Yeda Crusius: “Mulheres estão rompendo com a polarização”
Presidente do PSDB Mulher, ex-governadora diz que tucanas querem adoção de parlamentarismo e cota de 50% para candidatas mulheres
atualizado
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Na contramão do pior desempenho em 30 anos do seu partido, o PSDB, nas últimas eleições, quando Geraldo Alckmin (PSDB-SP) amealhou apenas 4,76% dos votos válidos para presidente, e reduziu quase pela metade o número de deputados, a trajetória das mulheres dentro do partido tem crescido. O legenda formou a maior bancada feminina na Câmara de sus história, com 9 deputadas e chega para as eleições do próximo ano com 625 mil filiadas.
A ex-governadora do Rio Grande do Sul, ex-deputada federal e ex-ministra do Planejamento do governo de Itamar Franco, Yeda Crusius (PSDB-RS), tem se dedicado a tentar fazer crescer ainda mais essa participação, a despeito do machismo que impera na política. Atualmente, há apenas 77 mulheres entre os 513 deputados.
“Tudo isso que agora eu estou fazendo é para eleger o maior número de vereadoras, prefeitas e vice-prefeitas no ano que vem. Muitas mulheres estão carregando o partido, porque o partido ficou muito desanimado, perdeu muitos governadores, muitos senadores, muitos deputados. E nós, mulheres, crescemos muito”, disse, em entrevista ao Metrópoles, a economista que preside o PSDB Mulher. Ela contou que tem viajado o país promovendo encontros para formação política das mulheres e encorajado candidaturas.
“50-50”
O sucesso no crescimento feminino do partido, ao qual ela se refere, ainda está muito longe do que seria o ideal: a paridade de gênero. E a política reconhece isso. “Quando eu digo sucesso, estou me referindo ao quanto era ridículo as mulheres serem menos de 10% da Câmara e do Senado. Os outros países da América Latina estão na nossa frente há muito tempo. Temos um longo caminho a percorrer e esse caminho exige que a gente tenha o apoio de novas regras, novas leis. Se for só pela cota de 30% (exigência da Justiça Eleitoral para candidaturas femininas) a gente não chega a 30% nunca”, ponderou.
A ala feminina tucana prepara uma carta programática a ser entregue ao partido no próximo dia 12 de novembro com 17 tópicos que elas querem ver tratados no congresso da legenda, marcado para o dia 7 de dezembro. Entre os temas está a adoção da paridade de gêneros (50/50) nas instâncias partidárias e na definição de candidaturas, a mudança de regime de governo – do Presidencialismo para o Parlamentarismo -, além de uma revisão constitucional. “Resolvemos escrever por mãos de mulheres um programa partidário”, disse a tucana.
Revisão constitucional
Um dos principais pontos defendidos pelas mulheres tucanas no documento que será lançado no início do próximo mês será a defesa de uma comissão na Câmara e no Senado com o objetivo de revisar todo texto constitucional. Para elas, falta à Carta Magna pontos que sirvam de apoio para a responsabilidade com o trato do dinheiro público, além de outras atualizações.
“A cada mudança na Constituição, o país para. Eu não chamaria de uma nova constituinte já que, para uma comissão constituinte, o parlamento para. Pode-se ter uma comissão mista, Câmara e Senado, preparando a revisão constitucional. Fazer nascer uma nova comissão, que dentro de um determinado prazo, se faça uma revisão constitucional”, explicou.
“A Constituição de 1988, mesmo com todas as suas modificações, guarda conceitos de quando vivíamos uma hiperinflação. O mundo via países quebrando frequentemente. Então, a Constituição foi feita em uma época na qual a questão fiscal não tinha a importância que tem hoje”, disse. “Tanto é que nós [PSDB] fizemos a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano de 2000 [governo de Fernando Henrique Cardoso]. Mas ela é uma lei. A Constituição deve ter dentro dela toda uma consistência para dizer que dinheiro público, que a questão fiscal, que o federalismo têm que gerar uma trajetória sustentável de financiamento dos direitos do crescimento e desenvolvimento econômico”, argumentou.
“Toda parte de códigos, ela tem que uma sustentação, inclusive o código tributário. A reforma tributária é imperiosa. A reforma da relação entre os entes federativos, que implica em uma reforma política, é imperiosa. Isso não se faz um ponto aqui ou outros ali na legislação. A defesa que eu fazer, pelo PSDB mulher, é de que o partido aceitou a necessidade de uma revisão constitucional”, enfatizou.
“Machismo”
Yeda Crusius comentou os recentes ataques machistas sofridos pela deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) por membros de seu próprio partido, entre eles, o filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Ambos estão em rota de colisão. Nas redes socais, ele se referiu à colega de partido como “Peppa Pig”, em referência ao personagem de desenho animado que é uma porca com feições humanas. Joice, após os ataques, disse ter se surpreendido com a solidariedade que recebeu por parte das demais deputadas, inclusive as de partidos de esquerda, de ideologia oposta à sua.
