Apesar de críticas de Lula, autonomia do BC é unanimidade no Congresso
Mesmo aliados de Lula no Congresso não veem disposição para reavaliar a autonomia do Banco Central
atualizado
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a criticar a atuação de Roberto Campos Neto no comando do Banco Central. O petista, que já havia criticado o fato da autoridade monetária ser autônoma, mirou as taxas de juros elevadas e defendeu que o presidente da entidade preste contas ao Congresso Nacional. Apesar da fala belicosa, não há qualquer disposição entre congressistas opositores e até aliados ao governo em reavaliar a forma de atuação da instituição.
Sancionada em 2021 pelo então presidente, Jair Bolsonaro (PL), a autonomia do BC foi avalizada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal pela maioria dos deputados e senadores. A pauta era, na ocasião, uma das prioridades da agenda liberal-econômica do então ministro da Economia, Paulo Guedes.
Projetos de lei que buscavam regulamentar a independência da autoridade monetária tramitavam pelo Congresso Nacional desde a década de 1990. A mudança de panorama ocorreu após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entrar no circuito e trabalhar nos bastidores pela aprovação da matéria. Em seu discurso de reeleição, inclusive, o deputado destacou a aprovação do texto como um dos feitos de seu primeiro biênio frente à Casa.
O Metrópoles apurou que da parte de Lira não há qualquer disposição em rever a autonomia do BC. O mesmo serve para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que defende outras pautas como mais importantes para este ano. A indisposição em lidar com o tema encontra eco entre lideranças parlamentares e congressistas ouvidos pela reportagem.
Governistas inertes
O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), afirma que não há qualquer movimentação da parte do governo para alterar o regime de atuação da autoridade monetária. O petista argumenta que Lula deu autonomia para a atuação do Banco Central nos primeiros mandatos como presidentes e que “discordar não quer dizer que vá querer mudar”.
Para o líder do PSol na Câmara, Guilherme Boulos (SP), o problema não está na independência do BC, mas na atuação de Campos Neto. “O Banco Central não tem independência nenhuma nas mãos de Roberto Campos Neto, que é um infiltrado do bolsonarismo. O Brasil tem a maior taxa de juros real do mundo, por isso queremos que ele esclareça as motivações da atual política de juros. O Banco Central deve responder ao povo brasileiro”.
Já o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), defendeu cautela ante as ameaças de revisão do modelo de atuação do BC. “Nós temos que ter a serenidade, o equilíbrio. No Parlamento, nós temos que respeitar aquilo que vem sendo implementado dentro de um processo legislativo, dentro de um processo democrático. Claro que qualquer fala que venha do presidente repercute nesse sentido, não quer dizer que seja efetivamente aquilo que vá ser debatido ali”, resumiu.
“Retrocesso e maluquice”
Ao Metrópoles, o autor da proposta que deu autonomia ao Banco Central, senador Plínio Valério (PSDB-AM), classificou a “campanha do governo” contra a instituição monetária como “maluquice” e “retrocesso”. “Para mim, o presidente Lula está em 2002. Ele pensa que é aquele momento que ele foi eleito, que ele foi ungido. E ele continua falando besteira. Ele pensa que pode derrubar a autonomia do BC”, criticou.
“A troca de presidente do Banco Central tem que passar pelo Conselho Monetário Nacional. E aí vai para o Senado, e no Senado precisará de 41 votos, que ele não terá. O PT pegou esse nó da autonomia do BC. Na sua irresponsabilidade, só falta mesmo pegar o BC, já foram o BNDS, a Petrobras… Se trata de uma forma irresponsável, porque isso influencia no mercado”, prosseguiu o tucano.
Entenda a proposta
Aprovada há um ano pelo Congresso Nacional, o projeto de lei que regulamentou a atuação da autoridade monetária trouxe como uma das principais mudanças o estabelecimento de mandatos fixos – de quatro anos, com possibilidade de recondução por mais quatro anos – para o presidente e para os oito diretores da autarquia, com períodos não coincidentes ao do presidente da República. Com a proposta, o presidente do BC perde o status de ministro.
O projeto prevê que o BC tenha autonomia “técnica, operacional, administrativa e financeira”. Há, ainda, objetivos secundários estabelecidos no texto-base: “suavizar flutuações do nível de atividade econômica, fomentar o pleno emprego e zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro”.
A autonomia do BC, contudo, não é total, uma vez que continuará recorrendo ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para definir metas de inflação. O CMN é formado pelo secretário especial de Fazenda, do Ministério da Economia, pelo ministro da Economia e pelo presidente do Banco Central.
Vale lembrar que, antes da sanção da medida, o Banco Central atuava como uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, cujo propósito era manter a inflação sob controle, próximo à meta estabelecida, que varia ao longo dos anos.