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Analistas: MP de emprego para mulheres pode mais prejudicar que ajudar

Especialistas ouvidos pelo Metrópoles apontam falhas no texto da medida provisória que institui o Programa Emprega + Mulheres e Jovens

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mulher trabalhando de casa – home office
1 de 1 mulher trabalhando de casa – home office - Foto: Divulgação

Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que a Medida Provisória 1115, criada para instituir o Programa Emprega + Mulheres e Jovens, pode onerar em vez de ajudar o público-alvo da iniciativa.

Assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na última quinta-feira (5/5), a medida tem o objetivo de “promover a inserção e manutenção de mulheres e jovens no mercado de trabalho”.

Segundo a Secretaria-Geral da Presidência da Republica, a MP foi motivada pela pandemia, que “provocou efeitos devastadores no mercado de trabalho, afetando, em especial, as mulheres e os adolescentes e jovens”. O governo afirma que a ideia é mitigar os danos econômicos da crise sanitária.

O mestre em direito constitucional pela Universidade de Brasília (UnB) Luís Jivago diz que a relevância da medida é inegável, mas que causa surpresa o fato de ser lançada dois anos após o início da pandemia.

“Se a premência dessas medidas decorre dos impactos da pandemia do coronavírus, a edição de medida provisória mais de 2 anos após a decretação do estado de calamidade pública no país revela, mais uma vez, o atraso na adoção de políticas públicas aptas a combater os efeitos da pandemia, principalmente no mercado de trabalho. O reconhecimento da necessidade de uma solução para o problema chega com atraso de quase dois anos”, aponta Jivago.

Entre os objetivos listados pela medida provisória estão:

  • apoio à parentalidade na primeira infância;
  • flexibilização do regime de trabalho para apoio à parentalidade;
  • qualificação de mulheres, em áreas estratégicas para a ascensão profissional;
  • apoio ao retorno ao trabalho das mulheres após o término da licença-maternidade, e;
  • incentivo à contratação de jovens por meio da aprendizagem profissional.

Para Isabela Rahal, diretora de Articulação Política da Elas no Poder, o texto da MP é “vago e não apresenta soluções concretas”, além de “onerar os salários já defasados das trabalhadoras brasileiras”.

A especialista argumenta que os maiores problemas do programa são o incentivo da utilização dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para investir na qualificação profissional, além da sugestão, por parte do governo federal, das mães darem preferência a creches privadas.

O 16º artigo da MP diz: “Fica autorizado o saque, por mulheres, de valores acumulados na conta individual vinculada ao FGTS para pagamento de despesas com qualificação profissional”. Além disso, acrescenta que as áreas de qualificação profissional que terão liberação para uso do fundo serão definidas pelo ministro de Estado do Trabalho e Previdência. O benefício também poderá ser usado para o pagamento de despesas com creches infantis.

“O saque do benefício para despesas com qualificação onera ainda mais o trabalhador brasileiro para que retire de suas economias para suprir uma obrigação estatal”, diz Rahal. “Desvirtua o uso do FGTS, além de partir da premissa de que mulheres não são qualificadas, mesmo sendo mais escolarizadas que os homens”, argumenta.

Jivago acrescenta que a liberação dos recursos do FGTS para pagamento de creches infantis ainda representa uma “tentativa do Estado de furtar-se da obrigação constitucional de elaborar política pública de assistência gratuita aos filhos das trabalhadoras e trabalhadores”, prevista no artigo 7º da Constituição Federal.

“Além de privatizá-la, a MP desloca o custeio da política pública do orçamento dos entes federados para o FGTS. Colocada em perspectiva com outras ações do atual governo que permitiram saques de recursos do FGTS, a medida desvirtua a finalidade do fundo e pode desfalcá-lo, embora a forma dos saques ainda não tenha sido regulamentada”, alerta.

Licença-maternidade

A medida provisória também assegura a concessão flexibilizada do benefício de licença-maternidade. Neste caso, abre-se uma brecha para a suspensão do contrato de trabalho, que poderá ser efetuada “após o término da licença-maternidade da esposa ou companheira do empregado”.

A diretora de Articulação Política da Elas no Poder diz que a possibilidade de suspensões de contratos trabalhistas “prevê a possibilidade de não recebimento salarial”, o que Rahal considera como uma “medida descolada da realidade do trabalhador brasileiro”.

Os especialistas apontam ainda barreiras raciais, de escolaridade, de classe social, e outros fatores. “Quase metade das trabalhadoras que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho após 24 meses. Uma política de inclusão eficaz deveria observar os nuances desse fenômeno discriminatório e o impacto desproporcional que a pandemia do Coronavírus teve sobre as trabalhadoras”, diz Jivago.

O estudo citado pelo especialista foi realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2016. O levantamento mostra que a maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

A análise ainda destaca que a permanência no mercado depende da educação da mãe: das trabalhadoras com mais escolaridade, 35% deixam o emprego após 12 meses do início da licença, enquanto a saída do trabalho ocorre com 51% das mulheres que têm nível educacional mais baixo.

Doutor em direito processual pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Irapuã Santana chama atenção para outro fator: a qualificação de mulheres negras e que são mães. De acordo com cálculo feito em 2021, pelos pesquisadores lInsper Sergio Firpo, Michael França e Alysson Portella, para o Índice Folha de Equilíbrio Racial, o Brasil deve atingir equilíbrio racial no ensino superior só na próxima década.

“A gente viu como a pandemia impactou no desemprego e, também, na capacitação das pessoas. Se você teve um deficit de capacitação, obviamente fica mais difícil de entrar no mercado de trabalho”, explica o doutor em direito.

“Existe um problema muito sério com relação a barreiras para o mercado de trabalho, principalmente para mulheres mães e jovens. Existe um dado que mostra que 25% das mulheres negras desempregadas, elas não têm emprego, justamente porque não têm com quem deixar seus filhos”, destaca Santana.

Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada em 2018 aponta que as mulheres negras estão 50% mais suscetíveis ao desemprego do que outros grupos.

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