Análise: volta do Congresso desafia Bolsonaro no jogo do fisiologismo
Apesar do discurso da nova política, presidente terá de negociar com congressistas acostumados a trocar votos por cargos e verbas públicas
atualizado
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No primeiro mês de governo, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), defrontou-se com alguns episódios reveladores da complexidade do cargo que ocupa no Palácio do Planalto. Ao mesmo tempo em que obteve bons resultados na economia, com queda do dólar e alta na bolsa, esbarrou na dificuldade de pôr em prática alguns compromissos de campanha – como a promessa de transferir a Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Entre acertos e desacertos da equipe, o maior revés para o presidente nestes 30 dias foi protagonizado pelo filho mais velho, Flávio. A divulgação de que o primogênito abrigou familiares de milicianos em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) misturou os Bolsonaro com personagens do submundo do crime carioca.
Embora as relações entre o senador eleito Flávio e os rolos de seu ex-assessor na Alerj Fabrício Queiroz ainda sejam objeto de investigação, do ponto de vista político, o desgaste da família são favas contadas. Nesta sexta-feira (1º/2), o filho do presidente toma posse no Senado Federal sob o risco de ser levado ao conselho de ética.
A situação de Flávio antecipou o encontro do novo governo com o fisiologismo do Congresso. Logo que o caso dos milicianos se tornou público, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), notório personagem das investigações policiais, apressou-se em oferecer proteção ao futuro colega.
Ato contínuo, Flávio acenou com apoio ao nome de Renan para a presidência do Senado. A mudança de postura foi significativa: em dezembro, o senador eleito afirmara em entrevista à GloboNews não haver “a menor condição” de o governo aliar-se ao parlamentar alagoano.
Naquele momento, sem as suspeitas relacionadas aos milicianos, o filho do presidente rejeitava Renan com o argumento de que o momento político do país exigiria um nome “ficha limpa”. Na quarta-feira (30/1), com outro discurso, o senador de Alagoas disse que todos os candidatos no Senado estão alinhados com o Planalto. Nessa quinta-feira, o próprio Jair Bolsonaro telefonou para os oito pretendentes ao posto. Assim, o veto caiu.
Dependência entre os poderes
Os problemas de Flávio e a necessidade de o governo aprovar reformas no Congresso deixam Bolsonaro à mercê de uma boa relação com o presidente do Senado. Nesse contexto de dependência, fica pavimentado o caminho do toma lá dá cá. Em troca de votos em favor do governo, valem as moedas dos cargos e das verbas públicas.
O desafio de Bolsonaro é quebrar essa lógica, inaugurada ainda no governo José Sarney. Na época, a prática foi definida por um novo sentido dado pelo então deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP) para a frase franciscana “é dando que se recebe”.
Para um presidente eleito com o discurso da nova política, a realidade se mostra adversa. Mesmo na presidência Câmara, sem a pendência de Flávio, Bolsonaro precisou conformar-se com a possibilidade de Rodrigo Maia (DEM-RJ) conquistar o terceiro mandato consecutivo.
O deputado fluminense não tem tantos problemas na Justiça quanto o senador alagoano. Mas, certamente, também não pode ser considerado um representante de uma nova política.
Maia e Renan despontam como favoritos para o comando do Legislativo nos próximos quatro anos. Pelos últimos movimentos, Bolsonaro prefere se aliar aos dois a tê-los como adversários. Nesse caso, prevalece o sentimento de que, se eles não vencerem, nada garante que o governo terá mais facilidades no Congresso Nacional.
Em qualquer circunstância, o presidente ainda terá de negociar cada projeto com todas as bancadas da Câmara e do Senado. Nesse campo, pelo histórico do Parlamento, prevalece a máxima de São Francisco. Cabe a Bolsonaro a difícil tarefa de provar que pode mudar essa realidade. Ou sentar na mesa para o jogo do fisiologismo.