“Governo esnobou políticos e agora terá de negociar”, aponta senador
O amazonense Plínio Valério afirma que, por falta de diálogo com as bancadas, Bolsonaro terá dificuldades para aprovar pautas no Congresso
atualizado
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Recém-chegado ao Senado Federal, o amazonense Plínio Valério (PSDB-AM) se espantou com a falta de diálogo da gestão de Jair Bolsonaro (PSL) com as bancadas. Na avaliação do parlamentar, em se tratando de um governo que pretende aprovar de início pelo menos duas propostas importantes – a reforma da Previdência e o pacote anticrime –, Bolsonaro enfrentará sérias dificuldades para conseguir aprovar suas pautas caso não haja mais disposição ao diálogo.
Esse governo esnobou políticos de tudo quanto foi jeito, não chamou uma bancada para conversar e vai mandar duas reformas para serem aprovadas. Agora, ele acha que vai ser assim? Vai ser assim? [Não conseguirá] Nem comigo, que sou bem intencionado. Nem comigo, que não quero nenhum cargo
Senador Plínio Valério (PSDB-AM)
O alerta reflete o sentimento de outros parlamentares que resistem em um alinhamento automático ao Palácio do Planalto e piora o cenário político a ser enfrentado pelo governo a cada crise envolvendo o presidente, seus ministros e, principalmente, membros da família Bolsonaro.
A expectativa é de que na próxima quarta-feira (20/2) o texto da reforma da Previdência chegue à Câmara. O próprio presidente da República deve levar o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deverá tramitar do zero, ou seja, sem aproveitar o caminho já percorrido pela proposta apresentada pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
A articulação do governo, no entanto, é alvo de críticas. “Só o fato de ele ter marginalizado a gente já é motivo para eu dizer que não quero conversa. Vou analisar [a proposta] conforme minha consciência. Ele vai ter muita dificuldade”, destacou Valério.
“Além disso, ainda tem esses escandalosinhos, estas crises desnecessárias que a família fica criando. Eu já ouvi de muita gente no Senado dizendo que ele não conversou com nenhuma bancada, e, o que é pior, esnobou”, acrescentou.
O senador reclamou ainda da articulação ensaiada pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), e desaprovou a ida do ex-senador Paulo Bauer (SC) para o governo. A nomeação de Bauer como secretário especial da Presidência da República para o Senado foi publicada na edição dessa segunda-feira (18/2) do Diário Oficial da União. Ele é o primeiro tucano a ter uma cargo na gestão Bolsonaro.
“Para que que eu quero conversar com o Onyx? O que é que eu vou conversar com o Onyx?”, questionou. “Então, quando o Bauer me procurar, eu vou conversar com ele, mas vou dizer, Bauer, não adianta”, declarou o tucano.
Novo erro
Valério e o senador Rodrigo Cunha (PSDB-PB) defendem para os tucanos um caminho mais independente do Planalto. Durante o processo de eleição para presidente do Senado, os dois foram voto vencido entre os oito senadores que formam a bancada do PSDB na Casa para a escolha dos lugares da Mesa Diretora e no comando das comissões.
O PSDB decidiu formar bloco com o Podemos e com o partido do presidente da República, o PSL. O bloco que reuniu 20 senadores ajudou a derrotar o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pleiteava comandar o Senado pela quinta vez. “Fui contra. Botei a boca no trombone e falei que não concordava. Não queria o carimbo do governo porque não sou base”, enfatizou Plínio Valério.
Para ele, o PSDB comete mais um erro ao se alinhar a Bolsonaro, embora considere que a união contra Renan tenha sido uma acerto de seu partido.
“O PSDB está, ao meu ver, correndo sério risco de cometer os mesmo erros. Saímos chamuscados da eleição. O eleitor se divorciou do PT e do PSDB. Chegamos aqui assim. Aí, de repente, como diria o poeta, não mais que de repente, aparece o Renan no nosso caminho. O PSDB votou aberto e ficou ao lado da sociedade. Votamos contra o Renan e ficamos de bem com a população”, detalhou. “Aí, ao invés de aproveitar esse novo romance, a gente está descambando, correndo risco de ser uma sigla governista”, concluiu.
Pacote
Plínio Valério também disse que pretende analisar com lupa o pacote anticrime lançado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e que deve chegar ao Congresso nesta semana. Para o senador, a necessidade de diálogo é premissa para o próprio ministro que, segundo o parlamentar, “precisa entender que não é mais juiz”.
“O Moro precisa ser apoiado? É uma cara que sabe tudo? Sabe muito, mas não sabe tudo. Então eu não posso achar que vou concordar só porque é o Moro. Eu tenho uma tendência a concordar porque ele é bem intencionado, mas ele tem que entender que passou de um sistema, de um regime, de uma forma de atuar para outra. Ele não é mais juiz. Ele é ministro”, ponderou o senador. “Agora ele não sentencia. Não determina. Ele negocia; vai ter que aprender isso”, enfatizou.
O senador fez críticas aos pontos já considerados polêmicos nas medidas a serem anunciadas no pacote anticrime. Um exemplo é a questão de se considerar quesitos como “forte emoção” como motivadores aceitos em caso de mortes provocadas por policiais.
“Tenho medo de um estado policialesco, por isso é que a gente tem que ver, tem que ler o que ele vai propor. Ele não pode ficar condenando, culpando e prendendo”, observou. “Ele está flexibilizando a atitude de um juiz de poder considerar que o sujeito agiu sob forte emoção. É muito complicado isso. Porque ninguém morre atento: se morre quando está descuidado”, destacou.