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Análise: em agosto, STF encara as tensões provocadas pela Vaza Jato

Ao voltar do recesso, Supremo terá de se pronunciar a respeito da suspeição de Moro e decidir sobre uso de mensagens captadas por hackers

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Fim de tarde no Supremo Tribunal Federal – Brasília(DF), 19/01/2017
1 de 1 Fim de tarde no Supremo Tribunal Federal – Brasília(DF), 19/01/2017 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

O mês de agosto desponta, mais uma vez, com promessas de tempestade política. Neste inverno de 2019, ao retomar as atividades, o Supremo Tribunal Federal (STF) se encontra no centro das tensões provocadas pelas revelações dos diálogos da Operação Lava Jato. Dos votos dos magistrados, sairá o desenho da democracia brasileira nos próximos anos.

Tornadas públicas pelo site The Intercept, com ajuda de parceiros, as conversas entre os procuradores da República e o então juiz Sergio Moro expuseram os métodos usados na maior investigação relacionada a corrupção na história do país. Caberá ao STF julgar o impacto dessas revelações no andamento da Lava Jato.

Trata-se de um desafio gigantesco. A essa altura do campeonato, fica impossível para o Supremo ignorar o conteúdo das mensagens vazadas para o The Intercept. Mesmo que sejam desconsiderados como provas, os contatos inconvenientes entre juiz e acusadores são de domínio público. 

Ao mesmo tempo, os ministros tentarão preservar conquistas da Lava Jato no combate à corrupção. Difícil imaginar, por exemplo, caso o jogo fosse zerado, o que se faria com o dinheiro devolvido aos cofres públicos em função da operação. Por isso, em uma perspectiva realista, não se vislumbra a revisão geral das condenações decorrentes dos desvios bilionários na Petrobras. 

A tarefa do STF carrega, então, o peso de debater a atuação do próprio Judiciário. Essa particularidade proporciona à missão dos magistrados um caráter ainda mais singular. Literalmente, em última instância, eles vão avaliar o comportamento e os desdobramentos das atitudes de um juiz do primeiro nível.

Registre-se que, em larga maioria, as decisões de Moro contaram até agora com a aceitação do Supremo. Não se deve esperar, portanto, grandes reviravoltas jurídicas no país.  

As questões em discussão, porém, ganham especial relevância por envolver a Justiça, o governo, a oposição e a imprensa. Acirram, ainda, a polarização política no país. Aumentam a temperatura dos debates no Congresso e, também, monopolizam boa parte das disputas radicalizadas nas redes sociais.

As conquistas da Lava Jato
Apesar de conquistas importantes da Lava Jato no combate à corrupção no Brasil, inevitavelmente, o STF precisa se pronunciar sobre os limites nos procedimentos adotados nesse tipo de operação. Depois de mais de cinco anos de liberdade nas investigações, surgem razões fortes para se analisar de perto o funcionamento da Justiça e do Ministério Público.

Deflagrada em 2014, a Lava Jato provocou alterações sem precedentes na política brasileira. Mandou para a cadeia representantes da elite econômica, como empreiteiros, e personalidades do mundo político, como o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB).

Pelo teor das mensagens, as maiores controvérsias giram em torno da condenação de Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018. Os diálogos agora conhecidos mostram, por exemplo, como os envolvidos na operação atuaram para coibir a participação do petista na eleição para o Planalto no ano passado. Registram, também, certa insegurança em relação às provas usadas no processo sobre o triplex do Guarujá.

Provocado pela defesa de Lula, o STF será obrigado a esclarecer se a proximidade entre Moro e os acusadores na condução do processo do ex-presidente tem amparo na Constituição. Por mais que essa possibilidade cause pânico nos adversários do PT, a soltura do ex-presidente está posta na instância superior da Justiça. 

Pedido de suspeição de Moro
As conversas vazadas pressionam o Supremo a julgar em agosto o pedido de suspeição de Moro feito pela defesa de Lula. Essa ação foi protocolada no ano passado, mas ganhou força depois da publicação dos diálogos a partir do início de junho.

