Proposta de indulto “ignora” Bolsonaro e exclui policiais presos
Conselho do Ministério da Justiça contraria promessa e não inclui perdão de pena para categoria; presidente vai analisar texto
atualizado
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O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado ao Ministério da Justiça, contrariou uma promessa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e elaborou proposta para o indulto natalino deste ano sem incluir o perdão da pena a policiais presos.
O texto que prevê os critérios para condenados deixarem a cadeia deverá ser enviado na semana que vem ao Palácio do Planalto, que poderá alterá-lo.
Em agosto, Bolsonaro afirmou que o próximo indulto de Natal teria “nomes surpreendentes” e que pretendia beneficiar policiais condenados por “pressão da mídia”. Citou como exemplo agentes envolvidos no sequestro do ônibus 174, no Rio, e nos massacres do Carandiru, em São Paulo, e de Eldorado do Carajás, no Pará. Apenas neste último houve condenação definitiva.
“Tem muito policial no Brasil que foi condenado por pressão da mídia. E esse pessoal no final do ano, se Deus me permitir e eu estando vivo, vai ser indultado”, disse.
A Constituição concede ao presidente da República a prerrogativa de conceder o perdão em favor de pessoas condenadas, desde que preenchidas determinadas condições previamente estabelecidas.
Esses critérios são definidos anualmente e publicados em decreto, geralmente no dia 25 de dezembro — daí o motivo de ser chamado de “natalino”. O indulto não pode ser dirigido a pessoas específicas, mas, sim, a todos os condenados que, na data da publicação, atendam aos requisitos.
O conselho responsável por elaborar a proposta é formado por especialistas na área criminal e tem a incumbência de dar o ponto de partida na discussão. A palavra final é sempre do presidente da República.
A proposta do conselho abrange apenas presos em condições graves de saúde, a exemplo do indulto concedido por Bolsonaro em fevereiro deste ano. Na ocasião, foram beneficiados detentos com doenças como câncer, aids e que adquiriram deficiências físicas após terem cometido o crime.
O texto aprovado pelo colegiado será analisado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, antes de ser encaminhado a Bolsonaro. “O conselho aprovou, por maioria, proposta de indulto basicamente de natureza humanitária”, afirmou ao Estado o desembargador Cesar Mecchi Morales, presidente do CNPCP.
Ministros palacianos consultados pela reportagem afirmaram que os termos do indulto deste ano ainda não foram discutidos com Bolsonaro. Especialistas, porém, disseram que o presidente terá entraves legais caso queira beneficiar policiais condenados nas regras do decreto. De acordo com eles, uma alternativa seria a chamada graça, instrumento legal semelhante ao indulto, mas aplicado caso a caso.
“Ele [Bolsonaro] não tem como decretar o indulto para um número restrito de pessoas que queira beneficiar, por exemplo, policiais. Tem que ter requisitos objetivos. Se a pessoa se enquadrar, vai ser beneficiada”, afirmou Diogo Mentor, coordenador de Direito Penal da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ.
Tanto a graça quanto o indulto, porém, são vedados a condenados por crimes hediondos, como tortura e homicídios cometidos por grupos de extermínio.
“O problema [para beneficiar policiais] vai ser muito mais o tipo de crime que cometeram, porque, se for um que está na lei de crimes hediondos, é vedada a concessão do perdão”, disse Raquel Scalcon, professora de Direito Penal da FGV de São Paulo. “Talvez ele não tenha a liberdade que imagine.”
Excludente
Além de prometer o perdão aos policiais condenados, Bolsonaro tenta levar adiante outra medida para favorecer os integrantes da categoria envolvidos em crimes. O presidente enviou ao Congresso no mês passado uma proposta que isenta de punição o agente de segurança que matar durante o serviço, a chamada excludente de ilicitude.
O projeto, porém, enfrenta resistência de parlamentares, que consideram a excludente de ilicitude a policiais uma “licença para matar”.
Corruptos
O indulto virou tema de polêmica em 2017, quando o então presidente Michel Temer incluiu corrupção na lista de crimes que poderiam ser perdoados. O decreto foi visto na época como uma tentativa de beneficiar alvos da Lava Jato. Diante da reação contrária à medida, a ministra Cármen Lúcia, que presidia o Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a validade.
No ano seguinte, Temer decidiu não conceder o benefício a ninguém, o que também foi criticado por entidades de direitos humanos e órgãos do sistema penitenciário. O perdão a condenados que não representem risco à sociedade é uma forma de reduzir a superlotação nos presídios.
Posteriormente, em maio deste ano, a medida foi considerada legal pela maioria da Corte. O entendimento foi de que a medida, por ser um ato privativo do presidente, não poderia ser barrada pela Justiça.
Liberado pelo Supremo, o decreto de Temer resultou no fim da pena a condenados na Lava Jato, como o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada, o ex-senador do Distrito Federal Gim Argello e o ex-deputado baiano Luiz Argôlo.