Análise: papa e arcebispo fazem alerta contra governo Bolsonaro
Igreja Católica manda recados para o governo e aprofunda divergências entre segmentos religiosos na política brasileira
atualizado
Compartilhar notícia
Duas manifestações neste sábado (12/10/2019) ressaltaram diferenças entre a Igreja Católica e o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Primeiro, o papa Francisco se dirigiu ao Brasil para saudar a padroeira, Nossa Senhora Aparecida.
O representante máximo do Vaticano pediu que a santa acompanhe os brasileiros em suas dores, “quando não podem crescer por tantas limitações políticas ou sociais ou ecológicas”. Clamou ainda por ajuda para o crescimento e a libertação do povo.
A voz católica também se levantou contra o governo em Aparecida, no Santuário Nacional dedicado à santa. O arcebispo Orlando Brandes deu opinião ideológica no sermão deste sábado. “A direita é violenta, é injusta, estamos fuzilando o Papa, o Sínodo, o Concílio Vaticano II”, disse aos fiéis.
Mais tarde, entre vaias e aplausos, Bolsonaro esteve no Santuário Nacional. Dom Orlando, então, suavizou o discurso e declarou que se referia às ideologias de modo geral, de direita e de esquerda. No sermão, só havia citado a direita.
Ninguém tem dúvidas do perfil político de Bolsonaro. O próprio presidente se define como direitista. Logo, o recado do arcebispo teve endereço certo.
O mesmo se pode dizer em relação às palavras do papa. O alerta sobre limitações políticas e ecológicas se encaixa com perfeição na onda de críticas contra as políticas do governo centradas, em grande parte, na postura do presidente em relação ao meio ambiente e no tratamento dado a setores oposicionistas.
Ao mandar recados para Bolsonaro, a Igreja Católica aprofunda a divisão política entre cristãos no Brasil. Embora não seja linear, desde a campanha eleitoral do ano passado, observa-se o alinhamento preferencial dos evangélicos – notadamente os neopentecostais – com o capitão.
Pesquisa do Datafolha feita na época mostrou que 70% desse setor votaram em Bolsonaro. No eleitorado católico, houve equilíbrio entre o candidato do PSL e o petista Fernando Haddad (PT), adversário no segundo turno.
A comunhão de interesses entre o presidente e os evangélicos, acentuada na campanha, reflete-se em apoio no Congresso, principalmente na defesa da pauta conservadora do governo. Esse tipo de adesão religiosa automática representa uma novidade na política brasileira.
Na ditadura, a Igreja Católica esteve na linha de frente do combate a torturas, mortes e desaparecimentos. Sem a força que têm hoje, os evangélicos não se organizavam com interesses políticos com tanta força como nas últimas décadas.
Desde a redemocratização, os políticos de diferentes ideologias disputavam os votos dos cristãos em pé de igualdade. Esse cenário mudou em 2018, com a adesão de bispos neopentecostais de discurso radical contra a esquerda, como Silas Malafaia à candidatura de Bolsonaro e também do mais influente de todos, Edir Macedo, da Igreja Universal.
O presidente reforçou essa divisão, por exemplo, quando declarou em julho que pretendia um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF). Esse tipo de atitude mantém o segmento das novas igrejas atrelado ao capitão.
O governo também faz movimentos contrários aos católicos. Em fevereiro, por exemplo, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, criticou o Sínodo da Amazônia, encontro que se realiza no Vaticano para discutir temas ligados à floresta.
Na ocasião, Heleno marcou posição com o discurso de que a Amazônia é brasileira, narrativa radicalizada mais tarde com o crescimento das queimadas na região. Foi justamente durante um intervalo do sínodo que Francisco mandou aos brasileiros a mensagem com críticas veladas ao governo brasileiro.
A divisão política espelhada em religiões reflete um aspecto indesejável da realidade brasileira. A solução dos problemas nacionais nada tem a ver com crenças pessoais.
Ao contrário, as divergências com base em convicções espirituais tendem a dificultar a busca dos consensos necessários para se encontrar caminhos que atendam ao conjunto da sociedade. Sem essa polarização política, por exemplo, haveria espaço para Bolsonaro ouvir os recados do papa em favor das causas sociais e ecológicas.