Fiscais reclamam de sucateamento da Receita no governo Bolsonaro
Corte de R$ 1 bi afetará programas informatizados e pode provocar fechamento de unidades do principal órgão arrecadador do Estado
atualizado
Compartilhar notícia
A constante defesa feita pelo presidente Jair Bolsonaro de maior afrouxamento na fiscalização de empresários, tanto no setor industrial, como em demais setores produtivos do país, tem sido motivo de preocupação por parte de servidores da Receita Federal e de suas entidades de classe. Isso porque as críticas de Bolsonaro sobre multas e fiscalizações ocorrem de forma simultânea ao corte de R$ 1 bilhão no orçamento do órgão arrecadador para 2020 e, também, à perda de cerca de mil cargos comissionados, desde a chegada do novo governo.
Enquanto o presidente repete em fóruns de empresários – ou mesmo em suas matinais entrevistas na porta do Palácio da Alvorada – que “não quer fiscal do governo na porta de patrão”, entidades representativas de servidores do órgão apontam o que acreditam ser, na prática, o “sucateamento” do principal órgão arrecadador do país.
Auditor fiscal e presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral aponta que o orçamento menor atingirá principalmente os sistemas ligados ao Serpro, que contêm principalmente a memória de todo o trabalho de fiscalização no país. Além disso, o corte afetará sensivelmente o funcionamento das agências. Entre 2019 e 2020, a redução orçamentária do órgão alcançará o percentual de 35%, passando de R$ 2,81 bilhões para R$ 1,82 bilhão, valor pouco superior ao orçamento de R$ 1,74 bilhão de 2013.
“Dois terços desse corte atingem exatamente os sistemas da receita ligados ao Serpro. É difícil entender como se faz um corte desses sobre um órgão responsável pela arrecadação. É algo muito grave e que poderá implicar também em fechamento de agências que não terão como funcionar”, destaca Kleber Cabral.
“O discurso do presidente para os empresários é muito confuso porque ele fala de agricultura, meio ambiente, norma da receita. Mas, pegando esse discurso e alinhando com os cortes tanto de recursos quanto de pessoal, estamos todos receosos da possibilidade de uma redução da atuação da receita federal”, observou.
O curioso, na opinião de Cabral, é que o próprio governo propôs a redução na verba. No ano passado, em meio a conversas com deputados e senadores para tentar reverter o corte, ou – pelo menos – minimizá-lo, integrantes do sindicato se depararam com o argumento dos parlamentares de que não era possível aumentar a destinação, visto que a redução fazia parte da mensagem enviada pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso. “Vários parlamentares se sensibilizavam, mas eles sempre diziam: ‘Isso aqui é difícil porque o próprio ministro mandou’”, relatou.
“Tanto nós quanto a administração da Receita estamos preocupados porque, como eles estão pilotando a máquina, eles vão sofrer com essa falta de dinheiro para pagar das contas. A gente pediu uma agenda com o ministro Paulo Guedes desde novembro”, disse Cabral.
Impacto na arrecadação
Números da Receita Federal apontam um ritmo de crescimento menor na arrecadação de impostos em 2019, em comparação a anos anteriores. A arrecadação federal cresceu 1,87% em termos reais entre janeiro e novembro do ano passado, na comparação com o mesmo período de 2018. O percentual é menor que o crescimento observado na comparação entre os 11 primeiros meses de 2017 e de 2018, quando a variação registrada foi de 3,74%, também descontada a inflação.
É importante ressaltar que o governo comemora uma melhoria na economia. Entre 2017 e 2018, de acordo com o próprio governo, havia uma crise maior que no primeiro ano de Bolsonaro. Os números mostram que, apesar disso, a arrecadação desacelerou.
Contrabando
A preocupação atinge também o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita) pela não previsão de concursos para novos servidores. Atualmente, a Receita Federal conta com 1.259 auditores fiscais e 1.008 analistas tributários que atuam na Administração Aduaneira, controle aduaneiro de encomendas e bens de viajantes e nas atividades de vigilância e repressão. No total, são 2.267 servidores responsáveis por essas áreas.
“Esse quantitativo reduzido de servidores tem o dever de realizar a fiscalização e o controle aduaneiro em 34 unidades de fronteira, 27 pontos de fronteira alfandegados, 39 portos organizados, 33 terminais aeroportuários de passageiros, 36 terminais aeroportuários de cargas, 5 centros de distribuições de remessas postais internacionais, três polos de processamentos de remessas expressas e mais outras dezenas de unidades da Receita Federal que atuam direta ou indiretamente no controle aduaneiro”, enumera Moises Hoyos, diretor de Aduana do Sindireceita.
De acordo com o sindicato, o número de servidores da Receita Federal que atuam contra o contrabando é bem pequeno quando comparado com outros países, a citar os Estados Unidos com 60.000 servidores, Holanda com 4.900, Canadá com 14.000, Alemanha com 39.000, México com 8.200, Itália com 9.000 e a nossa vizinha Argentina com 5.758 servidores.
Em dezembro, ao falar para uma plateia de empresários reunidos na Confederação Nacional da Indústria, Bolsonaro defendeu que se conceda “menos poder” para ficais para evitar a aplicação de multas ao agronegócio, às indústrias e às igrejas. O presidente avisou aos empresários que esse é o tom usado por ele com os ministros. “Tenho falado com meus ministros quando se fala em multas. Se eu não me engano, há 40 anos, a Inglaterra tirou o poder de seus fiscais. Porque chegou a um ponto que aquele modelo adotado atrapalhava quem queria produzir”, disse o presidente. “Aqui, nós temos que racionalizar isso daí”, enfatizou o presidente, avisando aos empresários que seu governo havia tomado providências para evitar fiscalização.
“O homem do campo está menos apavorado ou está mais ou menos feliz com a fiscalização. Ele não recebe mais um fiscal na sua porta com a caneta na mão pronto para multar”, disse. Bolsonaro na época também usou o exemplo de um líder religioso que teria reclamado com ele a respeito de uma multa no valor de R$ 200 milhões. “Vi outro dia um líder religioso com uma multa de R$ 200 milhões. Eu falei: ‘Meu Deus do céu. O que esse cabra fez para ter uma multa de R$ 200 milhões na sua igreja?’. Vamos buscar solução para isso”, disse Bolsonaro. Nesta semana, em sua live nas redes sociais, o presidente voltou a defender a ideia e justificou que essa é uma forma de “facilitar a vida dos patrões para dar emprego”.