Afastado, Witzel dispara: “Bolsonaro é uma azeitona. Em 2022, a política vai cuspir esse caroço”
Em entrevista à Rachel Sheherazade, Wilson Witzel ataca adversários e se defende. Nesta semana, ele foi despejado do Palácio Laranjeiras
atualizado
Compartilhar notícia
Na quinta-feira (5/11), o tribunal misto, composto pelos deputados estaduais e desembargadores que julgam o processo de impeachment do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), determinou que ele desocupasse os aposentos do Palácio Laranjeiras, residência oficial dos governadores fluminenses.
Nessa segunda-feira (9/11), Witzel providenciou a mudança da casa (uma construção de 1914), cujas paredes são todas trabalhadas em mármore Carrara. Em alguns cômodos, os mosaicos de cerâmica têm aplicações de ouro 24 quilates.
O lugar exibe pinturas de Frans Post e abriga, em um dos salões, uma réplica do piano que pertenceu à rainha Maria Antonieta, da França. O mobiliário é irretocável e não deixa um tamborete a dever para a pompa dos palácios reais europeus. Tudo nos trinques.
Dias antes de Witzel ser despejado do Palácio Laranjeiras (erguido a 25 metros do nível da rua), a reportagem do Metrópoles esteve no lugar e gravou as últimas declarações do político no endereço palaciano. Na oportunidade, o governador afastado disse, fazendo uma alusão bíblica, que seguia recolhido em sua “caverna”.
“Eu sou cristão, nasci num lar cristão. Hoje, eu me converti. Sou evangélico. Eu aprendi, com os evangélicos, neste momento em que eu estou aqui na caverna, como a gente vê na Bíblia: Davi, para fugir do rei Saul, teve de se recolher na caverna.”
A profissão da fé evangélica é recente (data de agosto) e tem ajudado Witzel a lidar com as dores e derrotas que a política lhe imprimiu. O governador eleito do RJ é acusado pelo Ministério Público de chefiar uma organização criminosa e se valer do escritório de advocacia de sua esposa, Helena, para desviar dinheiro público.
Na entrevista concedida à jornalista Rachel Sheherazade, e que inaugura a seção Metrópoles Entrevista, Witzel nega peremptoriamente ter cometido qualquer deslize.
Ele diz que a delação de seu algoz, o ex-secretário de Saúde do estado Edmar Santos, é o relato de um “ homem desesperado” e avalia que caiu em desgraça política porque o presidente da República se antecipou à sua pretensão de alçar voos mais altos do que os rasantes no Palácio Guanabara – onde Witzel estava proibido de pisar desde setembro. Mais que se defender, o chefe do Executivo fluminense ataca ao comparar seu ex-padrinho Jair Bolsonaro a uma suculenta azeitona que, em 2022, chegará só o caroço e será cuspido pela política.
A conversão
De Bíblia em punho, Witzel citou passagens do livro sagrado para reforçar sua crença numa mudança de cenário a seu favor: “A verdade há de prevalecer”.
O processo de conversão de Witzel começou no dia em que Cabo Daciolo visitou o governador afastado no Palácio Laranjeiras. Com aquele sotaque que os brasileiros conheceram nas eleições de 2018, o agora deputado federal pregou: “O senhor [Witzel] precisa se entregar, de corpo e alma, para Jesus. Seu corpo pertence a Jesus. Não fume mais. Não beba mais”.
Witzel seguiu, religiosamente, as orientações de Daciolo e diz que jamais será novamente enquadrado, como ocorreu no início de outubro, durante entrevista ao jornalista Chico Otavio, de O Globo. Na ocasião, ele foi fotografado enquanto fumava charuto e bebia uísque. Desde então, largou o hábito e tem feito rodas de oração no primeiro andar do Palácio Laranjeiras.
“Eu costumava tomar meu uísque e fumar meu charuto para relaxar. Mas isso acabou desde que me converti. Agora, é suco de limão pra mim e de maracujá para a Helena. Durante meu calvário, não recebi um padre para me trazer palavra de conforto, me orientar. Mas esta residência esteve sempre cheia da presença de pastores dispostos a me ajudar.”
Com a mesma disposição e pragmatismo que entrou para a política, Witzel largou o fumo, tornou-se abstêmio e mudou de religião (ele era católico), o governador espera reverter a condição de ostracismo precoce.
