Análise: com “kafta” e outras gafes, educação afunda em metamorfoses
Ministro da Educação tenta impor mudanças nas universidades e provoca mobilização da comunidade acadêmica contra medidas do governo
atualizado
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O primeiro semestre letivo de 2019 ainda está pela metade, mas o tratamento dado à educação permite antecipar uma avaliação negativa do governo nessa área. Na forma e no conteúdo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e seus representantes apostam na didática do confronto, método que desorganiza as práticas estabelecidas e afronta a comunidade acadêmica.
Depois de fracassar na primeira tentativa, com Ricardo Vélez Rodriguez, o governo testa o segundo nome escolhido para comandar mudanças no ensino brasileiro. Pelo desempenho demonstrado em público, o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, emite sinais de que, assim como o antecessor, carece de pré-requisitos para o cargo.
Por enquanto, sua atitude com maior repercussão foi uma gafe cometida durante exposição no Senado nesta terça-feira (07/05/2019). Ao tratar de uma suposta perseguição judicial sofrida no passado, Weintraub comparou sua situação à tormenta vivida por um personagem criado pelo escritor tcheco Franz Kafka no livro O Processo.
O problema foi ter trocado o sobrenome do autor para “kafta”, nome de uma famosa comida árabe. Com licença para um trocadilho, o lapso virou um prato cheio para zoeiras nas redes sociais – nada menos pedagógico para quem precisa se comunicar bem para convencer a população de que tem preparo para o cargo.
Antes, na quinta-feira (2), em outra intervenção reprovável, o titular do MEC confundiu R$ 500 mil com R$ 500 milhões ao apresentar os custos com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2019. A informação errada foi repetida cinco vezes durante uma entrevista coletiva e somente corrigida mais tarde pela assessoria do ministro.
As gafes de Weintraub, isoladas, revelam certo improviso do homem encarregado de melhorar os índices do Brasil na Educação, setor onde o país tem destaque negativo no cenário internacional. Mas, deve-se admitir, esses deslizes têm pouca gravidade prática para o funcionamento do MEC.
Nesse campo, os verdadeiros perigos estão nas políticas do governo para a Educação. As ameaças surgem, por exemplo, na forma de corte de verbas e de declarações estapafúrdias sobre punição de escolas que promovam “balbúrdia”.
Esses movimentos, na verdade, representam a execução das ideias preconceituosas de Bolsonaro e seus seguidores em relação ao ambiente universitário brasileiro. O confronto reforça o viés ideológico do governo atual em uma área onde deveriam prevalecer as diretrizes de Estado, sem distorções promovidas ao sabor das mudanças eleitorais.
Por enquanto, mais do que mostrar rumos para a educação, as atitudes de Vélez e Weintraub serviram para mobilizar a comunidade acadêmica contra as interferências planejadas pelo governo. Na terça (7), um abraço da comunidade no prédio da biblioteca da Universidade de Brasília (UnB) simbolizou a disposição de enfrentar o governo nas tentativas de enfraquecer a educação pública.
Nesta quarta-feira (8), os estudantes da UnB decidiram aderir à paralisação nacional da educação, marcada para o dia 15 de maio. As próximas semanas mostrarão se a capacidade de mobilização nas escolas será suficiente para barrar as pretensões de Bolsonaro no setor.
Hino Nacional
Propostas bizarras emanam do MEC desde a curta passagem de Vélez pelo governo. Uma das iniciativas do antecessor de Weintraub foi a determinação de que os professores da rede pública filmassem os alunos cantando o Hino Nacional. Por essa e por outras, caiu antes de completar três meses no cargo.
Nesse ponto, vale voltar ao citado Franz Kafka. Outra obra clássica do escritor tcheco, A Metamorfose, narra a angústia de um homem que, ao acordar, descobre-se uma barata.
Com as gafes e diretrizes do governo Bolsonaro, o Brasil parece viver um pesadelo semelhante, com ameaças de transformações que parecem levar o setor para um longo período de conturbação. Se não houver correção de rumo, o país corre o risco de afundar em uma década perdida para a educação.