Análise: emendas ao Orçamento cruzam caminho da reforma da Previdência
Enquanto Congresso discute as regras para a aposentadoria dos brasileiros, governo decide critérios para liberação de verbas federais
atualizado
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Na reta final do semestre, o governo corre para aprovar as propostas enviadas ao Congresso, especialmente, a reforma da Previdência. Ao mesmo tempo, negocia com o Legislativo a liberação das emendas ao Orçamento.
A disputa pelo controle das verbas federais mobiliza representantes do Executivo e do Legislativo na definição das regras e na aplicação dos recursos em 2019 e 2020. Na quarta-feira (05/06/2019), a Câmara concluiu a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o orçamento impositivo para as emendas de bancada.
Essa mudança vale para 2020. No caso das emendas individuais, o orçamento tem o orçamento impositivo já há alguns anos.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL), desde a campanha, promete administrar o país sem recorrer ao “toma lá, dá cá” dos últimos governos. Agora, o Palácio do Planalto precisa de votos e os congressistas buscam o atendimento de seus interesses.
Embora as emendas individuais sejam impositivas, o contingenciamento de recursos permite ao Executivo definir como flexibilizar os cortes. A prioridade das emendas liberadas ao longo do ano também confere poder ao governo junto a deputados e senadores.
Nos últimos governos, prevaleceu o espírito do fisiologismo. Bolsonaro tem o desafio de provar aos brasileiros que consegue quebrar a corrente que atrela os vícios do Congresso às vontades do Planalto.
Para se ter uma ideia dos interesses em questão, vale a pena lembrar como o montante disputado por deputados e senadores cresceu nas duas últimas décadas. Em 2002, último ano do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), cada parlamentar teve direito a R$ 2 milhões do Orçamento.
Esse montante subiu para R$ 2,5 milhões em 2005. No ano seguinte, dobrou, chegou a R$ 5 milhões. Note-se que este salto se deu no ano em que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentava as denúncias do mensalão e ficava mais vulnerável junto ao Congresso.
Em 2010, último ano de Lula, a fatia das emendas individuais estava em R$12,5 milhões. A expansão continuou durante os governos de Dilma Rousseff, que sofreu impeachment, e Michel Temer, que teve o Congresso a seu favor para derrubar a titular.
O naco de cada parlamentar no Orçamento em 2019 é de R$ 15,4 milhões. Calcula-se em quase 30% o impacto do contingenciamento do Executivo nas emendas apresentadas pelos congressistas para aplicar o dinheiro. Esse é um dos focos de pressão de deputados e senadores sobre o Planalto.
A existência desse mecanismo de execução do Orçamento fortalece os parlamentares e integra o conjunto de prerrogativas que ajudam na perpetuação dos mandatos dos políticos. Faz parte do mesmo pacote em que estão os fundos eleitorais e partidários, as estruturas e verbas de gabinete e os cargos de assessoria ocupados por aliados.
Em média, deputados e senadores dispõem de R$1,28 milhão por mês para irrigar suas bases eleitorais. Trata-se de dinheiro limpo, distribuído em obras e programas escolhidos pelo congressista.
No histórico do Parlamento, proporcionou a descentralização dos recursos públicos. Mas, também, tornou-se fonte de escândalos e desvios e favorecimentos.
Se quiser, de fato, combater a corrupção, o governo terá de criar filtros para evitar repasses, por exemplo, para obras direcionadas e superfaturadas. Precisará, ainda, fortalecer as ferramentas de fiscalização.
Para conseguir apoio do Congresso, o presidente precisa de liderança política e credibilidade. Sem essas características, perde força para influenciar as bancadas e fica mais dependente da relação não republicana.
Bolsonaro não tem ascendência sobre o Parlamento suficiente para montar uma base de sustentação política. Aos poucos, nas últimas semanas, ele demonstrou mais capacidade de diálogo e, no sufoco, conseguiu aprovar algumas medidas provisórias de interesse do governo.
No tópico credibilidade, o presidente ainda confunde os brasileiros com sucessivas mudanças de posição em relação a alguns assuntos. Seu histórico – e dos filhos – com suspeitas de funcionários “fantasmas” nos gabinetes enfraquecem discursos de moralidade no uso de dinheiro público.
Como revelou o Metrópoles, o governo apresentou a líderes no Congresso uma espécie de “cardápio” com áreas poderão receber recursos do orçamento. Ainda não está claro o modelo desses repasses, mas ao mesmo tempo fala-se em mais R$ 10 milhões reservados por ano para emendas individuais.
As votações decisivas relativas à Previdência terão como cenário este ambiente de intenso fluxo financeiro e múltiplos interesses do Executivo e do Legislativo. Ainda não se sabe a fórmula do governo para convencer o Congresso a votar em suas propostas.
Quando as negociações fogem do padrão republicano, muitas vezes, só se sabe depois. Foi assim, por exemplo, o caso da compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso e no mensalão de Lula.