Análise: muito cedo, medo de impeachment chega à família Bolsonaro
Sem base parlamentar sólida, o presidente tem dificuldade para arrumar as contas públicas e enfrenta protestos nas ruas das grandes cidades
atualizado
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O fantasma do impeachment assombra o presidente Jair Bolsonaro (PSL). O risco do fim prematuro do mandato tornou-se assunto corrente entre integrantes da família. Para quem assumiu o Palácio do Planalto há menos de cinco meses, parece cedo demais para se tratar com tanta naturalidade de tema com tal gravidade.
O primeiro a fazer referência a um eventual afastamento do presidente foi seu filho, Carlos Bolsonaro (PSC), vereador no Rio de Janeiro e operador das rede sociais do pai. Em um tuíte postado na quarta-feira (15/05/2019), ele disse que “o que está por vir pode derrubar o capitão eleito”.
A previsão catastrófica tem por base as dificuldades enfrentadas pelo Palácio do Planalto para aprovar no Congresso a Medida Provisória nº 870, que muda a estrutura de governo e reduz o número de ministérios. No raciocínio, exposto em um vídeo compartilhado por Carlos no mesmo post, as despesas vão aumentar acima da capacidade de pagamento do governo caso a proposta seja rejeitada.
No dia seguinte, o próprio presidente aprofundou a discussão. “Quem decide corte não sou eu. Ou querem que eu responda um processo de impeachment no ano que vem por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal?”, reagiu Bolsonaro ao comentar, em Dallas (EUA), as manifestações no Brasil contra o bloqueio de verbas da educação.
Pelo raciocínio dos dois, sem ajustar as contas federais, Bolsonaro poderia sofrer um processo semelhante ao que derrubou a presidente Dilma Rousseff, acusada de efetuar gastos não autorizados pelo Congresso. Assim, desprovido de apoio parlamentar, o presidente seria em pouco tempo apeado do Planalto.
Este é apenas um cenário hipotético, pelo menos por enquanto. O primeiro ano de governo nem chegou à metade e ainda há tempo para negociações políticas que podem ajudar o governo a sair do atoleiro em que se encontra.
Mas outros fatores não abordados pelos Bolsonaro têm potencial para contribuir com a formação de um cenário no qual o impeachment seja viabilizado. Caso todos se agravem ao mesmo tempo, aí sim, o presidente ficará vulnerável a ponto de perder a faixa verde-amarela.
Para começar, Bolsonaro não tem base de apoio parlamentar suficiente para aprovar suas propostas. A vitória folgada nas urnas deu a falsa impressão de que o capitão contaria com ampla maioria no Legislativo. Essa perspectiva, porém, não se confirmou.
Então, faz sentido imaginar que, com um eventual agravamento das dificuldades do governo, o presidente fique vulnerável a ponto de ter sua permanência no cargo ameaçada. Porém, sozinha, essa circunstância não provocaria o impeachment. Uma costura política bem conduzida, com a boa vontade do Palácio do Planalto e dos líderes do Congresso, abortaria um processo de afastamento.
O problema é que o presidente também contribui para a piora da situação. Por manter no governo o mesmo discurso agressivo de campanha – e também por tomar medidas radicais – ele dificulta a formação de acordos até mesmo entre os integrantes de partidos e setores que o apoiaram na eleição.
É o caso de parte da bancada evangélica, dividida em relação ao decreto que flexibilizou a posse de armas pelos brasileiros. Influentes no Parlamento, deputados e senadores cristãos resistem a avalizar essa iniciativa de Bolsonaro.
Fernando Collor
O presidente também perde aliados com a exposição do submundo descoberto no gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador, no tempo em que era deputado estadual no Rio de Janeiro. As suspeitas de movimentação de dinheiro sujo descobertas em investigações do Ministério Público e as ligações com milícias fluminenses desgastam a imagem de quem elegeu-se com discurso de ética na política.
Para complicar um pouco mais a situação de Bolsonaro, o bloqueio de verbas da educação levou a população às ruas em mais de duzentas cidades do país nessa quarta-feira (15/05/2019). As bandeiras vermelhas da oposição tingiram os protestos e tiraram dos seguidores do capitão a hegemonia obtida nas ruas nos últimos anos.
Em 1992, o presidente Fernando Collor de Mello caiu por uma conjunção de fatores: não tinha capacidade de diálogo com o Congresso, seu governo estava atolado em corrupção e as ruas foram tomadas pelos estudantes de cara pintada. Com esse precedente, pensando bem, talvez a família Bolsonaro, de fato, tenha motivos para se preocupar.