Análise: Bolsonaro e Mourão entram na festa da Nova República
O presidente eleito e o vice participaram da sessão solene pelos 30 anos da Constituição. Os militares voltaram à cúpula do poder federal
atualizado
Compartilhar notícia
A composição da Mesa do Congresso na sessão comemorativa dos 30 anos da Constituição nesta terça-feira (6/11) retratou, com precisão, o momento político do país. Pela primeira vez desde a redemocratização, dois militares ocuparam cadeiras destinadas à cúpula do poder.
O presidente eleito, capitão Jair Bolsonaro (PSL), e o vice, general Hamilton Mourão (PRTB), tomaram assento ao lado dos chefes dos três Poderes. Sinal dos tempos.
Interessante a presença de Mourão nessa solenidade. Durante a campanha eleitoral, o general afirmou que a atual Constituição foi “um erro”, e sugeriu a elaboração de uma nova, produzida por um grupo de juristas e constitucionalistas “notáveis” e submetida a plebiscito.
Instalada entre 1987 e 1988, a Constituinte foi presidida pelo deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), líder da oposição aos governos militares. Nesta terça-feira, no comando da Mesa estavam os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O MDB (ex-PMDB) e o DEM (ex-PFL) são as duas legendas que formaram a Aliança Democrática, coligação que governou o Brasil nos anos seguintes à ditadura, batizados de Nova República. A presença de Eunício e Maia nos dois postos mais altos do Legislativo mostra a longevidade dos dois partidos no poder.
Também estava na Mesa o ex-presidente José Sarney (PMDB). Dissidente da ditadura, ele era vice na chapa de Tancredo Neves eleita pelo Colégio Eleitoral em janeiro de 1985. Com a internação de Tancredo na véspera da posse e posterior morte, Sarney assumiu o Palácio do Planalto e convocou a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Carta Magna agora festejada.
Deputado constituinte em 1988, Michel Temer agora preside o Brasil. Filiado ao PMDB desde aquela época, nunca saiu do partido. Na solenidade, ficou entre Eunício e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli.
Completavam a Mesa a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o primeiro-vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG). A presença do deputado mineiro também tem certa simbologia. Candidato à sucessão de Rodrigo Maia no comando da Câmara, Ramalho representa a geração que entrou para a política depois da redemocratização. Assim como Bolsonaro, ainda senta na ponta da Mesa.
Ainda no campo dos símbolos, vale destacar a discreta participação do suplente de deputado Mauro Benevides (MDB-CE) na solenidade. Até os minutos finais, ele ficou em um cantinho do plenário, de pé. Ouviu os discursos e cumprimentou congressistas.
Só no final da solenidade, Benevides foi chamado a compor a Mesa. Até aquele momento, ninguém se lembrara de que ele foi vice-presidente da Constituinte. Aos 88 anos, continua atuante na política e tinha motivos de sobra para participar da comemoração.
Convidados a participar da festa da democracia, Bolsonaro e Mourão ouviram os chefes dos Poderes ressaltarem a importância da Constituição Federal. Primeiros militares a dirigir o Brasil depois da redemocratização, eles foram lembrados de que o país tem leis rígidas a serem seguidas por seus governantes. Ao lado do presidente eleito, Toffoli mostrou-lhe um exemplar da Constituição.
Bolsonaro e Mourão venceram a eleição presidencial com discurso radical e questionamentos a princípios de direitos humanos e das minorias. Nesses aspectos, particularmente, a Constituição de 1988 instituiu salvaguardas importantes para a restauração da cidadania.
Não por acaso, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães (PMDB-SP), batizou a Carta Magna de Constituição Cidadã. Durante os trabalhos, em um discurso inflamado contra a ditadura, dr. Ulysses chamou de “três patetas” os três oficiais que formaram a junta militar que presidiu o Brasil por alguns meses, entre o impedimento de Artur da Costa e Silva e a posse de Emílio Garrastazu Médici.
A trinca era composta por Augusto Rademaker (almirante), Aurélio Lyra Tavares (general) e Márcio de Souza e Mello (brigadeiro). Escolhida e imposta pela cúpula das Forças Armadas, a junta representava a ditadura e não tinha apoio popular.
Na democracia, Bolsonaro e Mourão chegarão ao Planalto referendados pelos eleitores e dentro das regras constitucionais promulgadas em 1988. Sinal dos tempos.