Embora o ambiente político seja hostil, Wilson Witzel diz e repete, com a oratória desenrolada de um bom advogado, que está disposto a lutar até o fim para ser novamente bem-vindo nos palácios Guanabara e Laranjeiras.
Por ora, segue à espera do veredito no Grajaú, onde mantinha residência antes de se tornar governador do estado, na época em que sua caneta assinava as decisões de um juiz federal, cargo que ocupou por 17 anos.
A seguir, assista vídeo que inaugura o Metrópoles Entrevista. A seção reunirá jornalistas renomados entrevistando personagens relevantes no contexto político, econômico e social do Brasil.
Veja os oito pontos principais da entrevista:
1. Investigação por fraude em compras na área da Saúde (confira a partir do minuto 2’30)
“A delação de Edmar Santos é a de um homem desesperado”, afirma Witzel sobre o ex-secretário de Saúde do seu governo. Santos assinou, no final de junho, um acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República (PGR), dando base para a subprocuradora-geral Lindôra Maria de Araújo abrir investigação contra Witzel e uma série de outras autoridades do Poder Executivo carioca.
O governador afastado afirmou que houve uma tentativa de manipulação no depoimento de delação premiada de Edmar. O ex-secretário de Saúde chegou a ser preso em julho de 2020, suspeito de envolvimento em irregularidades nos contratos da pasta para combate à pandemia de Covid-19. Ele foi solto, em agosto, a pedido da PGR.
“Advogados que estão trabalhando no meu processo fizeram um relatório que aponta falhas de gravação, espaços em que a gravação para. Depois, o Edmar começa a responder e volta a falar do caixa único. Me parece que, nos vídeos que o Edmar gravou, há uma tentativa de manipulação das respostas dele”, disse Witzel.
2. Relação com a família Bolsonaro (10’00)
Aliados durante toda a campanha eleitoral de 2018, o clima entre a família Bolsonaro e Witzel começou a esfriar logo após a posse, em janeiro de 2019. Na época, o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), já era investigado no escândalo das “rachadinhas”.
O esquema consistiria no recebimento de parte dos salários de subordinados no período em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Segundo Witzel, antes de ele e Bolsonaro romperem relações, o presidente chegou a pedir para que o governador “não fizesse nada contra seus filhos”.
Ao Metrópoles, Witzel comentou: “Se o Bolsonaro, naquele momento, fez aquele pedido para mim, significava que ele tinha a suspeita de que eu faria de tudo para destruir a família dele”.
No último dia 4, Flávio Bolsonaro foi denunciado pelo Ministério Público por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Para o governador afastado do Rio, a ingerência do presidente sobre instituições, como as polícias Civil e Federal, com o suposto propósito de proteger o filho mergulhou o país em uma crise institucional.
3. Jair Bolsonaro, “o caroço da azeitona” (26’30)
Para o governador afastado, “o Brasil está à deriva”. “Nós temos um presidente que só pensa na reeleição. Um país que está girando em torno da família Bolsonaro.”
Jair Bolsonaro, segundo Witzel, “foi útil” dentro do contexto e circunstâncias que o elegeram em 2018. Contudo, o ex-juiz prevê que o prazo de validade do presidente tem data para expirar, e faz uma analogia curiosa para explicar a projeção.
“A política pode perceber que Bolsonaro foi útil até 2022. Então, vamos fazer aqui uma comparação: é como uma azeitona que está todo mundo mastigando porque ela está suculenta, está saborosa, mas quando chegar em 2022, será só o caroço. E a política vai cuspir esse caroço.”
4. A placa rasgada de Marielle na campanha de 2018 (15’08)
Na disputa eleitoral de 2018, em uma das imagens mais fortes protagonizadas por Witzel, ele aparecia ao lado de Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, então candidatos a deputado federal e estadual, respectivamente, pelo PSL. Daniel exibia uma placa, rasgada em duas partes, com o nome da vereadora Marielle Franco (PSol). Ela havia sido assassinada em março daquele mesmo ano.
Ao Metrópoles, Witzel comentou o ato. “O objetivo ali era fazer um discurso, na cidade de Petrópolis, a fim de falar sobre o nosso projeto. Os [candidatos a] deputados que estavam comigo me surpreenderam, levando uma placa com a justificativa de que aquela placa, em relação à vereadora Marielle, havia sido colocada, de forma indevida, num poste de indicação de placa, e que isso feria a ordem urbana. A justificativa dos pré-candidatos era que estavam restaurando a ordem pública”, disse.
