Aborto, maioridade e armas: as pautas polêmicas que voltam em 2018
Em ano eleitoral, projetos conservadores devem ganhar força no Congresso e servir de palanque para deputados e senadores
atualizado
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As eleições de 2014 deram à luz um Congresso classificado por analistas como o mais conservador desde a época da Ditadura Militar. De lá para cá, representantes das bancadas da bala, do boi e da Bíblia – como são conhecidos os parlamentares defensores de pautas de segurança pública, do agronegócio e de cunho religioso – emplacaram projetos que ganharam fôlego em 2017 e devem ser retomados, ainda no primeiro semestre deste ano, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
No retorno das suas atividades, previsto para o início de fevereiro, o Legislativo nacional deverá apreciar temas como a proibição do aborto em qualquer caso, a redução da maioridade penal e a revogação do Estatuto do Desarmamento. Outros projetos, como o Escola sem Partido, que busca alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e a revisão das medidas socioeducativas do Estatuto da Criança do Adolescente (ECA), também devem ser analisados pelo Congresso ainda em 2018.
A maioria das propostas data de legislaturas anteriores, mas ganhou força no último ano, com o crescimento da influência de alas conservadoras do chamado Centrão – bloco que agrega partidos menores no Congresso – junto ao governo de Michel Temer (PMDB). Siglas integrantes do grupo, como PP, PR e PSD, foram peças-chave para a rejeição na Câmara das duas denúncias enviadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer em 2017.
“O Congresso atual é majoritariamente conservador e, quando ele elege Eduardo Cunha [em 2015] como presidente da Câmara, essa agenda ganha impulso. Aí, você estabelece uma pauta para atender às bancadas ruralista, da Bíblia e da bala”, afirma o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz. Na época, Cunha, atualmente detido no Complexo Médico Penal em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba (PR), fez avançar pautas como o Estatuto da Família, aprovado em comissão especial, e a redução da maioridade penal, sancionada pelo Plenário da Casa.
Com a cassação do peemedebista, em setembro de 2016, as bancadas conservadoras da Câmara perderam sua principal liderança. “Com o Rodrigo Maia [DEM-RJ] na Presidência, ganha força uma agenda mais fiscal e liberal. Depois, vêm o impeachment da Dilma [Rousseff] e a posse do Michel Temer, que não dá muita importância a essa pauta [conservadora]”, lembra Queiroz.
Efeito J&F
O cenário muda, contudo, em 2017, com a divulgação da delação dos executivos do grupo J&F e o envio à Câmara de duas denúncias contra Temer. Sem margem fiscal para negociar o apoio de parlamentares nas duas acusações, afirma o diretor do Diap, o presidente passa a barganhar o suporte a temáticas que favorecem bancadas conservadoras, em troca de votos.
No último ano, o próprio governo federal emitiu medidas como um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que reformula a política de demarcação de terras indígenas, acirrando as disputas territoriais, e uma portaria a fim de alterar as normas para caracterização de atividade análoga à escravidão – modificada após forte resistência popular.
No Congresso, avançaram pautas como a proposta de emenda constitucional (PEC) capaz de proibir a realização de aborto nos casos já permitidos pela legislação brasileira. De autoria do deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), um relatório produzido na comissão especial criada para discutir a ampliação da licença-maternidade para mães de bebês prematuros incluiu, no parecer, que a vida deve ser preservada “desde a concepção”. Como o texto-base foi aprovado por 18 votos a 1, a votação dos destaques apresentados pela oposição deve ser retomada ainda no primeiro semestre de 2018.
Eleições 2018
Com o acirramento entre posições de direita e esquerda no debate presidencial, pautas consideradas polêmicas deverão servir de palanque para parlamentares de bancadas conservadoras que tentarão retornar ao Legislativo, segundo a previsão de especialistas ouvidos pelo Metrópoles. “Muitos vão aprofundar o discurso do medo como forma de aumentar seu capital eleitoral. Muitos eleitores serão objeto desta formulação: mais medo resolve-se com mais gritos, que se resolvem com mais propostas autoritárias”, aponta o cientista político do Instituto Lampião – Reflexões e Análises da Conjuntura, Melillo Dias.
No Congresso, afirmam analistas, o avanço de pautas polêmicas que favorecem a polarização de posições deverá ser garantido pelo esforço do governo federal em agradar a base parlamentar e dos próprios políticos, interessados na cobertura midiática sobre os temas. Além disso, o crescimento da visibilidade de operações anticorrupção da Polícia Federal e da atuação da Procuradoria-Geral da República, nos últimos anos, deverá acentuar a tendência conservadora entre eleitores.
Um candidato a deputado federal não precisa de todos os votos, ele precisa de um nicho. O que interessa, portanto, é atender à base que o elegeu. É mais fácil um deputado com um discurso radical construir um eleitorado e se eleger do que um deputado moderado, que disputa vários votos.
Hilton Fernandes, professor de ciência política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP)
Para o professor, contudo, é possível que os projetos e as emendas patrocinados pelas bancadas conservadoras não sejam, de fato, aprovados no Plenário da Câmara ou do Senado. “No geral, o eleitor tende a ser mais moderado. Um projeto só é aprovado com a maioria dos parlamentares, que são um reflexo da maioria da população”, explica.