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Análise: mesmo sem querer, bolsonaristas têm de conviver com imprensa

Depois de seis meses de governo, aliados do presidente descobriram que militância nas redes sociais não substitui o jornalismo profissional

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Foto: Marcos Corrêa/PR
Quebra-queixo
1 de 1 Quebra-queixo - Foto: Foto: Marcos Corrêa/PR

Os bolsonaristas mais radicais demonstram acentuada dificuldade em compreender o papel da imprensa livre. Basta uma rápida olhada nos comentários em sites e nas redes sociais para se constatar a intolerância com o trabalho jornalístico.

Algumas reações posteriores ao vazamento do áudio do presidente Jair Bolsonaro (PSL) na sexta-feira (19/07/2019) reforçaram a sensação de ojeriza de seus seguidores extremados em relação ao ofício de informar o público com critérios técnicos. Para essa turma, o ideal seria a existência apenas da imprensa chapa-branca, como gostam as ditaduras.

A divulgação involuntária de recados de Bolsonaro para o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se deu durante um café da manhã com correspondentes estrangeiros no Palácio do Planalto. Na ocasião, o presidente fez referências pejorativas ao Nordeste e ao governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Por causa desse episódio, o porta-voz do Planalto, general Otávio do Rêgo Barros, tornou-se alvo de pedidos de demissão dos setores arredios ao jornalismo profissional. Sem citar o nome do militar, um dos ataques partiu do vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC), filho do presidente que comandou a estratégia de comunicação na campanha eleitoral de 2018.

“Quando a militância espontânea cansar de defender o governo, que faz um bom trabalho, nada sobrará”, digitou o Zero Dois. Sem citar o nome de Rêgo Barros, ele ainda acrescentou que, “pelo jeito”, a comunicação do governo “continuará sendo ruim e então seremos massacrados pela mídia”.

O ataque mais direto partiu do deputado Marco Feliciano (Pode-SP). “Rêgo Barros é incompetente ou mal-intencionado. Porta-voz serve para proteger, não para expor. Nunca na história deste país um presidente foi tão exposto à imprensa como o presidente Bolsonaro”, postou o deputado em outra mensagem.

Na sequência, Feliciano perguntou: “Alguém se lembra de presidente toda sexta-feira receber jornalistas para café da manhã?”.

Crítico costumeiro dos militares no governo, o deputado paulista tenta interromper a melhor iniciativa do presidente no relacionamento com a imprensa, coordenada pelo cordial Rêgo Barros. Apesar da relação geralmente tensa com repórteres, com momentos de hostilidade explícita, Bolsonaro adotou a prática de receber jornalistas, mais ou menos uma vez por mês, para encontros matinais do Planalto.

Do ponto de vista da sociedade e, em particular, da imprensa, esse é um hábito a ser estimulado. Para os repórteres, é uma oportunidade de fazer perguntas diretamente a Bolsonaro sem o desconforto e a precariedade dos “quebra-queixos” – jargão dos jornalistas para as entrevistas feitas de pé, no improviso, na maioria das vezes na entrada ou na saída de algum compromisso das autoridades, como na foto em destaque.

É verdade que Bolsonaro usa os encontros para pôr em prática sua incontrolável mania de falar tudo o que pensa. Isso representa um fator de instabilidade política, pois o presidente não costuma medir as consequências de suas palavras.

No entanto, esses momentos também contribuem para a antecipação de futuras medidas do governo, o que interessa à sociedade, embora o capitão mude de ideia com grande frequência, e o que foi dito deixa de valer. Mas não há dúvida de que esse canal aberto é mais democrático do que a imposição de barreiras para a atuação dos jornalistas, como acontecia durante a ditadura.

Recorde-se que tensões com a imprensa não são exclusividade do governo atual. Nas administrações do PT, por exemplo, o contato entre jornalistas e militantes foi conflituoso na maior parte do tempo. A patrulha sobre o trabalho dos jornalistas, que se repete agora, também deixou sequelas no relacionamento.

Para os bolsonaristas, se quiserem, esse é um momento de aprendizado. Quase sete meses depois do início do governo, na marra, eles começam a perceber que era ilusória a sensação de que substituiriam a imprensa pelas redes sociais e pelo WhatsApp. A realidade lhes mostrou que, por mais que não queiram, terão de conviver com jornalistas profissionais.

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