Análise: diálogos escancaram atuação da Lava Jato nas eleições de 2018
Conversas privadas entre Sergio Moro e procuradores mostram interferência contra Lula na corrida presidencial do ano passado
atualizado
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Seria muita ingenuidade imaginar que os investigadores da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro (foto em destaque) não conversavam sobre os processos da operação, embora essa prática jogue por terra a imparcialidade do magistrado. Desde o início da força-tarefa, em 2014, o discurso sempre afinado e o ritmo célere das sentenças revelaram sintonia quase absoluta entre o Ministério Público e a 13ª Vara Federal de Curitiba.
Agora, os diálogos divulgados nesse domingo (09/06/2019) pelo site The Intercept mostram que a afinidade de objetivos estava relacionada, também, às eleições de 2018. Revelam, sem filtro, o interesse direto de investigadores em interferir na corrida presidencial.
A atuação de Moro, e também a dos procuradores, será questionada em instâncias como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-juiz, principalmente, por ter combinado ações com os investigadores. Sob outro ângulo, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que agiam com rigor para criminalizar a prática dos políticos, eles próprios faziam política.
As referências explícitas a um suposto impacto, na campanha do petista Fernando Haddad (PT), de uma entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva escancaram a intenção dos procuradores em interferir no resultado da eleição. Sob o olhar da normalidade democrática, essa é uma ação que desequilibra uma disputa presidencial e compromete o Ministério Público com o resultado das urnas.
Deve-se destacar que a publicação das conversas expõe o grau avançado de promiscuidade no mundo jurídico. Fora dos autos, magistrados, procuradores e advogados pertencem às mesmas rodas sociais. Encontram-se com frequência em recepções, coquetéis e festas de casamento. Nessas relações, trocam informações e opiniões sobre diligências e processos.
Quando essas ligações descambam para o compadrio, a boa prática jurídica cede lugar para tráficos de influência e favorecimentos. No histórico do Judiciário brasileiro, até pouco tempo, a boa convivência facilitou a impunidade dos poderosos. Os fatos aqui tratados mostram que, desta vez, os laços pessoais serviram para a condenação de um adversário político.
Moro e os procuradores reclamam do vazamento dos diálogos. Nesse caso, por paralelismo, os argumentos soam frágeis. Desde a deflagração, há mais de cinco anos, a Lava Jato se beneficiou da divulgação de informações sigilosas, iniciativas que contribuíram para o avanço das investigações e para o julgamento dos processos.
No episódio mais grave, Moro divulgou conversas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff. Em decorrência desse fato, o petista não assumiu o cargo de ministro da Casa Civil.
Quis o destino que, agora, o ex-juiz esteja no centro de um escândalo provocado por um vazamento de mensagens pessoais. Há um mês, a Polícia Federal investiga ataques de hackers ao telefone de Moro, agora sentado na cadeira de ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, vencedor da eleição contra Haddad.
Pelo passado controverso, não tem credibilidade para reclamar. Do ponto de vista da sociedade, pelo menos, foi possível conhecer um pouco mais dos bastidores do poder. Sem filtros.