Análise: governo perde a razão e o discurso sobre óleo no litoral
Sem apontar as causas do desastre ambiental, Bolsonaro insiste em culpar a Venezuela enquanto o povo limpa as praias do Nordeste
atualizado
Compartilhar notícia
Como se estivesse em um poço de areia movediça, o governo federal se debate para tentar livrar-se das manchas de óleo que contaminam o litoral nordestino. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) demorou demais para entender a gravidade do desastre, apostou no discurso ideológico e demonstrou incapacidade para enfrentar a situação.
Os sinais de contaminação do mar brasileiro surgiram no início de setembro. Os primeiros protocolos relativos às manchas de óleo, segundo a Marinha, foram cumpridos no dia 2 de setembro.
Passados 50 dias, ficou evidente que era muito piche para a caçamba do governo. Dia a dia, o óleo avançou sobre as praias no Nordeste sem que as autoridades dessem respostas adequadas. Coube à população, com trabalho voluntário, arrancar a substância pegajosa da areia.
Bolsonaro e sua equipe se mostram incapazes de explicar de onde vêm as manchas de óleo e, também, de impedir a contaminação das praias. Nesta segunda-feira (21/10/2019), o vice-presidente, Hamilton Mourão, deu uma ideia do quanto o governo continua perdido nesta crise.
“Todo os sistemas de inteligência estão trabalhando para tentar chegar à conclusão de onde partiu esse óleo. A área a gente já sabe, no bico do Rio Grande do Norte, antes de fazer a curva para o norte do Brasil. Pelo trânsito das correntes marinhas, se acredita que dali teria saído esse óleo. Aí, agora é cruzar dados”, informou Mourão.
O vice-presidente chamou a atenção para o fato de que o desastre “é inédito no mundo”. Como providência, anunciou a mobilização de 5 mil homens do Exército para ajudar na limpeza das praias.
Esse tipo de medida e as declarações de Mourão fariam sentido logo depois da identificação das manchas de óleo. Tanto tempo decorrido, servem apenas para comprovar o quanto o governo está perdido nesse episódio.
Ainda para tentar explicar a omissão, Mourão creditou à falta de comunicação do governo a sensação de inoperância em relação à chegada de centenas toneladas de óleo à costa do Brasil. Na verdade, o discurso do governo nasceu errado por causa da postura ideológica de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Ambos agem para manter o debate ideológico mesmo diante de tragédias como a atual – como se deu no auge das queimadas na Amazônia. A bem da verdade, o chefe do Executivo nunca escondeu a resistência a temas relativos à ecologia. Essa postura ajuda a explicar a dificuldade do governo em lidar com a situação de emergência do litoral.
Sobre Salles, deve-se destacar o fato de que se trata da autoridade nacional do meio ambiente. Portanto, maior responsável pela preservação da costa brasileira. A ação pública mais visível, até agora, foi cobrar ajuda do Greenpeace na limpeza das praias.
Para aumentar o impacto, o ministro exibiu um vídeo com cortes dos trechos que mostravam o trabalho de voluntários da ONG. Apelou feio. Perdeu a razão e não reagiu à altura do gigantesco problema em sua esfera. Não demonstrou ter noção do tamanho da catástrofe. Pelo que fez até agora, tem tudo para sair desta crise ainda menor do que entrou.
Desde as primeiras reações, o presidente se empenhou mais em tentar comprovar a suposta participação da Venezuela no crime ambiental do que em apontar soluções. Embora, de fato, o óleo possa ter o país de Nicolás Maduro como origem, ainda faltam elementos para comprovar a tese.
O discurso oficial, nesse caso, cumpre o papel de fornecer material para a mobilização dos seguidores de Bolsonaro nas redes sociais. O bate-boca virtual, no entanto, não estanca as manchas de piche.
Enquanto o petróleo pinta as areias das praias, o presidente insiste em alimentar teorias conspiratórias. Um vídeo em circulação na internet mostra uma reunião do capitão com militares no Palácio do Planalto para tratar do assunto. Entre os presentes, está o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.
As cenas gravadas mostram o enorme esforço de Bolsonaro, não acompanhado pelos militares presentes, em vincular o desastre à Venezuela. O presidente também se empenha, sem qualquer prova, em lançar suspeitas de que a catástrofe teria sido provocada por pessoas (ou países, não fica claro) interessadas em interferir no leilão do excedente de petróleo resultante da cessão onerosa com a Petrobras.
Diante de um problema de dimensão oceânica, o chefe do Executivo opta por jogar nuvens de confusão, quando deveria contribuir para clarear o cenário. Com esses movimentos, em vez de sair da areia movediça, Bolsonaro se atola mais nas manchas de óleo.