A rotina de Saud, Pizzolato e Jacob, companheiros de cela na Papuda
Executivo da JBS foi acolhido na ala do semiaberto e hoje divide cubículo com o ex-diretor do BB e o deputado, que podem sair para trabalhar
atualizado
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A alvorada marca o início do movimento na ala do regime semiaberto, no Complexo Penitenciário da Papuda, distante 15,5km da Praça dos Três Poderes. De segunda a sexta-feira, os homens que conseguiram na Justiça o direito de deixar suas celas para passar o dia no trabalho ou estudando começam a se preparar por volta das 5h. Dali a 60 minutos, um primeiro grupo de detentos deixará o presídio. Às 7h, será a vez da segunda turma se encaminhar aos locais de emprego e de estudo fora do complexo. Os presos do semiaberto têm pressa para desfrutar as horas de liberdade longe do cárcere.
Na ala, há exceções: prisioneiros que, por motivos de segurança ou decisão do comando da Papuda, estão alojados naquele espaço, embora não enquadrados no semiaberto. É o caso do ex-executivo da JBS e delator do esquema de propina distribuída a políticos pela multinacional, Ricardo Saud.
O ex-diretor de Relações Institucionais da JBS – justamente a área responsável pelos contatos nada republicanos da empresa com o mundo político – acorda com a movimentação dos companheiros de cárcere autorizados a sair da cadeia durante a semana e tenta pegar novamente no sono. É difícil, visto que um dos parceiros de cela, o ex-diretor do Banco do Brasil condenado no escândalo do Mensalão, Henrique Pizzolato, parte no grupo das 6h. Às 7h, o terceiro ocupante do mesmo cubículo, o deputado federal Celso Jacob (PMDB-RJ), deixa a Papuda. Assim, Saud fica o dia sozinho.
Desde o revés da delação da J&F, holding controladora da JBS, Ricardo Saud passa os dias amuado. O humor melhora na sexta-feira, dia de visita na Papuda. Na ocasião, os presos recebem familiares, conversam sobre a rotina e, eventualmente, ganham livros dos parentes – uma das poucas distrações possíveis. Recentemente, no entanto, um filho de Saud foi impedido de vê-lo, pois não portava a carteira de identidade. Apesar de estar com o passaporte, o visitante acabou barrado pelos agentes. Teve que voltar para casa sem ver o pai.
Fora durante os encontros com parentes e advogados no parlatório, além das duas horas diárias de banho de sol no pátio da ala, Saud permanece na cela mobiliada com três beliches, uma televisão comprada por Celso Jacob, um rodo para limpeza, um lençol para separar o espaço entre o “quarto” e o banheiro sem porta, e alguns poucos objetos pessoais dos dois colegas do semiaberto.
Carona até o Setor de Rádio e TV Sul
Desde 30 de agosto, Henrique Pizzolato tem o direito de deixar a Papuda para trabalhar. Segue de carona até o Edifício Assis Chateaubriand, no Setor de Rádio e TV Sul, coração de Brasília, onde bate ponto de segunda a sexta-feira. A mulher ou um de seus advogados se revezam na tarefa de buscá-lo e deixá-lo no complexo penitenciário. Das 6h às 20h, quando deve se reapresentar no presídio, ele troca o uniforme branco dos detentos da Papuda pela calça jeans, camisa social e sandálias.
Atualmente, o ex-sindicalista, que chegou ao posto de diretor de Marketing do Banco do Brasil, trabalha com tarefas administrativas na rádio OK FM, de Brasília, pertencente ao ex-senador pelo DF Luiz Estevão, seu colega de cela no regime fechado até agosto deste ano. Pizzolato recebe salário de R$ 1,8 mil para atuar das 8h às 18h, com direito a duas horas de almoço. Uma das condições impostas no regime semiaberto é que o preso não se afaste mais de 100m do local de trabalho. Em decorrência da restrição, por vezes ele almoça em self-services próximos à emissora. É atencioso e cordial, segundo os colegas de trabalho.
