“A esquerda tem de buscar um alinhamento”, diz ex-ministro Cardozo
Na entrevista, o político considerou que o PT faça alianças com candidatos de partidos que votaram a favor do impeachment de Dilma
atualizado
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O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo avalia que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem chances de obter vitórias nas cortes superiores após a condenação em segunda instância.
“Agora, nesse processo, sinceramente, tudo vira uma incógnita. Espero que os tribunais superiores apliquem o bom direito”, disse em entrevista ao jornal Estado. Cardozo quase sempre esteve do lado oposto ao de Lula na disputa interna do PT. Ironicamente, ele afirma que um dispositivo criado quando era relator da Lei da Ficha Limpa pode garantir ao ex-presidente o direito de disputar a eleição mesmo tendo sido condenado por órgão colegiado.Na entrevista, o ex-ministro considerou que o PT faça alianças pontuais com candidatos de partidos que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff, elogiou a postura do senador Renan Calheiros (MDB-AL) durante o processo e disse que com ou sem Lula, a esquerda e os setores democráticos devem passar por um processo de reconstrução e reaproximação para barrar o que considera o avanço da extrema direita.
Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democráticos – têm que repensar o que está acontecendo no Brasil e buscar um alinhamento.
José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça
O PT deve fazer alianças com partidos que defenderam o impeachment de Dilma?
O impeachment tem características que devem ser medidas com cuidado. Vi nuances diferentes dentro do próprio PMDB durante o processo, entre os articuladores do golpe e outras pessoas que resistiram a isso no limite das suas possibilidades. Uma pessoa que teve um papel diferenciado foi o Renan (Calheiros). Ele se comportou com muita lisura. Depois ele votou no impeachment, mas se comportou com um papel de Estado. O PT tem que analisar caso a caso.
Com a decisão do TRF-4, Lula está inelegível?
Tive oportunidade de ser relator da Lei da Ficha Limpa que tem uma característica muito especial. No momento em que se discutia a lei no Congresso eu e o então deputado Flávio Dino (PCdoB, atual governador do Maranhão) percebemos que havia uma possibilidade muito ruim de que decisões tomadas por órgãos colegiados regionais pudessem afastar pessoas indevidamente. Seria uma situação muito injusta ter uma decisão equivocada, todos perceberem isso, subitamente a pessoa ser afastada da eleição e depois o recurso ser admitido por outros tribunais. Então elaboramos uma ideia que foi incorporada à lei segundo à qual havendo plausibilidade do recurso pode haver efeito suspensivo para que a pessoa possa disputar a eleição.
É o caso de Lula?
Naquele momento já antevíamos a possibilidade de decisões arbitrárias por parte do Judiciário. Fizemos essa colocação e incluí no relatório em um momento em que havia muita dificuldade de fazer alterações na Lei da Ficha Limpa. No momento em que estamos hoje, o ex-presidente Lula ainda tem um recurso no TRF-4 que são os embargos de declaração. Uma vez consumado isso ele pode recorrer às instâncias superiores pedindo a revisão ou anulação da decisão e não tenho a menor dúvida de que esse recurso tem plausibilidade e deve levar à concessão de um efeito suspensivo.
Qual o futuro da esquerda e do PT com ou sem Lula?
Todo esse processo que vivemos ao longo destes últimos anos mostra que precisamos repensar o que fizemos ao longo da nossa trajetória. Os setores de esquerda – e ousaria dizer que os setores democráticos – têm que repensar o que está acontecendo no Brasil e buscar um alinhamento. Só um segmento ganha com essa barbárie política que vivemos. É a extrema direita. A dimensão utilitária da vida política só leva a um ganhador, o fascismo.
O PT deve ter um plano B?
Não. A candidatura do ex-presidente Lula não é só dele. Ela tem uma dimensão democrática. Não permitir que Lula esteja em uma eleição significa ofender a democracia e, mais ainda, trazer a ilegitimidade ao processo eleitoral. O que o Brasil precisa para sair da crise é um processo eleitoral legítimo no qual aquele que sair das urnas, seja Lula ou não, seja reconhecido pela população. Por isso a candidatura dele é vital, necessária não só para as forças políticas que o apoiam mas para a democracia do Brasil. Até para os adversários que querem uma disputa eleitoral legítima. A democracia exige que Lula esteja nestas eleições. Para vencer ou para não vencer.
Qual a chance de Lula reverter a situação nos tribunais superiores?
Se for um julgamento equilibrado, justo, que considere exclusivamente o direito, a chance é total. Em condições normais de temperatura e ambiência não há como condenar ninguém com aquele conjunto probatório. Além disso ficou evidenciado que o juiz (Sérgio) Moro não poderia ter julgado este processo uma vez que sua competência se restringia aos casos de desvios de recursos da Petrobrás que, ele próprio reconhece, não alimentaram essa “pseudocompra” do apartamento. Tudo isso caracteriza um conjunto de vícios e nulidades. Agora, nesse processo, sinceramente, tudo vira uma incógnita. Espero que os tribunais superiores apliquem o bom direito.
A defesa de Lula deve manter a estratégia de enfrentamento?
Vi um trabalho da defesa do ex-presidente Lula tecnicamente bom e dentro da linha que este processo efetivamente exigia. Mas é claro que o processo chega hoje a uma nova fase e seguramente eles conduzirão dentro das necessidades do que se espera ser uma boa defesa.