Análise: debate na Globo refletiu bom momento de Bolsonaro, o ausente
Presidenciáveis usaram último encontro na TV para tentar reverter crescimento do militar reformado na reta final da campanha
atualizado
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Na madrugada dessa sexta-feira (5/10), data comemorativa dos 30 anos da Constituição, o debate entre os candidatos a presidente promovido pela TV Globo teve um certo ar de nostalgia de uma geração. Algumas horas antes, uma pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha apontara um surpreendente crescimento de Jair Bolsonaro (PSL) na reta final da campanha para o primeiro turno.
Pelo levantamento, o capitão reformado subiu 3 pontos percentuais em dois dias e chegou a 35% da preferência dos eleitores. Considerando-se apenas os votos válidos, ele alcançou 39% – com margem de erro de dois pontos percentuais –, número suficiente para aproximá-lo de uma vitória no primeiro turno.
Ainda convalescente do ataque à faca sofrido em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro apresentou atestado médico para justificar a ausência no encontro dos presidenciáveis. No mesmo horário, porém, a TV Record, concorrente da Globo, exibiu entrevista gravada anteriormente com ele.
O líder nas pesquisas é o único candidato a defender a ditadura sepultada pela Constituição de 1988. Os outros concorrentes, seus partidos ou grupos políticos, de alguma forma envolveram-se com o fim do regime implantado pelo golpe militar de 1964.
A eventual vitória de Bolsonaro representará o fim do ciclo da geração que comandou a política brasileira desde a redemocratização. Com 2% das intenções de voto dos brasileiros, Henrique Meirelles é o nome do MDB, legenda que assumiu o combate institucional ao governo fardado.
O PT de Fernando Haddad nasceu das greves do ABC no final dos anos 1970, juntou sindicalistas, setores da Igreja Católica e ex-integrantes de organizações armadas para ajudar a tirar os militares do poder.
Segundo colocado, de acordo com o Datafolha, o petista tem 22% da preferência dos eleitores. Esse percentual representa 25% dos votos válidos. Assim como Marina Silva, da Rede, Haddad começou a atuação política no movimento estudantil, no início da década de 1980, últimos anos dos generais no comando do país.
Alvaro Dias, do Podemos, conquistou os primeiros mandatos pelo MDB. Empata com Meirelles na casa dos 2%. O PSDB de Geraldo Alckmin nasceu de um racha do MDB (que durante mais de três décadas chamou-se MDB) também entrou para a política como emedebista.
Genro de um ex-preso político da ditadura, o presidenciável do PSol (legenda dissidente do PT), Guilherme Boulos, fez o mais duro ataque ao regime autoritário. “Faz 30 anos que esse país saiu de uma ditadura. Muita gente morreu e foi torturada. Tem mãe que não conseguiu enterrar o filho até hoje”, afirmou Boulos, referindo-se aos mais de 220 mortos pelo aparato repressivo dos generais que não foram entregues às famílias.
Ciro Gomes representa o PDT de Leonel Brizola, um dos mais populares inimigos do regime militar. O pedetista atacou Bolsonaro: “É um espertalhão. Nunca administrou um botequim dos pequenos e não se apresenta para o debate alegando que está sob ordem médica”.
Marina fez dobradinha com Ciro contra o candidato do PSL e contra o PT. “O voto pode ser usado para melhorar saúde, educação, o sistema político, que está degradado. A permanecer essa guerra que alguns votam por medo do Bolsonaro e por medo do Haddad, ou estão votando porque têm raiva um do outro, o Brasil vai ficar quatro anos vivendo uma situação de completa instabilidade econômica, política e social”, disse a presidenciável da Rede.
Sozinho na tela da Record, longe dos que o atacavam, Bolsonaro desfrutou o bom momento das pesquisas e, com as tintas carregadas no discurso antipetista, manteve a mobilização de seus seguidores. “Não podemos deixar que um partido que mergulhou o Brasil na mais profunda crise ética, moral e econômica volte ao poder com as mesmas personalidades. Tudo é conduzido de dentro da cadeia pelo senhor Lula, que indica um fantoche seu chamado Haddad”, afirmou o concorrente do PSL logo no início da entrevista.
Deixar de comparecer a debates faz parte da estratégia de candidatos que lideram pesquisas e não querem ser questionados pelos adversários com temor de perder votos. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, faltaram a encontros desse tipo quando disputavam reeleição.
Embora seja um direito dos presidenciáveis, a ausência representa um descaso com os eleitores, que perdem a oportunidade de ver como se comportam os que almejam governar o Brasil quando questionados sobre seus planos. No caso de Bolsonaro, impede de tentar descobrir o que de fato fará se chegar ao Palácio do Planalto.
Fora do discurso contra o PT e a ofensiva moralista de seus seguidores, quase nada se sabe do que o candidato do PSL fará, por exemplo, na economia do país. Se ele estivesse no debate da Globo, por exemplo, também poderia responder a uma observação feita por Ciro Gomes relacionada às propostas defendidas por ele.
Segundo o pedetista, as ações de uma empresa fabricante de armas, ligada a apoiadores de Bolsonaro, teve as ações valorizadas em 180% com seu crescimento nas pesquisas. Tem gente ganhando dinheiro com o discurso da população armada.