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Os erros de Bolsonaro ao falar sobre UPP, desarmamento e violência

Lupa selecionou frases ditas pelo presidente eleito ao comentar assuntos da área de segurança pública e analisou o grau de veracidade delas

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Raphael Alves/TJAM
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1 de 1 RA_Armas_emtregues_Foto_Rapahel_Alves_16092015_005 - Foto: Raphael Alves/TJAM

Segurança pública é um dos principais temas do discurso do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Durante a campanha, ele prometeu investir na área e pregou, entre outros pontos, a liberação da posse de armas e o fim das audiências de custódia. Além disso, também defendeu que os policiais tenham uma espécie de “retaguarda jurídica” para suas ações.

Isso seria garantido pelo excludente de ilicitude, dispositivo já presente no Código Penal que estabelece situações excepcionais nas quais um cidadão pode cometer um crime. A legítima defesa, por exemplo, entra nesse campo. Na proposta de Bolsonaro, um policial que comete um homicídio durante uma operação de trabalho seria protegido pelo excludente de ilicitude e não sofreria punição. O assunto é polêmico.

Nas últimas semanas, a Lupa selecionou frases ditas pelo presidente eleito sobre segurança e analisou o grau de veracidade delas. Confira o resultado a seguir:

 

“O cidadão de bem, esse foi desarmado, por ocasião do referendo de 2005.”
Jair Bolsonaro, presidente eleito, em entrevista à TV Record, no dia 29 de outubro de 2018

O referendo de 2005 não “desarmou” o Brasil. A discussão daquele ano, feita por plebiscito, foi sobre a venda de armas e munições, sob os critérios estabelecidos no próprio Estatuto do Desarmamento. Não debateu, portanto, o porte ou a posse de armas. Os eleitores foram questionados da seguinte forma: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. A maioria da população respondeu “não”.  Assim, a manifestação da população foi favorável à manutenção da comercialização desses produtos.

De acordo com o estatuto, em vigor desde 2003, só profissionais que trabalham com segurança pública têm autorização para portar armas. Aos cidadãos comuns, é permitida a posse, mas as armas só podem ser utilizadas em casa ou no local de trabalho. O estatuto também tornou mais rígidas as regras para a compra de armas e garantiu uma recompensa em dinheiro aos que entregassem suas armas à Polícia Federal.

Tanto o Brasil não foi desarmado após o referendo citado por Bolsonaro que, desde 2004, mais de 800 mil armas foram vendidas legalmente no país, segundo dados do Exército obtidos via Lei de Acesso à Informação pelo Instituto Sou da Paz. Também, desde 2004, mais de 220 mil novos registros de arma foram concedidos a cidadãos comuns para defesa pessoal.

Atualmente, já é possível comprar até seis armas, desde que dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação. Segundo o último levantamento feito pelo Datafolha sobre o tema, publicado em janeiro deste ano, 56% dos brasileiros são contrários à extensão do porte legal de armas a todos os cidadãos.

Procurado, Bolsonaro não respondeu.

 

“Você quer coisa mais vexatória do que aqui, na primeira UPP do Rio de Janeiro, ali no Morro do Alemão, centenas de pessoas fugindo com fuzil nas costas?.”
Jair Bolsonaro, presidente eleito, em entrevista a José Luiz Datena, na Band, no dia 5 de novembro de 2018

A primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instalada no Rio de Janeiro não fica no Complexo do Alemão, e o episódio ao qual Bolsonaro se referiu aconteceu antes da instalação de UPPs na região citada. O presidente eleito falava do chamado “Cerco do Alemão”, ocorrido em 2010, no Rio de Janeiro. Naquele dia, as forças de segurança cercaram os complexos de favelas do Alemão e da Penha, na zona norte da cidade, em uma operação que durou oito dias e culminou com a ocupação da área.

