Análise: pauta escatológica esconde outras sujeiras, como Itaipu
Enquanto o presidente chama atenção para assuntos banais, governo toma decisões que envolvem negócios milionários e, às vezes, suspeitos
atualizado
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Muito se pergunta sobre as razões que levam o presidente, Jair Bolsonaro (PSL), a se expressar de maneira tão inadequada para o cargo que ocupa. A recente referência a fazer cocô dia sim, dia não aumentou as dúvidas a respeito das intenções do capitão ao espalhar impropriedades dessa natureza.
Assim como no caso do “golden shower”, no Carnaval, o apelo escatológico atrai as atenções da imprensa, das redes sociais e da população de modo geral. Esses episódios, porém, não produzem efeitos concretos. São lembrados apenas pela falta de modos do presidente.
Os feitos do governo se materializam, na verdade, em despachos que formalizam a aplicação das verbas públicas e os negócios com o setor privado. Nesse ponto, enquanto se travam inúteis discussões sobre as necessidades fisiológicas, as decisões políticas e burocráticas selam o destino dos recursos oficiais.
Entre os temas relevantes e ainda obscuros, está, por exemplo, o acordo firmado em maio entre os governos do Brasil e do Paraguai sobre a energia elétrica de Itaipu. A revelação de bastidores das negociações derrubou autoridades do país vizinho e abalou o mandato do presidente, Mario Abdo Benítez.
No caso, a imprensa paraguaia envolve a empresa brasileira Leros, ligada à família de Bolsonaro, segundo o noticiário. O Ministério Público investiga o caso. Pelo descoberto até agora, percebe-se que estamos diante do que Chico Buarque chamou de “tenebrosas transações” na música Vai passar, gravada no fim da ditadura.
Os fatos narrados acima são tratados no Paraguai em um contexto de suspeita de corrupção. Vale lembrar que as falas de baixo calão do presidente funcionam, também, para provocar algazarra e abafar outras sujeiras com dinheiro, como os laranjas do PSL e as suspeitas em torno de Fabrício Queiroz, ex-assessor do atual senador Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Em outros atos do governo, não se viu qualquer denúncia, mas abrem-se as portas para privilégios e negócios escusos. Bolsonaro quer legalizar os garimpos e a exploração de terras indígenas. Esse é um mundo de dinheiro fácil e volátil. A abertura da mineração vai favorecer quem atua ilegalmente nessas áreas. Diante da possibilidade de regularização, o mercado paralelo se organiza para a nova fase.
Os futuros milionários serão definidos pelas decisões que estão sendo tomadas agora. O jogo de pressão sobre quem tem poder de estabelecer as regras vai desenhar o modelo de exploração. Tudo isso vale muito dinheiro.
Nota-se risco de privilégio, por exemplo, no acesso da representante de mais de 200 faculdades particulares, Elizabeth Guedes, membro da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup). Irmã do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, a empresária tem acesso facilitado ao gabinetes da Esplanada, conforme revelado por reportagem publicada nesse domingo (11/08/2019).
Legítima defensora das escolas privadas, Elizabeth tem a chance de estreitar ainda mais os laços do setor com o governo federal. Deve-se recordar que o ensino particular teve significativa expansão nos governos tucanos e petistas. Essa também é uma área onde cada decisão vale muito dinheiro.
Em outros momentos, o presidente solta a língua para atacar causas que, não necessariamente, estão relacionadas a recursos financeiros. A defesa do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, por exemplo, nada tem a ver com aplicação de verbas.
Essas manifestações estão ligadas ao embate ideológico que Bolsonaro trava com a esquerda – ou os “comunistas”, como se referem muitas vezes. Fazem parte da mesma política de confronto imposta na Comissão de Mortos e Desaparecidos, com revisão dos critérios de reparação das vítimas da ditadura.
Outros movimentos de cunho ideológico, no entanto, produzem reflexos financeiros. O comportamento do governo brasileiro em relação ao meio ambiente tem efeitos nesse sentido. Por causa das mudanças na política ambiental implantadas por Bolsonaro, a Alemanha cancelou um investimento de R$ 155 milhões na Amazônia.
O presidente disse que o Brasil não precisa do dinheiro alemão. Não explicou como poderia compensar a perda desse repasse. A falta de esclarecimentos, no entanto, não surpreende os brasileiros. O chefe do Executivo nunca se mostrou disposto a explicar os planos que têm para o país. Prefere confundir.