Pacote anticrime: afinal, quem será o polêmico juiz de garantias?
Na prática, é um magistrado que supervisionará a investigação, não se envolvendo no julgamento do caso
atualizado
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O pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nessa terça-feira (24/12/2019) provocou bastante polêmica. Mais do que propriamente pelos 25 vetos apresentados pelo mandatário da República ao projeto que se tornou a Lei nº 13.964/2019, é a figura do “juiz de garantias” que causa os debates mais acalorados. O próprio ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, externou seu descontentamento com a manutenção desse ponto no pacote. Mas, afinal, o que faz um juiz de garantias?
Incluído pelos parlamentares no texto original do pacote anticrime (enviado ao Congresso por Moro) – a partir de uma emenda do deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ) –, o juiz de garantias é descrito pelo texto da lei como aquele que será “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”.
Na prática, é o elemento que supervisionará uma investigação, não se envolvendo no julgamento do caso. Algo bem diferente do que o então juiz Sergio Moro fazia, por exemplo, nos processos da Lava Jato, quando estava à frente de todas as fases da operação. Inclusive, orientando os procuradores da força-tarefa, como revelaram os diálogos telefônicos entre o ex-magistrado e Deltan Dallagnol publicados pelo The Intercept.
O juiz de garantias foi adotado há décadas em vários países europeus. É usado, na instrução, para garantir o distanciamento na hora de julgar. A iniciativa é separar o magistrado que se envolve na investigação do que vai, efetivamente, aferir a existência ou qualidade da prova e da acusação.
Divisão de trabalhos
Trata-se de uma nova divisão de trabalhos em um processo. Um juiz toma as medidas necessárias para a investigação criminal. Depois, outro magistrado recebe a denúncia e, se for o caso, dá sentença.
O juiz de garantias será o responsável pela condução das diligências. Pelo projeto, ele terá a incumbência de determinar o trancamento ou a prorrogação do inquérito criminal e de decidir sobre os pedidos de interceptação telefônica, quebra de sigilo e arquivamento. Também terá a prerrogativa de autorizar buscas e apreensões e de estabelecer medidas cautelares restritivas ao ir e vir do acusado.
Já o segundo juiz entrará em cena somente após a conclusão dos trabalhos do juiz de garantias e da aceitação da denúncia criminal do Ministério Público. Responsável pelo julgamento de mérito, o juiz terá ampla liberdade em relação ao material colhido na fase de investigação.
Mais um juiz
Se a ideia agrada a alguns, melindra outros. Moro alega que a Justiça não tem como bancar mais um magistrado na comarca para tratar de uma mesma investigação. Foi um dos argumentos que ele levou a Bolsonaro ao solicitar o veto do trecho. O chefe do Executivo nacional ignorou o pedido do ministro.
Moro também disse que se posicionou pelo veto ao juiz de garantias “porque não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40% do total) e também se valeria para processos pendentes e para os tribunais superiores, além de outros problemas”.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) vai além: a instituição tentará derrubar o juiz de garantias no Supremo Tribunal Federal (STF).
“As inconstitucionalidades existentes na Lei nº 13.964, quanto ao juiz de garantias, serão extirpadas por violar o pacto federativo e a autonomia dos tribunais”, observou a dirigente da AMB, Renata Gil, em nota divulgada nessa quarta-feira (25/12/2019).
A AMB também coloca como ponto negativo os custos relacionados à implementação e operacionalização do juiz de garantias. “A implementação desse instituto depende da criação e do provimento de mais cargos na magistratura, o que não pode ser feito em exíguos 30 dias, prazo da entrada em vigor da lei”, ressaltou Renata.
Regulamentação
Já a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também critica a figura do juiz de garantias, mas, já que foi criada, defende sua “regulamentação uniforme”. “A Ajufe, desde a discussão do pacote anticrime no Congresso, se posicionou contrária à criação da figura do juiz de garantias. Uma vez incorporado ao Processo Penal, pela Lei nº 13.964/19, o importante agora é a sua regulamentação”, frisou o presidente da associação, Fernando Mendes.