deputado Osmar Terra (MDB-RS) e representantes do grupo “Médicos pela Vida”, como consta na agenda do Planalto. O evento ocorreu na Sala de Audiências, no terceiro andar do prédio.
Na ocasião, o virologista Paulo Zanoto sugeriu explicitamente a criação de um “shadow cabinet”, ou “shadow board” (gabinete das sombras, em tradução livre) para aconselhar o governo federal sobre a pandemia de coronavírus.
Em sua fala, Zanotto revelou que Arthur Weintraub, então assessor especial da Presidência, fazia a interlocução entre os profissionais do aconselhamento paralelo e o presidente Jair Bolsonaro.
Durante discurso na cerimônia, que foi fechada à imprensa e com transmissão pelas redes oficiais do presidente, Bolsonaro afirmou, sem apresentar dados para comprovar a tese, que a cloroquina poderia ter salvado até um terço do total das 120 mil mortes registradas na época. Por esse cálculo, segundo Bolsonaro, cerca de 40 mil vidas teriam sido salvas.
Sem citar quais, o chefe do Executivo federal ainda disse na ocasiçao que teve acesso a “alguns estudos” que mostravam que a cloroquina “pode, sim, evitar que pessoas sejam levadas à UTI ou até mesmo intubadas”.
Dando sequência às cerimônias que tiveram relação direta com a Covid, em 19 de outubro de 2020, o Planalto realizou um evento para anunciar que um vermífugo tinha eficácia contra a doença. Na cerimônia, o governo não apresentou dados completos e usou um gráfico idêntico ao de um banco de imagens.
Em 10 de novembro, Bolsonaro realizou um evento para “lançar” a retomada do setor de turismo, fortemente impactado pela pandemia. No mês seguinte, em 16 de dezembro, o governo lançou o plano nacional de vacinação contra a Covid-19.
Em 2021, o presidente Jair Bolsonaro dedicou 32 horas e 50 minutos para cerimônias no Palácio do Planalto. Desse número, apenas uma hora e 45 minutos foram para agendas com relação com a pandemia.
Na primeira delas, em 10 de março, o chefe do Executivo sancionou alguns projetos de lei que ampliaram a capacidade de aquisição de vacinas pelo Brasil.
Na cerimônia mais recente, realizada em 11 de maio, o presidente liberou recursos voltados para a “Atenção Primária à Saúde no Enfrentamento da Covid-19”.
Aglomerações e falta de máscaras
Na maioria das cerimônias, nem o presidente nem parte dos convidados fazem o uso da máscara, como recomendam as autoridades sanitárias do Brasil e do mundo.
Os eventos costumam contar com a presença de dezenas de pessoas. No meio da pandemia, o Palácio do Planalto passou a seguir orientações de distanciamento e passou a manter um espaço maior entre as cadeiras dos convidados. Atualmente, no entanto, a prática não é seguida à risca, havendo cerimônias sem distanciamento social.
Em evento de cumprimento aos oficiais-generais promovidos, realizada na última quinta-feira (12/8), o mestre de cerimônias da Presidência informou que o uso de máscara durante a ocasião era “opcional”.
Na cerimônia, presidente Jair Bolsonaro e os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Ciro Nogueira (Casa Civil) e Walter Braga Netto (Defesa) não faziam uso do equipamento de proteção.
“Informamos que o uso da máscara nesta cerimônia é opcional”, disse o mestre de cerimônias, que titubeou antes de concluir a frase e perceber que havia autoridades do Executivo sem máscaras. Ao fim do comunicado, os ministros Heleno e Braga Netto se entreolharam e riram.