Número de reuniões entre Bolsonaro e Mourão cai pela metade em 2020
Presidente e vice se encontraram 15 vezes, três em reuniões reservadas. Mourão passou meses inteiros sem ir ao gabinete presidencial
atualizado
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Em um ano marcado pelo aumento de tensões e consequente afastamento entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o vice, Hamilton Mourão (PRTB), os dois só se reuniram reservadamente três vezes em 2020, como apontam registros oficiais da agenda da Presidência da República.
Segundo o levantamento realizado pelo Metrópoles, além dessas três ocasiões, os dois também se encontraram em 12 oportunidades na companhia de outras autoridades, totalizando 15 compromissos conjuntos ao longo de todo o ano passado.
Os encontros passaram a ficar mais escassos no segundo semestre do ano, quando o vice passou meses inteiros sem pisar no gabinete presencial para agendas reservadas com o presidente — julho, agosto, setembro e novembro.
Nos seis últimos meses do ano, ele parou de ser convidado para audiências na companhia de outros ministros e só se reuniu com Bolsonaro em duas oportunidades (28 de outubro e 16 de dezembro), sendo ambas conversas particulares.
Apesar disso, o presidente e o vice se encontraram em compromissos conjuntos, como reuniões do Conselho de Governo, que contam com a presença de todo o gabinete presidencial, ministros de Estado e presidentes de empresas estatais, e cerimônias no Palácio do Planalto, como as posses de novos ministros.
Na comparação com 2019, o número de encontros registrados na agenda oficial reduziu pela metade: foram 30 reuniões no total no primeiro ano de governo (ante 15 no segundo) e oito audiências reservadas entre presidente e vice (ante três em 2020).
Divergências
O último encontro entre Bolsonaro e Mourão, em dezembro, veio após um jejum de quase dois meses e durou cerca de 30 minutos. Segundo o vice, o encontro abordou a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que tem o objetivo de incentivar o relacionamento bilateral entre Brasil e China.
A relação com o país asiático é, inclusive, um dos pontos de cisão entre os dois. Enquanto Bolsonaro trata da China de acordo com a cartilha ideológica — e é acompanhado por ministros como o chanceler Ernesto Araújo —, Mourão adota uma postura mais pragmática em relação ao maior parceiro comercial do Brasil.
Na contramão de Bolsonaro, que reduziu o contato com a imprensa em 2020, Mourão continua concedendo entrevistas exclusivas para veículos nacionais e estrangeiros. Ele encontra repórteres quase diariamente ao chegar e sair do gabinete da vice-presidência, localizado em um anexo do Palácio do Planalto.
Segundo interlocutores, a postura independente e as declarações do vice, que se manifesta sobre diversos assuntos e muitas vezes em contraponto a posições externadas por Bolsonaro, não têm agradado o chefe do Executivo. Em outubro, por exemplo, depois de Bolsonaro dizer que o Brasil não compraria a vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac, Mourão contradisse o presidente.
“Lógico que vai [comprar]”, respondeu o vice, afirmando que a polêmica sobre qual vacina adquirir se tratava apenas de uma “briga política” com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Em novembro, Bolsonaro disse que não conversava com o vice sobre eleições nos Estados Unidos nem sobre nenhum outro assunto. A fala foi feita horas após o vice ter se manifestado sobre o confronto na Casa Branca, quando Bolsonaro ainda se esquivava de reconhecer a vitória de Joe Biden contra Donald Trump.
“O que ele (Hamilton Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”, disse Bolsonaro à CNN Brasil.
O Palácio do Planalto informou à reportagem que não iria se manifestar. Procurada, a Vice-Presidência ainda não retornou. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.
Dilma e Temer
Dado o antagonismo, alguns analistas traçam paralelos entre o relacionamento de Bolsonaro e Mourão com o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e de seu vice, Michel Temer (MDB). A diferença fundamental, no entanto, é que Mourão não possui a mesma experiência e trânsito no meio político de Temer.
Para o advogado e cientista político Nauê Bernardo, professor da União Pioneira de Integração Social (Upis), o relacionamento entre presidentes e os respectivos vices se assemelha, “mas com muitas restrições”. Temer tinha peso maior do que Mourão nas articulações políticas e desempenhou, em várias ocasiões, o papel de político habilidoso do governo, lembra o cientista político.
Bernardo avalia ainda que o fato de Mourão ser indemissível e a força da ala militar no governo impedem um esvaziamento completo do vice. Mourão é general do Exército e está na reserva desde 2018, após 46 anos de serviço.
Apesar das divergências entre os dois, em janeiro de 2020, o presidente nomeou Mourão para chefiar o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), o que limitou a autoridade do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre a região. “Mourão tem conseguido, sim, exercer algum tipo de influência sobre o governo”, pontua Bernardo, frisando o papel do vice em questões relacionadas à Amazônia.
Cenário para 2022
Nas eleições de 2018, o PRTB foi o único partido a compor a coligação de Bolsonaro e, em troca, ganhou a vice na chapa. No entanto, Bolsonaro deve compor uma aliança de partidos mais ampla no próximo pleito e dá indícios de que pode optar por outro vice.
Uma possibilidade é a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que tem bastante apelo junto à base conservadora de Bolsonaro. Evangélica, ela tem grande proximidade com a agenda de costumes que o presidente tenta, sem sucesso, emplacar no Congresso.
Diferentemente de Mourão, que já disse que o aborto é uma escolha da mulher, Damares rechaça a prática, inclusive nos casos de fetos com microcefalia. A avaliação é a de que ela não deve se indispor ou antagonizar com o presidente em quesitos como esse.
Nesse cenário de possível escanteio, Mourão pode tentar disputar outros cargos para se manter na política. Em dois anos de governo, o general adquiriu mais capital político e visibilidade do que em toda sua carreira militar, o que o cacifa para disputar uma eleição majoritária em 2022.
Mourão pode concorrer ao Senado pelo estado do Rio Grande do Sul, sua terra natal, hipótese que já foi levantada pelo próprio general. Outra possibilidade, mais remota, é que se candidate ao governo do Rio Grande do Sul.