As imagens mais marcantes daquele episódio mostram criminosos armados fugindo da Vila Cruzeiro para o Morro do Alemão por uma trilha e pelo meio da mata que liga as duas favelas. À época, não havia UPP na região. As primeiras unidades da área só foram instaladas em 2012. A comunidade Santa Marta, no bairro de Botafogo, na zona sul do Rio, foi a primeira a ter uma UPP na capital fluminense. Isso ocorreu em 2008.

Procurado, Bolsonaro não respondeu.

 

“Quando aumenta o número de autos de resistência por parte da Polícia Militar, a violência diminui naquela região.”
Jair Bolsonaro, presidente eleito, em entrevista à TV Record no dia 29 de outubro de 2018

A expressão “auto de resistência” não existe no Código Penal, mas ainda é usada para se referir a casos de homicídios cometidos por policiais sob alegação de resistência à prisão. Desde 2015, esses casos são classificados como “homicídio decorrente de oposição à intervenção policial” e não há levantamentos que relacionem o aumento no número dessas ocorrências com a diminuição da violência em um determinado local.

“Não existe nenhuma avaliação que comprove a frase dita pelo presidente eleito”, afirmou à Lupa a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. “Do ponto de vista empírico, o que ocorre é exatamente o contrário do que ele está dizendo”.

Em 2017, os homicídios cometidos por policiais cresceram 20,5% no país, o que não impediu que o total de mortes violentas intencionais também aumentasse. Foram 63.880 casos, 2,9% a mais do que o total registrado em 2016. Além disso, dos 12 estados onde houve crescimento no total de mortes violentas, 10 também tiveram aumento nas mortes cometidas por policiais. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum.

Alguns estudiosos do tema têm mostrado, através de avaliações estatísticas, conclusões diferentes da enunciada por Bolsonaro.

Levantamento elaborado pela pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Terine Husek mostrou, por exemplo, que existe uma correlação entre casos de policiais mortos e pessoas posteriormente assassinadas em ações da polícia. Usando um modelo estatístico para analisar o caso do Rio de Janeiro entre 2010 e 2015, Husek concluiu que, quando um policial morre em serviço, a probabilidade de um civil perder a vida em meio a uma ação policial no mesmo local aumenta em 1.150% no mesmo dia; em 350% no dia seguinte; e em 125% entre cinco e sete dias mais tarde.

*Esta checagem foi produzida em parceria com o Instituto Sou da Paz.

Procurado, Bolsonaro não respondeu.

 

 

“A nossa taxa de mortes está em 27 por 100 mil habitantes. Altíssima.”
Jair Bolsonaro, em entrevista ao canal Alberto Santos, no YouTube, publicada no dia 18 de setembro de 2018

A taxa de mortes violentas intencionais no Brasil em 2017 foi de 30,8 a cada 100 mil habitantes – maior do que o citado pelo presidente eleito quando ainda era candidato. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, editado e publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O índice cresceu 2,9% com relação a 2016, quando a taxa havia sido de 29,9 a cada 100 mil habitantes.

Os dados mais recentes do Atlas da Violência, elaborado e publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo FBSP, indicam que, em 2016, a taxa era de 30,3 por 100 mil habitantes. Esse dado também é maior do que a de 2015, que havia ficado em 28,9 a cada 100 mil habitantes.

 

“O Ceará, levando-se em conta as mortes por 100 mil habitantes, é um estado muito mais violento do que o Rio de Janeiro.”
Jair Bolsonaro, presidente eleito, em entrevista a Milton Neves, na Band, no dia 2 de dezembro de 2018

De acordo com os dados do Atlas da Violência 2018, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FSBP), em 2016, o Ceará registrou uma taxa de 40,6 homicídios a cada 100 mil habitantes. No mesmo ano, a taxa do Rio de Janeiro foi de 36,4 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Informações de 2017, compiladas no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo FBSP em junho de 2018, mostram um crescimento de 48,6% da taxa cearense com relação a 2016. No ano passado, o índice no estado do Nordeste chegou a 59,1 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes – em 2016, era de 39,8. No mesmo período, a taxa do RJ cresceu 7,2%, de 37,6 em 2016 para 40,4 em 2017.

Com reportagem de Leandro Resende e Natália Leal

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