Alagoas, Amazonas e eleições 2022: CPI da Covid expôs disputas locais
A comissão mostrou mais do que equívocos e potenciais crimes cometidos pelo governo federal no combate à pandemia
atualizado
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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que encerrou os trabalhos no final de outubro, ainda não teve resultado prático, além de pressionar por celeridade no processo de vacinação no país. O relatório resultante da investigação segue em análise pelos órgãos do Ministério Público e do Judiciário, que ainda não definiram quais serão os próximos passos.
No entanto, é possível afirmar que o colegiado expôs nacionalmente não apenas os equívocos e potenciais crimes cometidos pelo governo federal no combate à pandemia, mas também as disputas políticas regionais.
Alagoas foi o pano de fundo da trocas de farpas entre o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A comissão também evidenciou as divergências políticas no Amazonas, com os senadores Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, e Eduardo Braga (AM), líder do MDB no Senado.
Mas não só eles. A tentativa de convocar governadores para depor à CPI atendia aos interesses de diversos integrantes do colegiado, que articulam candidaturas aos respectivos governos estaduais em 2022.
Alagoas
Após a CPI solicitar o indiciamento de membros do Parlamento, o presidente da Câmara, Arthur Lira, criticou publicamente a comissão, que tinha o senador alagoano Renan Calheiros como relator e, portanto, autor dos pedidos.
Calheiros não se absteve de devolver. O relator sugeriu que Lira estava preocupado porque a comissão desvendou um suposto esquema de controle de emendas parlamentares, chamado orçamento secreto, que o presidente da Câmara controlaria, e isso teria o irritado. As supostas irregularidades foram alvo de críticas e ações no Supremo Tribunal Federal (STF).
As trocas de “sutilezas” públicas revelaram o campo minado que é Alagoas. Os dois congressistas estão em campos opostos local e nacionalmente.
Por muito tempo, Calheiros, que é ligado ao PT, foi o protagonista do estado no cenário nacional, mas, sob o governo Jair Bolsonaro, submergiu. Lira se tornou fiador da gestão bolsonarista e um dos principais aliados do presidente. “Atualmente, ele é quem dá as cartas”, diz um parlamentar alagoano. Entretanto, com a CPI, o emedebista voltou aos holofotes.
Calheiros, que tem mandato até 2026, não será candidato a nenhum cargo no próximo ano, mas seu filho, o governador Renan Filho (MDB), disputará o Senado, mais especificamente a vaga de Fernando Collor (Pros-AL), que tem apoio do presidente da Câmara e de Bolsonaro.
Um parlamentar de Alagoas destaca que Renan Filho terá de renunciar em abril para disputar o Senado e, sem vice-governador desde que Luciano Barbosa (MDB) se afastou para ser prefeito de Arapiraca, o comando do estado ficará com o presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas, Marcelo Victor (Solidariedade), aliado de Lira. “Isso desde já é motivo de tensão”, acrescenta.
Outra situação não superada pelos Lira foi a derrota do ex-senador Benedito de Lira (PP), pai do presidente da Câmara, para Renan Filho na eleição de 2014. O pleito teria elevado o nível de tensão entre os grupos.
Lira, contudo, pretende disputar a reeleição ao mandato e, consequentemente, à presidência da Casa. Contudo, nos bastidores, já teria avisado a aliados que trabalha com a ideia de disputar o Senado em 2026 – mesmo ano em que Renan disputará a reeleição, o que reserva novos episódios.
Amazonas
O capítulo do relatório final destinado ao Amazonas evidenciou o limiar da relação entre o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga, e o presidente da CPI, Omar Aziz. Ambos já foram governadores. Aziz, inclusive, foi vice de Braga. Antigos aliados, eles não vivem os melhores momentos da relação, mas se uniram na comissão e teriam firmado um pacto de não agressão, o que não foi completamente cumprido.
Aziz é candidato à reeleição ao Senado. Com a CPI, o senador do PSD se fortaleceu, após um período de desgastes por causa da Operação Maus Caminhos, em 2016, que investigou suspeitas de irregularidades na área da saúde no seu governo. Aziz nega envolvimento.
