Análise: com PSL, Bolsonaro revela desprezo a sistema partidário
Ao deixar legenda, presidente parece considerar ser mais fácil o grupo inteiro se adequar aos seus ideais do que ele se adequar aos do grupo
atualizado
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De malas prontas para deixar o PSL, o presidente Jair Bolsonaro coloca em evidência pelo menos dois pontos: a falta de lealdade e o desprezo para com as legendas que o abrigaram, além da fragilidade dos partidos políticos no Brasil. Até chegar a se sentir empoderado pela faixa presidencial para criar uma legenda para chamar de sua, a “Aliança pelo Brasil”, o capitão da reserva havia passado por oito agremiações políticas, sendo que entrou e saiu do PP por duas vezes. Pode-se atribuir essa “volubilidade ideológica”, em parte, à tendência do presidente ao autoritarismo. Afinal, ele parece considerar ser mais fácil um grupo inteiro se adequar aos seus ideais do que ele se adequar aos do grupo.
Caso consiga criar a Aliança pelo Brasil em tempo recorde, a tempo de oferecê-la para as disputas municipais de 2020, Bolsonaro terá praticamente uma propriedade feudal: seus vassalos receberão do suserano abrigo – e a popularidade do presidente – em troca de jamais contestá-lo. Se submeterão não só aos ditames do presidente, como aos caprichos dos infantes 01, 02 e 03.
Não que esse tipo de atitude seja algo espinhoso para a ala bolsonarista do PSL, que já se comportava dessa maneira. De início, quem não lia na cartilha do clã Bolsonaro era mandado para a guilhotina. Nas últimas semanas, porém, a disputa pelo controle do partido virou briga de cachorro grande. Bolsonaristas e bivaristas – numa referência ao presidente nacional da legenda, Luciano Bivar (PE) – engalfinharam-se em público pelo controle do partido e do Fundo Partidário – cerca de R$ 8,3 milhões mensais. O presidente ameaçou pedir auditoria nas contas da legenda. Bivar reagiu: pediria um raio x nas contas de campanha. Ficou o dito pelo não dito e Bolsonaro optou por abandonar – mais uma vez – quem o recebeu.
As baixas que a debandada de bolsonaristas causará no PSL são significativas: estima-se que pelo menos 30 deputados e 2 senadores (de uma bancada de 3) sigam o presidente na Aliança pelo Brasil. Hoje, o partido tem uma bancada de 53 integrantes da Câmara. Se realmente ficarem ao lado do chefe nessa empreitada, todos estarão contando as horas e os minutos: para ter o direito de disputar as eleições municipais, a nova legenda terá que reunir pelo menos 500 mil assinaturas até março. Só para lembrar, Marina Silva levou cerca de um ano e meio para ver a Rede Sustentabilidade aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O partido Novo precisou de 4 anos para ter seu registro.
Chacoalhão na economia
É um prazo exíguo, uma vez que a aposta dos bolsonaristas é ainda surfar na popularidade do presidente. Vale ressaltar que sua aprovação está em curva descendente e que só um chacoalhão na economia – algo que não se vislumbra a curto ou médio prazos – poderia alterar o quadro. Bolsonaro, por sua vez, teria poderes imperiais para indicar esse ou aquele candidato nas cidades onde a futura legenda venha a disputar prefeituras e câmaras municipais. No entanto, quem atualmente se acha “menina dos olhos” do presidente precisa ficar alerta: ele já demonstrou que não hesita em empurrar aliados para o patíbulo se isso garantir sobrevida política a ele ou a seus filhos.
É bem verdade que trocar de partido como quem troca de camisa não é uma característica exclusiva de Jair Bolsonaro. O ex-ministro Ciro Gomes está na sua sétima legenda. Ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho está na sexta. A verdade é que, longe de qualquer identificação ideológica, é um via de mão dupla que une políticos dessa estatura aos partidos: enquanto uma parte se vale da estrutura partidária montada e enraizada pelo país, a outra aproveita-se do cacife político-eleitoral do recém-filiado para ganhar musculatura nas urnas.
Não é raro o caso de o novato querer “tomar conta” da casa que o recebeu. Foi assim com Ciro no PPS e com Garotinho no PSB. Ambos bateram de frente com os “donos do pedaço” – respectivamente Roberto Freire e Eduardo Campos – e tiveram que partir para outra. E é assim com Bolsonaro no PSL.
Nova política
Frágil, o sistema partidário brasileiro é bastante pulverizado: são mais de 30 legendas registradas e outras – pasmem – 75 em processo de formalização, segundo dados do TSE. Perante a opinião pública, os partidos são geralmente vistos como amontoados de políticos envolvidos com atividades nada republicanas, como corrupção, falta de ética, clientelismo e negociatas. Nada assegura que a Aliança pelo Brasil fugirá desse estereótipo, a não ser para os adoradores incondicionais do “mito”. Mas a julgar por laranjais, fake news, rachadinhas, filhos “embaixadores” e intimidação de instituições, é possível apostar que não. Afinal, são todas práticas da “nova política“.