Análise: ao afrontar a ciência, Bolsonaro leva o país para voo cego
Presidente usa o método “se colar, colou” para tentar impor no governo federal uma agenda lastreada nas preferências pessoais
atualizado
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Se o Brasil não seguir os caminhos apontados pela ciência, fica difícil imaginar os critérios que norteariam a tomada de decisões do governo federal. Manifestações recentes do presidente Jair Bolsonaro (PSL), por incrível que pareça, reforçam a impressão de que os rumos do país estão atrelados a referências de cunho meramente pessoal.
O embate com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Osório Galvão, revela a disposição do chefe do Executivo de desprezar os dados científicos que não atendam suas vontades. Sem o conhecimento acumulado, aferido em pesquisas lastreadas por métodos consagrados nas academias, resta a trilha da ignorância.
Em reação às palavras do presidente, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) emitiu uma nota. “Em ciência, os dados podem ser questionados, porém sempre com argumentos científicos sólidos, e não por motivações de caráter ideológico, político ou de qualquer outra natureza”, diz o comunicado.
Fundada 1948, a SBPC representa no país o conhecimento reunido ao longo de décadas por pesquisadores conectados com as descobertas feitas no mundo com base em normas rígidas de percepção da realidade. A instituição nasceu, exatamente, da necessidade de desenvolvimento social e econômico depois da Segunda Guerra Mundial.
O confronto com Galvão se deu em torno dos dados divulgados pelo INPE sobre desmatamento da Amazônia. Aliado da bancada ruralista no Congresso, Bolsonaro contestou o resultado apresentado pelo instituto com o argumento de que tem o “sentimento” de que não “coincide com a verdade”.
Deve-se concluir, então, que o presidente tem a pretensão de substituir critérios científicos por impressões pessoais sobre grandes temas nacionais. Nessa rota, o voo é cego, guiado pelo achismo dos governantes de plantão. É o roteiro do obscurantismo.
Bolsonaro tem na equipe adeptos dessa concepção imaginosa. É o caso, por exemplo, do ministro da Cidadania, Osmar Terra, outro que prefere acreditar nos próprios palpites a adotar estudos científicos. Ele demonstrou esse cacoete ao censurar uma pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz sobre o uso de drogas no Brasil. Para um médico formado pela tradicional Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse é um comportamento surpreendente.
Depois de quase sete meses de governo Bolsonaro, os brasileiros perceberam que ele fala compulsivamente e que seus pensamentos, com grande frequência, trombam na realidade. Esse é o método do “se colar, colou”. Pelo futuro do Brasil, espera-se que a ciência volte a pautar a agenda do governo.