metropoles.com

Análise: Bolsonaro se mistura com sangue e avança para extrema-direita

Presidente recorre à mentira para atacar memória do pai do presidente da OAB, desaparecido político, morto pela ditadura militar

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Rafaela Felicciano/Metrópoles
Jair Bolsonaro
1 de 1 Jair Bolsonaro - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) parece governar com raiva. Em manifestações públicas cada vez mais frequentes, investe contra pessoas e instituições com sanha destrutiva. Não respeita os fatos nem a democracia construída nas últimas cinco décadas. 

Nas aparições mais recentes, Bolsonaro tratou com desrespeito e desdém duas situações que envolvem sangue. Em uma delas, sem apresentar evidências, duvidou do assassinato do cacique Emyra Waiãpi, no Amapá, por garimpeiros ilegais. 

Outra declaração de Bolsonaro ofende a família e a memória do estudante pernambucano Fernando Santa Cruz, um dos 210 desaparecidos políticos da ditadura. Militante da organização Ação Popular Marxista Leninista (AP-ML), ele é pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

Com o objetivo de atacar a OAB, Bolsonaro tenta reescrever a história do pai do presidente da entidade. Para isso, confronta até mesmo documentos militares da época. Na versão de Bolsonaro, Fernando Santa Cruz foi morto por integrantes da AP-ML. 

Trata-se de uma mentira. Um relatório da Aeronáutica, produzido na década de 1970, registra a prisão do estudante, nunca mais visto pela família. Documentos da Marinha e do Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) de São Paulo têm a mesma informação.

Investigações feitas por organismos de Direitos Humanos apontam o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), braço da repressão, como responsável pela captura e assassinato do estudante. Não há qualquer registro de participação de Santa Cruz em ações armadas, nem mesmo nas publicações editadas por ex-integrantes das forças de segurança.

Em nenhuma hipótese, o pai do presidente da OAB teve o perfil de “terrorista” usado pela repressão para desqualificar os militantes das organizações clandestinas. A morte e o desaparecimento foram crimes praticados pelo governo militar contra um cidadão brasileiro. 

Na época do assassinato, Santa Cruz trabalhava regularmente na Companhia de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo, onde ingressou por concurso. Quando foi preso, visitava amigos no Rio de Janeiro.

A execução do estudante se deu em um momento em que praticamente não havia mais luta armada no Brasil. As organizações que recorriam à violência contra o governo haviam sido desmanteladas pelo aparato repressivo. A Guerrilha do Araguaia, maior iniciativa no campo, estava dominada. 

Vitoriosos contra os adversários mais radicais, setores militares começavam a desenhar a abertura política. Mas os homens que atuavam no combate sangrento contra a esquerda tentavam se manter em combate, mesmo que os adversários estivessem aniquilados. Matavam para provar que ainda tinham inimigos. A morte de Santa Cruz se deu nesse contexto.

As mentiras de Bolsonaro ganham ressonância entre pessoas que desconhecem a história e não toleram qualquer manifestação de pensamento identificado com as correntes de esquerda. Aceitam qualquer mentira que lhes dê argumentos para defender o comportamento do presidente e as atrocidades do passado.

Pai de João Dória
Quando faz esses movimentos, o chefe do Executivo se mistura com o sangue produzido pela ditadura. O ódio contra adversários ajuda a reforçar os laços com a extrema-direita, ala de seguidores que, por exemplo, pede intervenção militar, fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso.

Ao mesmo tempo, o presidente se afasta de apoiadores de peso de sua eleição, como o governador de São Paulo, João Dória (PSDB-SP). O pai do tucano, João Agripino Dória, era filiado ao Partido Democrata Cristão (PDC) e teve o mandato de deputado federal cassado pelos militares. 

Muita gente não sabe, mas a ditadura não perseguiu apenas a esquerda. Esse aprendizado, todos os brasileiros deveriam ter.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?