Análise: com Vélez, MEC virou Ministério da Esculhambação e das Crises
Titular da Educação comete erros em série, volta atrás em decisões de um dia para outro e deixa a pasta à deriva nos três meses de governo
atualizado
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Se existe um setor onde se pode dizer que tudo deu errado no atual governo, esse é o Ministério da Educação (MEC). Uma das áreas mais sensíveis e deficientes do país permanece à deriva desde a posse do titular da pasta, Ricardo Vélez, há três meses.
Para usar uma expressão científica, é como se o ministro adotasse o método de tentativa e erro e, em vez de resultados positivos, obtivesse apenas opções equivocadas. Nem mesmo o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aprova a atuação do subordinado.
“Ele tem problemas sim, ele é novo no assunto. Não tem o tato político, vou conversar com ele e tomar as decisões que devem ser tomadas”, afirmou o capitão nessa quinta-feira (28/3). Apesar da avaliação negativa, o chefe do Executivo negou que na quarta (27/3) tivesse falado em demitir o ministro. Porém, dialogará com o subordinado nesta sexta (29).
A se julgar pelo desempenho de Vélez, Bolsonaro demorou a perceber a inadequação do nome escolhido para comandar a Educação brasileira. Em consequência da falta de intimidade com os assuntos do órgão, o ministro voltou atrás em algumas medidas adotadas sem critério. Se fossem provas de múltipla escolha, pelo visto, o titular da pasta assinalaria apenas as alternativas incorretas.
A lista de desatinos é extensa e chocante. Para fazer uma brincadeira, pode-se dizer que, com Vélez, o MEC poderia ser rebatizado de Ministério da Esculhambação e das Crises.
Obras com erros
Ainda em janeiro, o ministro da Educação precisou recuar depois de determinar mudanças em um edital de compra de livros. As alterações permitiam a aquisição de obras com erros ou sem referências. Também suprimiam trechos sobre compromissos da agenda de não violência contra as mulheres.
Outro despacho de Vélez foi revisto no primeiro mês de governo. O diretor de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Educação e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Murilo Resende Ferreira, perdeu o cargo depois que seu passado se tornou mais conhecido nas redes sociais.
Na função que exercia, ele seria responsável por coordenar o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), uma das tarefas mais complexas e trabalhosas do MEC. Ferreira não tinha experiência para assumir o posto e caiu no dia 17 de janeiro, 24 horas depois de nomeado.
Ex-integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo conservador atuante nas manifestações contra a então presidente Dilma Rousseff (PT), ele chegou ao cargo no governo Bolsonaro como defensor do programa Escola Sem Partido e crítico do que chama de “ideologia de gênero”. Radical em suas posições, Ferreira foi chamado de “maluco” e “lunático” por representantes do MBL que o conheceram na época do impeachment da petista.
A crise no Inep ainda não acabou. Sucessor de Ferreira, o economista Paulo César Teixeira pediu demissão nessa quarta-feira (27), um dia depois que o presidente do instituto, Marcus Vinicius Rodrigues, foi exonerado.
Rodrigues foi responsável por outra medida desastrosa, uma portaria assinada na segunda-feira (25) que suspendia as avaliações da educação básica até 2021. O ministro revogou o ato e demitiu o subordinado no dia seguinte.
Antes, no início de fevereiro, o titular da Educação disse em entrevista à revista Veja que os brasileiros, quando viajam, comportam-se como “canibais” e rouba assentos de avião. Depois, assumiu que foi “infeliz” na declaração.
Uma das decisões mais atabalhoadas de Vélez foi a carta escrita para as escolas com a orientação de que as crianças fossem filmadas cantando o Hino Nacional – segundo o ministro, as imagens deveriam ser enviadas para o MEC. Pela repercussão negativa, ele desistiu da ideia.
Com tantas respostas insatisfatórias para as questões sob sua responsabilidade, o MEC passa por uma crise atrás da outra. Em consequência, o titular do órgão vive sob pressão. Foi, por exemplo, o que aconteceu nessa quarta-feira (27) na Câmara. A deputada Tábata Amaral (PDT-SP), cientista política e astrofísica, constrangeu o ministro ao cobrar metas, projetos e responsáveis pelas prioridades da pasta. “Isso daqui não é planejamento estratégico, isso é uma lista de desejos. Quero saber onde encontro esses projetos”, exigiu a parlamentar.
Olavianos
Vélez se tornou ministro por indicação do escritor Olavo de Carvalho, guru e conselheiro do presidente da República. Nessa condição, divide poder com outros grupos na cúpula da pasta – por exemplo, um núcleo formado por militares.
A influência do escritor ficou evidente em 11 de março. Nessa data, pressionado por Carvalho, Vélez demitiu seis de seus principais assessores. No dia seguinte, o secretário executivo do MEC, Luiz Antonio Tozzi, deixou o cargo. O ministro anunciou Rubens Barreto da Silva para a vaga, mas mudou de ideia e tentou nomear Iolene Lima.
Ela recebeu críticas nas redes socais por não ter experiência na área e defender educação eminentemente religiosa. Mais uma vez, Vélez recuou e desistiu de integrá-la na equipe.
Para especialistas na área, Vélez não tinha capacitação para o cargo. Um nome respeitado no setor, o ex-secretário de Educação de Pernambuco Mozart Neves Ramos chegou a ser convidado para o posto ainda durante a transição de governo, mas foi descartado por pressão de evangélicos.
Em vez de escolher um professor que participa das instâncias de discussão da educação, Bolsonaro preferiu um auxiliar “novo no assunto e que não tem tato político”. Entre duas alternativas, de longe, optou pela pior. As consequências, graves, serão sentidas por muito tempo nas escolas do país.