Base esfacelada e oposição unida criam cenário hostil a Bolsonaro
Enquanto presidente não forma apoio na Câmara, siglas contrárias conseguem unidade e Rodrigo Maia defende reforma, mas rechaça governo
atualizado
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A ida do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (26/3) faz parte da tentativa do governo federal de demonstrar que escuta os parlamentares e atende seus pedidos para dar início à tramitação da reforma da Previdência no Parlamento. No entanto, está longe de ser suficiente para garantir que a proposta comece a ser analisada.
O desgaste de Jair Bolsonaro (PSL) e dos membros de seu governo perante os deputados é grande, a ponto de o próprio líder do PSL, Delegado Waldir (GO), avaliar que a base atual de Bolsonaro tem apenas 55 votos na Casa, referindo-se à bancada do partido do presidente.
O requerimento para a convocação do ministro foi apresentado pelos líderes da oposição – Alessandro Molon (PSB-RJ), pela minoria, e Tadeu Alencar (PSB-PE), pelos socialistas –, logo no início dos trabalhos legislativos. O objetivo era unicamente procrastinar a tramitação da reforma. Enquanto o governo segue sem entender os sinais do deputados, que insistem na liberação de cargos e emendas, não houve arrefecimento dos conflitos com a articulação do Planalto.
Quem acompanhou as repercussões do churrasco oferecido por Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao presidente da República não imaginava que o clima entre o Palácio do Planalto e o Congresso ia se deteriorar com tamanha velocidade.
A relação do anfitrião com o Planalto se esgotou, tendo como estopim as cobranças do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, para que a Câmara avaliasse com celeridade o projeto do pacote anticrime idealizado pelo ex-juiz federal.
Lembrando a hierarquia na política, Maia, na última quarta-feira (20), já passou a não fazer segredo de sua irritação: “Eu sou o presidente da Câmara e trato com o presidente da República, só isso. Como ele [Moro] está começando na política, tem que compreender essa separação. É para ajudá-lo”, disse o presidente da Câmara ao deixar o plenário.
O democrata foi além ao dizer que Moro não tinha como cobrar compromisso dele. “Ele [Moro] não pode ter feito isso, não tenho nenhum compromisso com ele. Nem o conheço direito”, disse Rodrigo Maia.
Efeito Moreira Franco
No dia seguinte, ação da Lava Jato do Rio de Janeiro, que prendeu o ex-presidente da República Michel Temer (MDB-SP) e o ex-ministro Moreira Franco (MDB-RJ), cuja enteada é casada com Rodrigo Maia, só agravou o cenário – que já não estava propício ao início da apreciação no Congresso de propostas consideradas prioritárias ao governo.
Segundo interlocutores, Maia ficou ainda mais irritado com Moro por causa da operação, que teria sido comunicada ao ministro antes de ser deflagrada, detendo o sogro (foto acima) do presidente da Câmara.
Nessa segunda (25), contudo, o ministro Sergio Moro afirmou estar bem com Rodrigo Maia e declarou: “Depois da tempestade, vem a bonança”.
Campo minado
Observando o contexto da reforma da Previdência, a Câmara, por onde a proposta terá que iniciar sua tramitação, tornou-se campo minado para o governo. Ali, a oposição conseguiu deixar de lado suas disputas por protagonismos e se unir para rejeitar o projeto, agregando ainda mobilizações com entidades associativas, sindicatos e movimentos sociais da cidade e do campo.
Uma agenda conjunta de mobilizações dentro e fora do Congresso já foi definida e está sendo colocada em prática.
A exemplo do que ocorreu com o PDT, o PSB tende a fechar questão para votar contra a revisão das regras de aposentadoria dos brasileiros proposta pelo governo Bolsonaro. O processo de estudos já começou dentro do partido com uma reunião da bancada e deverá culminar com a reunião da Executiva socialista.
Recados
Enquanto a oposição se articula e constrói acordos para derrotar a proposta, insatisfeitos com a falta de atenção dos ministros, deputados de partidos considerados de centro, em princípio dispostos a ajudar o governo, podem aderir a um “novo recado ao Planalto” preparado pela oposição.
O planejamento dos opositores, que conta com parte desses deputados e da bancada evangélica, também insatisfeita com Bolsonaro, é derrubar o decreto do presidente que livrou da exigência de vistos para a entrada no Brasil cidadãos dos Estados Unidos e de outros países. A medida, unilateral, foi anunciada pelo presidente como um dos principais feitos de sua viagem aos Estados Unidos.
O PSol apresentou proposta de decreto legislativo para anular a medida anunciada pelo presidente e fazer valer o princípio da reciprocidade, tradicionalmente seguido pela diplomacia brasileira. Com o apoio de siglas aliadas do Planalto, o partido pretende apresentar nesta terça-feira (26/3) à Mesa Diretora da Casa um requerimento de urgência para que o decreto legislativo seja apreciado. O pedido conta com assinaturas de líderes do Centrão.
“Tem tudo para passar”, disse o deputado Júlio Delgado (PSB-MG). “Ninguém gostou de ver o fiasco [da liberação dos vistos]”, considerou.
Apesar do apoio de líderes, depende de Rodrigo Maia que a proposta vá à votação. Por isso, governo e a oposição observam neste ponto o termômetro do humor do presidente da Câmara em relação a Bolsonaro.
Caso aprovado, esse não será o primeiro recado passado pela Câmara ao Planalto. Em fevereiro, a Casa inaugurou as votações rejeitando, em votação simbólica, o decreto presidencial que permitia servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas de impor sigilo secreto ou ultrassecreto a dados públicos.
Além disso, a oposição quer aproveitar o campo minado para o governo e anular a Medida Provisória (MP) 870, que trata da reestruturação dos ministérios.
Tentativa de diálogo
Nesta semana, o governo já contará com a articulação do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), oficializado na Liderança da Maioria, para tentar formar uma base na Câmara. O deputado tem bom trânsito na Casa – ajudou no diálogo do governo do ex-presidente Michel Temer e conhece o Parlamento. Mesmo assim, sabe da dificuldade que enfrentará. “Hoje o governo não tem base. Ele tem só o PSL, e olhe lá”, disse.
O “olhe lá” mencionado por Ribeiro se tornou explícito com as críticas feitas pelo deputado Delegado Waldir à articulação da gestão Bolsonaro. “Eu próprio apoiei a postura do presidente [deputado Felipe Francischini] da CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] para adiar a designação do relator. O Paulo Guedes tem que vir aqui falar sobre a proposta”, disse o líder do PSL na Câmara.
Waldir chamou a reforma de “abacaxi” enviado pelo governo e disse que a gestão Bolsonaro precisa mandar “a faca” para o Parlamento descascar a proposta. Nessa segunda (25), o deputado continuava cético quando à articulação pelos votos necessários à aprovação das mudanças. “Ainda não mandaram essa faca para mim”, resumiu.
Sem conseguir encontrar um relator para a reforma na CCJ, o presidente Felipe Francischini (PSL-PR) disse que adiou o anúncio para quando houver melhora no “ambiente político”. Deputados da CCJ não descartam a possibilidade de um novo adiamento.