Apesar de comunicativo, Pizzolato evita qualquer comentário que não seja afeto aos compromissos laborais e não concede entrevistas. A discrição é condição essencial para que ele mantenha o benefício do semiaberto. Os pensamentos mais íntimos ficam registrados em um caderno pessoal no qual o ex-diretor reflete sobre sua condição, o estado de direito e temas que orbitam a Lava Jato. De posse de um celular durante o dia, tem o costume de enviar links aos seus contatos com assuntos de seu interesse. Alguns deles, em italiano.
Destino: Congresso Nacional
Às 7h, já de terno e gravata, o deputado federal Celso Jacob embarca no Uber que o busca de segunda a sexta no Complexo da Papuda e o conduz ao prédio do Congresso Nacional, na Esplanada dos Ministérios. O motorista é pago pelo próprio Jacob, que continua a receber o salário integral de parlamentar, no valor de R$ 33,7 mil (fora os benefícios inerentes à função).
Essa é a rotina semanal do peemedebista desde 27 de junho último, quando o juiz Valter André Bueno Araújo, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, autorizou sua transição do regime fechado para o semiaberto, no qual poderia exercer a atividade parlamentar durante o dia na Câmara dos Deputados e regressar para a Papuda à noite.
A progressão no sistema prisional foi rápida. Saiu exatos 21 dias depois de o parlamentar ser preso, em 6 de junho, quando retornava para Brasília de uma viagem a Três Rios (RJ), sua terra natal e da qual foi prefeito, para visitar a mãe. O encontro entre os dois se deu em tom de despedida: o Supremo Tribunal Federal (STF) havia expedido, 10 dias antes, um mandado de prisão contra Jacob. O político, que tratava com os advogados sua apresentação à Polícia Federal, foi algemado por dois agentes ao sair do avião, no Aeroporto Internacional de Brasília Juscelino Kubitscheck.
Os fatos que levaram à condenação datam de 2003. O então prefeito de Três Rios (RJ) teria contratado uma empresa com problemas de habilitação para concluir a construção de uma creche iniciada em 2002. Segundo a acusação, para dispensar nova licitação, o político decretou estado de emergência no município. Jacob também teria autorizado crédito adicional, que não constava no projeto original, em uma lei aprovada na Câmara dos Vereadores.
Resultado: Celso Jacob acabou condenado pelo STF a sete anos e dois meses de reclusão pelos crimes de falsificação de documento público e dispensa de licitação. O deputado perdeu o caso na primeira instância, em 2006, e teve, por duas vezes, recurso negado no Supremo, até o juiz de Execuções Penais do DF permitir seu retorno à rotina da Câmara. Desde então, o peemedebista é conhecido como o “deputado presidiário”. É o único parlamentar na Papuda e o único prisioneiro com mandato no Congresso Nacional.
Solidariedade dos colegas
A pedido do advogado, Celso Jacob não concede entrevistas sobre o assunto e se ressente com a cobertura midiática de sua condenação. “(Os jornalistas) Não estão interessados em contar minha versão ou em examinar os fatos”, acusa. O tom contrariado com que faz a declaração, no entanto, contradiz o comportamento usual do parlamentar, descrito por colegas e funcionários da Câmara como alguém simpático e afeito a uma boa conversa.
O parlamentar bate ponto no Congresso de segunda a sexta, das 9h às 18h30. Contudo, ele chega à sede do Legislativo um pouco mais cedo, por volta das 8h. De posse do celular, que mantém guardado no gabinete quando está na Papuda (no trabalho, ele circula o tempo inteiro com o aparelho), o político divide o dia entre as 15 comissões das quais é titular, as votações em plenário e a liderança do PMDB.