Na hipótese de aceitar os métodos de Moro, o Supremo deixará larga margem para a ação engajada dos juízes. Na atual conjuntura, esse modelo permissivo agrada aos inimigos de Lula. No cenário geral, no entanto, tende a provocar distorções insanáveis na interpretação da Constituição.

Caso entenda que os métodos do então juiz e dos integrantes do Ministério Público ultrapassaram os limites de suas prerrogativas legais, os ministros do STF serão levados a se posicionar sobre o impacto das mensagens divulgadas pelo The Intercept no processo do triplex. Na letra fria da lei, essa alternativa existe.

Uma hipotética libertação de Lula tem potencial para sacudir ainda mais o país. Nesse sentido, as decisões do Supremo relacionadas à Lava Jato ajudarão a dar o tom da política nacional nos próximos meses.

Na projeção desses fatos, deve-se levar em conta o andamento de outros processos contra o ex-presidente, como o que trata do sítio de Atibaia. Mesmo que as evidências levem à revisão do processo relacionado ao apartamento, os outros inquéritos podem impedir a liberdade do líder petista. 

Ameaças à liberdade de imprensa
Em outra vertente, o escândalo em torno das mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram serviu também para mostrar com mais clareza as ameaças sofridas pela liberdade de imprensa nas atuais circunstâncias do país. Por não gostar das revelações, o presidente Jair Bolsonaro persegue o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site.

Em mais de uma ocasião, o chefe do Executivo demonstrou desagrado com o editor do The Intercept. Em um desses momentos, manifestou intenção de que Greenwald fosse preso por causa da divulgação dos arquivos da Lava Jato. Também fez insinuações preconceituosas e homofóbicas.

Os movimentos autoritários de Bolsonaro em relação ao jornalista atentam contra a democracia. De imediato, provocaram rápida reação dentro e fora do Brasil. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, defenderam a liberdade de expressão plena e condenaram o comportamento do presidente.

Interferência na eleição
Ao agir contra o jornalista, Bolsonaro revela a intenção de atropelar a lei para estancar o desgaste de Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública desde o início de seu governo. A exposição do ex-juiz como peça decisiva na condenação de Lula – líder nas pesquisas no início de 2018 – fortalece o discurso da oposição sobre interferência da Justiça nas eleições presidenciais de 2018.

Por toda a repercussão, as dúvidas em relação ao comportamento de Moro comprometem a imagem de combate à corrupção do governo Bolsonaro. A sensação de que o juiz rompeu a legalidade para condenar o adversário do futuro chefe, no mínimo, macula o status de superministro moralizador dos costumes políticos brasileiros, cultivado pelos fãs mais ardorosos. 

Acuado pelas conversas vazadas, Moro comete erros graves para o cargo que ocupa. Em um gesto precipitado, anunciou a destruição dos arquivos apreendidos com o hacker preso por ter invadido os celulares de personalidades da Lava Jato. 

Tentativa de destruição dos arquivos
A atitude do ministro foi rechaçada de imediato no mundo político e jurídico. Na verdade, como ministro da Justiça, Moro nem sequer pode ter acesso às mensagens. Qualquer decisão em relação ao material somente pode ser tomada pelo juiz responsável pelo processo que levou à prisão dos hackers. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou no STF com uma ação para impedir a destruição dos arquivos com diálogos captados pelo hacker. 

Esses são alguns dos dilemas do Judiciário. Pelo horizonte que se anuncia, a partir de agosto, o STF vai tomar uma sequência de decisões com forte impacto no ambiente político e nos tribunais. Como fator complicador, pela polarização dos brasileiros, deve-se observar que não haverá caminhos que agradem a todos.

Por essas características, obrigatoriamente, os magistrados vão proferir seus votos com um olho na Constituição e outro da realidade. Na prátia, os julgamentos terão fortes componentes políticos.

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