Ainda de acordo com o governador afastado, “um dos candidatos disse para mim que a placa rasgou na hora de ser tirada, que não foi rasgada naquele momento”.
“Só que a placa rasgada e elevada no momento em que eu estava de braço erguido, conclamando as pessoas a votarem no 20, a votarem no 17, foi o momento em que tiraram a foto. Eu jamais concordei com isso. Tanto que no meu governo, em fevereiro, a Polícia Civil apresentou os dois assassinos da Marielle.”
Ainda segundo Witzel, ele se explicou à família da vereadora. “Eu chamei a família da Marielle. Chamei a mãe, o pai, a irmã, os levei ao Palácio Guanabara e pedi desculpas. Disse a eles o seguinte: jamais foi minha intenção vilipendiar a memória da sua filha. Eu posso não concordar com muita coisa do que ela dizia, mas uma coisa é não concordar. Uma outra coisa é considerá-la uma traidora, uma pessoa que não deve viver”, disse.
5. Críticas ao “nível” dos parlamentares da Alerj (20’18)
As relações institucionais do governador afastado com a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) deram sinais de que não iam andar no mesmo compasso logo no início do mandato. “A qualidade dos nossos deputados hoje, de uma maneira geral, principalmente da Assembleia Legislativa, é muito ruim”, avaliou Witzel.
“Há um hábito aqui no Rio de Janeiro de se aprovar as chamadas leis autorizativas, que são ‘fake leis’. Eu questionei, logo no início do governo, como eu ia sancionar uma lei autorizativa sem previsão orçamentária? O deputado fica bem com o eleitorado dele, porque diz que aprovou uma lei para o governo do estado fazer isso, fazer aquilo, mas cadê o orçamento? Logo no início do governo, eu disse que não ia mais sancionar essas leis autorizativas.”
Para Witzel, “o nível dos nossos deputados hoje é um nível, digamos assim, incompatível com a realidade orçamentária que a gente vive”. Dos 70 parlamentares que compõem a Alerj, cinco integram o tribunal misto, ao lado do mesmo número de desembargadores. Esse é o grupo que analisa o processo de impeachment que corre contra o governador afastado.
6. Trabalho da PM nas favelas (22’13)
A Alerj e a deputada federal Talíria Petrone (PSol-RJ) denunciaram Witzel à Organização das Nações Unidas (ONU) por causa de uma suposta “agenda genocida” do governo, ressaltando que as mortes em confrontos com policiais no estado do Rio bateram recorde no primeiro trimestre de 2020.
“Se a Polícia Militar não subir o morro quando tiver guerra de facção, enfrentar o crime organizado, esse crime vai se ampliar dentro da comunidade”, afirmou.
Para o governador, o combate ao crime organizado é complexo e vai além das críticas à Polícia Militar. “Quem vai para o tráfico de drogas não é porque tem falta de escola para ele, é porque o tráfico de drogas é a empresa que mais emprega no Brasil”, afirmou o governador afastado.
7. Combate às milícias (27’22)
Witzel ainda comentou a questão das milícias, problema crônico da segurança pública não só do estado fluminense, mas do país. Segundo o governador afastado, em 2020, foram presos mais de 500 milicianos no Rio de Janeiro.
“Mas, hoje, não há como sufocar o crime organizado sem uma política nacional de combate ao tráfico de armas e de drogas”, pondera. Para Witzel, “a milícia do Rio de Janeiro tem a estrutura da máfia que atuou em Chicago e em Nova York, e que atua na China e no Japão”.
8. Eleições municipais (30’53)
Quando questionado por Rachel Sheherazade sobre as eleições municipais de 2020, com primeiro turno marcado para o próximo domingo (15/11), Witzel afirmou que dará apoio para qualquer prefeito eleito ao cargo. Ele projeta, porém, que o próximo ano será terrível, enquanto 2022 será ainda pior, devido às eleições presidenciais.
“Qualquer um que seja eleito vai ter muita dificuldade. O Brasil caminha para um 2021 tenebroso e um 2022, ano eleitoral, mais tenebroso ainda”, acredita.