Na hora do almoço, Jacob frequenta o restaurante-escola no Senado Federal, que serve um menu-executivo com entrada, prato principal e sobremesa por R$ 44. Se passasse o dia na Papuda, sua opção seria a marmita fornecida pelo Estado, com arroz, feijão, guarnição e uma proteína animal (carne, frango ou peixe). Embora o governo do DF pague por variedade e qualidade nas refeições, os presos denunciam que faltam carne e legumes, sobra arroz e o feijão às vezes vem com caruncho, mal cozido ou até azedo.
Geralmente, o político come o bem preparado almoço do Senado sozinho, e complementa a refeição com um suco natural ou café expresso. Impossibilitado pela Justiça de sair do perímetro do Congresso, realiza audiências e encontros sempre no prédio da Câmara.
O “deputado presidiário” tem a solidariedade dos colegas. “Pelo tamanho do problema, ele estar na prisão não é razoável. Até a forma como foi preso foi forte demais”, avalia o deputado Celso Pansera (PMDB-RJ), companheiro de partido e também carioca. Pansera, que conhece Jacob há mais de 10 anos, advoga que o parlamentar é “homem sério” e que não agiu de má-fé. “Mas sou suspeito para falar”, admite.
A prisão de Celso Jacob foi vista, por seus pares, como um acirramento entre os poderes Legislativo e Judiciário. À época, o atual relator da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer (PMDB) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), foi um dos parlamentares que questionou a decisão do STF, classificada por ele de inconstitucional. “Hoje, é o deputado Celso Jacob. Amanhã, poderá ser qualquer outro dos nossos colegas que, no momento, esteja na mesma situação”, afirmou, em discurso.
Na Papuda, Jacob conviveu com presos ilustres, como o ex-deputado Natan Donadon (primeiro parlamentar no exercício do mandato a ter a prisão decretada pelo STF desde 1988). A visibilidade da Lava Jato no meio político é, inclusive, motivo de irritação para o parlamentar: não raro, confundem sua prisão com uma ação da operação da Polícia Federal.
Hoje em dia, o que pesa é o denuncismo. Existe o ‘homem da mala’ (em referência ao ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures, do PMDB), aí tem gente que diz que sou o ‘homem da creche.
Celso Jacob, em comentário à reportagem
Pessoas próximas ao deputado garantem que, ao contrário dos colegas, Jacob não pensa hoje em uma possível campanha eleitoral para 2018. O parlamentar trabalha para entrar em breve com um pedido de revisão de caso no STF, baseado em novos laudos técnicos e testemunhos. O objetivo é deixar o semiaberto para visitar a mãe, que, idosa, já não pode viajar a Brasília para ver o filho.
O crepúsculo
Por decisão judicial, o deputado tem de retornar à Papuda às 18h30. A atividade parlamentar, porém, faz com que o horário nem sempre seja cumprido. Na quarta-feira 4/10, por exemplo, deixou o plenário apenas após a votação do fundo eleitoral, finalizada às 3h.
Nessas ocasiões, Jacob deve apresentar no presídio uma certidão emitida pela Câmara, na qual são descritas as atividades do dia. É a prova de que estava trabalhando. Assim, Celso Jacob é um dos últimos presos do semiaberto da Papuda a voltar para atrás das grades.
Uma vez reunidos, os companheiros de infortúnios no sistema prisional brasiliense trocam breves palavras: amenidades que, para o ex-gestor da JSB Ricardo Saud, significam importantes atualizações do mundo exterior. Tomam banho, trocam as roupas do dia a dia – no caso de Saud, as habituais roupas brancas dos presos – por pijamas e se acomodam em seus respectivos beliches.
Antes de os agentes prisionais darem a ordem para os detentos fazerem silêncio, por volta das 22h, Jacob, por vezes, se entretém com os papéis do Congresso. Pizzolato foca em uma apostila que tem estudado – os presos conseguem remir parte de suas penas pela participação em cursos. Saud, eventualmente, lê algum livro. É hora de dormir e se preparar para mais um alvorecer na Papuda.