Na Câmara, oposição se articula contra reforma da Previdência
Parlamentares de oposição consideram proposta “insustentável” e “mentirosa”. Para cientistas políticos, reforma terá votos para ser aprovada
atualizado
Compartilhar notícia
Líderes da oposição ao governo já se articulam contra a proposta da reforma da Previdência entregue nessa quarta-feira (20/2) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). O principal argumento é que o projeto “tira dinheiro dos pobres para favorecer os ricos, desvaloriza as mulheres e menospreza os idosos”.
Para deputados ouvidos pelo Metrópoles, o atual modelo de previdência é “sustentável” e os cálculos apresentados no novo documento “não são verdadeiros”. “Essa reforma começa com uma mentira e tudo que começa com mentira não tem chance de prosperar”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA). “Vamos fazer uma articulação conjunta na Casa para derrubar essa reforma”, garantiu o deputado José Guimarães (PT-CE).
“É importante que fique claro que nós não somos contra a reforma na Previdência, nós achamos importante e relevante. Mas, nos moldes que está aqui, não podemos aceitar. É pior que a reforma que o Temer apresentou”, reclamou o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE). “Eu não sei o que a população brasileira fez de ruim ao Bolsonaro para ele mandar esse texto aqui. A oposição vai estar vigilante para evitar mais retrocessos como este”, completou.
Para a líder da minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o atual modelo de previdência brasileiro é o único no mundo que taxa faturamento e lucro das empresas, assegurado pela Constituição de 1988. “Isso é fazer economia em cima de pobre”, afirmou. “Não existe essa história de sistema igualitário justo, quem está perdendo são os pobres”, protestou a deputada.
Apesar das críticas e reclamações da oposição, o cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) David Fleisher acredita que a proposta terá votos o suficiente para ser aprovada.
“É imprescindível [a reforma], por duas coisas: O déficit está crescendo igual a um tsunami e a expectativa de vida do brasileiro está aumentando cada vez mais, já está em 75 anos na média”, disse ao Metrópoles. O professor também aponta que a expectativa de vida de quem está prestes a se aposentar com 65 anos ainda é de mais 20 anos. “Então, por essas razões, a reforma é imprescindível, se não, nós vamos chegar ao ponto em que metade do orçamento federal vai para o déficit da Previdência e não vai ter mais nada para Educação, Saúde, Segurança…”, completou ele.
Segundo Jandira Feghali, 83% dos aposentados dos maiores municípios brasileiros dependem do benefício e recebem o valor de dois salários mínimos mensais. “O texto desconstitucionaliza a previdência no Brasil. Ele vai tirar tudo que nossa Constituição já aprovou”, comentou. “Dizem que a previdência é fundamental para a economia, pois nós dizemos o contrário. A economia que é fundamental para a previdência”, concluiu a deputada.
“Senha” para investidores
Os críticos do projeto da gestão Bolsonaro argumentam que a idade mínima de aposentadoria entre trabalhadores e trabalhadoras rurais e professores e professoras não pode se igualar. Outro ponto de insatisfação é a redução do valor repassado aos idosos: de um salário mínimo, atualmente fixado em R$ 998, para R$ 400, e mais 10 anos de contribuição. “É uma perversidade aos idosos que não tiverem condições”, afirmou o deputado André Figueiredo (PDT-CE), líder do seu partido na Câmara.
A oposição também reclama que, no novo texto, as pessoas com deficiência física serão beneficiadas por critérios de miserabilidade e as mulheres têm aumento no tempo para se aposentar. José Guimarães classifica o texto como uma “perversidade” e diz que “patrocina os privilégio”. “Isso significa uma redução de 40% na aposentadoria de quem sempre ganhou menos”, disse Jandira Feghali.
Fleischer aponta que justamente a idade mínima e o tempo de contribuição podem ser os pontos de mais atrito no Congresso, mas reforça que a proposta é razoável e uma “senha” para investidores. “Uma vez aprovada a previdência, vem uma enxurrada de novos investimentos para o Brasil, tanto do exterior quanto investimentos nacionais, que estão esperando essa senha”, considera.
O também cientista político Lucas de Aragão, da Arko Advice, ainda considera cedo para identificar quais pontos causarão mais atrito com os congressistas, mas avalia que o texto ataca privilégios de camadas mais altas do serviço público e que o setor vai se organizar para tentar contra-atacar. “Vai ser uma batalha dura com o Congresso para segurar esses pontos e mantê-los”, afirma.