“A surpresa dela merece uma análise”, pondera Yeda. “Porque ela se surpreendeu? Ela não conhecia? Nem a existência da bancada feminina nem a solidariedade feminina?”, questionou. “O fato de ela ter se surpreendido demonstra que o preconceito da mulher contra a mulher é muito grande. Não é só do homem contra mulher. É da mulher contra a mulher”, enfatizou.
“A mim não causou surpresa nenhuma porque nós avançamos quando a bancada feminina era mínima. Pegamos uma pauta que interessava à sociedade que era a pauta de direitos e de combate à violência. Quem fazia isso era a mulher, um pingo de mulher”, disse a ex-deputada, fazendo referência ao pequeno número de parlamentares do gênero feminino.
“Muitas mulheres se elegeram pelo PSL, partido que tem a marca policial, militar, a marca que a população queria, de caça aos bandidos, aquela coisa toda. Elas foram e se elegeram. Uma delas foi a Joice Hasselmann. Ela é caliente mesmo. Ela vai. Ela não espera. Mesmo essa crise não sendo só com a Joice, por ser mulher, ela aparece mais. Ela, como líder do governo que foi, acabou defenestrada”.
Para ela a bancada feminina tem dado provas de civilidade na Câmara, fugindo da polarização presente na maior parte dos discursos. “A bancada feminina tem sustentado uma ambiente civilizatório completamente diferente do resto da Câmara”, destacou.
“Laranjal”
Yeda Crusius ainda criticou o uso dos recursos destinados para candidaturas de mulheres terem sido desviados por meio de candidaturas laranja. Esse esquema está sendo investigado em relação ao partido do presidente da República, Jair Bolsonaro, e está na raiz da crise envolvendo a legenda. Ela apontou os desvios de recursos do fundo eleitoral como fator de impedimento para uma participação maior.
“A principal coisa que aconteceu foi no ano passado, em que as mulheres foram 30% e tiveram 30% dos recursos. Isso fez uma diferença. Mas foi uma eleição atípica. Quem se elegeu foi o PSL, que não usou o dinheiro para esse fim. Mas, para os outros partidos, o dinheiro ajudou a eleger mais mulheres”, observou.
“Há um número enorme de laranjas e os partidos estão perdendo eleitos por causa disso. Acho que no ano que vem, teremos um salto de eleições de mulheres, mas não espere 30%, quanto mais 50% [do total]. Para isso acontecer precisa-se de modificações em legislação continuadas. É aos poucos”, destacou.
“Trata-se de um partido que não existia. Cresceu demais, ficou rico, poderoso e com holofotes. Estão aí se carcomendo. Então eles vão ter que aprender a fazer a coisa”, ponderou ela.
Crusius não poupou críticas ao que chamou de “baixo nível na política”. “O tipo de linguagem usado. É um barraco constante. Uma baixaria, um baixo nível. Então, se é baixo nível, reproduz um modo de tratar as mulheres que é do baixo nível da sociedade também.
“Outsiders”
Ao falar sobre as apostas para 2022, inclusive sobre a possiblidade de candidatura do apresentador Luciano Huck, outsider que poderia representar o grupo que clama por renovações, Crusius foi enfática ao dizer que qualquer solução não será possível sem a política.
“Quando os governos ou o Estado não cumprem suas funções, alguém tem que tentar cumprir. Aí vêm os outsiders. Muitos deles não sabem o que é política, então acham que a política pode ser substituída pela lógica do setor privado. Já que o Estado não faz, o setor privado vai fazer. Isso é não entender nada da história do mundo”, criticou.
“Se não passaram pelo exercício político, partidário, eles tendem a achar que podem chegar resolvendo problemas. Ora, quem resolve problema é a política”, afirmou.
Ela exemplificou os entraves pelos quais o país passa na atualidade devido à inabilidade política do atual governo. “Veja o que temos hoje. O populismo do PSL. O Bolsonaro foi eleito, inclusive por causa disso, e disse que a economia tem que ter a sua independência e a sua racionalidade e que ia ser tudo com o Paulo Guedes. Só que tudo que o Paulo Guedes quer tem que passar pela política. Aí fica tudo parado”, destacou.
Ela antecipou, inclusive, que o partido já pensa no seu próximo candidato à Presidência. “Em 2022, o PSDB defenderá a candidatura do atual governador de São Paulo, João Doria. Ele é nosso pré-candidato. Tanto [ele] quer, quanto pode. Ele tem todas as condições para ser [presidente]. Em fevereiro fiz uma visita a ele com a pauta feminina”, contou. “Ele tem tratado com ênfase a questão da mulher e dos jovens. Ele sabe que a maior transformação virá pela participação da mulher e do jovem”, elogiou.