Na eleição ao governo de 2018, ele ficou em quarto lugar na disputa que teve Wilson Lima (PSC) eleito. Após o pleito, o senador do PSD ensaiou uma aproximação com o atual governador, o que gerou incômodo ao antigo aliado, Eduardo Braga.
Um parlamentar amazonense destaca que Aziz e Braga pertencem ao mesmo grupo político, mas que eventualmente se afastam ou se alinham por manutenção política.
Antecessor de Aziz no governo, Braga é pré-candidato ao governo do Amazonas e disputará contra Lima. Os senadores, porém, não devem, a princípio, compor a mesma chapa. O emedebista tem conversado com o coronel Alfredo Menezes, que é adversário de Aziz e deve concorrer à Casa Alta contra o pessedista.
Durante os trabalhos da CPI, o líder do MDB brigou pela convocação e, na reta final, pelo indiciamento do governador Wilson Lima.
Aziz, que possui relativa proximidade com Lima, preferia que não houvesse o indiciamento, mas, se caso ocorresse, queria também o pedido contra o deputado estadual Fausto Junior (MDB-AM), que foi relator da CPI da Saúde na Assembleia amazonense e se filiou ao MDB através de Braga.
Fausto Junior, ao depor à CPI da Covid, afirmou que a comissão amazonense deveria ter indiciado Aziz, o que gerou incômodo ao senador e aumentou o atrito com Braga. Na ocasião, Aziz tentou investigar o deputado estadual e a mãe dele, que é conselheira do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), por relações suspeitas com o governo estadual envolvendo empresas. O líder do MDB saiu em defesa dos aliados.
“Esta comissão não é uma questão de disputa regional”, disse Braga a Aziz, que retrucou dizendo que investigar recursos estava no escopo da comissão. “Vossa excelência quer trazer para esta comissão a disputa de 2022 no estado do Amazonas. Não faça isso, senador”, acrescentou Braga.
Essa situação gerou um estremecimento no G7, que culminou no afastamento de Braga. Entretanto, a situação foi contornada e o grupo voltou a atuar junto. Na reta final, o pedido de indiciamento de Lima e do ex-secretário estadual de Saúde Marcellus Campêlo voltou a gerar atrito no grupo. Braga venceu a quebra de braço.
Governadores
A convocação de nove governadores mostrou que, além de investigar ações e omissões do governo federal e supostos desvios de recursos, 2022 não saiu do radar de alguns senadores. Além das divergências entre Aziz e Braga quanto à convocação de Lima, outros potenciais candidatos se animaram com a possibilidade de confrontar adversários políticos na comissão.
Com o filho na mira, o relator Renan Calheiros colocou-se contrário desde o primeiro momento. Contudo, um acordo foi costurado e apenas os governadores dos estados onde ocorreram operações da Polícia Federal ou investigação do Ministério Público Federal (MPF) para investigar mau uso dos recursos da União no combate à pandemia foram convocados. Essas oitivas atendiam aos interesses de alguns senadores pré-candidatos.
O senador Marcos Rogério (DEM), que é pré-candidato ao governo de Rondônia, deverá disputar contra o atual governador Marcos Rocha (PSL). Já o senador Jorginho Mello (PL), pré-candidato ao governo de Santa Catarina, concorrerá contra o governador Carlos Moisés (PSL).
À época membro da CPI e atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP) queria convocar o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), de quem é adversário local. Dias encerra o mandato em 2022 e não poderá disputar a reeleição, mas fazia parte da estratégia eleitoral do senador PP desgastá-lo. Nogueira planeja se candidatar ao governo e Dias, retornar ao Senado.
O mesmo ocorreria com o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede), que é pré-candidato ao governo do Amapá. Ele não disputará contra o governador Waldez Góes (PDT), que encerra o mandato no ano que vem, mas aquela era a possibilidade de demarcar território contra o adversário e seu grupo político.
O senador Izalci Lucas (PSDB), que não era membro da CPI mas participava com frequência, tentou levar o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), à comissão, sem sucesso. Conseguiu o ex-secretário de Saúde Francisco Araújo.
Apesar da convocação, os gestores estaduais acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a convocação deles.