“Falta ética e competência”, diz Marina sobre óleo no litoral
Ex-ministra do Meio Ambiente condena demora do governo Bolsonaro em agir contra desastre e alerta para impacto na economia da região
atualizado
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A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, 61 anos, acompanha com olhar de especialista as consequências das manchas de óleo que contaminam o litoral do Nordeste. Nas primeiras impressões sobre o fenômeno ainda inexplicado, ela demonstra preocupação com a dimensão da catástrofe e faz críticas veementes à atuação do governo federal.
“É evidente que o governo Bolsonaro não tem capacidade técnica nem capacidade de gestão para lidar com desastres ambientais. Ele demorou 40 dias para se pronunciar, e quando o fez já era tarde demais”, afirma Marina.
Candidata derrotada nas três últimas eleições presidenciais, Marina tem a carreira política ligada a causas ambientais. Agora, cobra providências das autoridades. “É inconcebível que o país que está explorando petróleo a 5 km de profundidade não consiga conter um vazamento de óleo. O que falta mesmo é o compromisso ético e a competência para resolver o problema”, acrescenta.
Ao comentar as manchas de óleo, ela demonstra preocupação com as consequências para a vida das pessoas que vivem do mar e com a economia da região. “O Nordeste está entrando em sua alta temporada e deverá perder milhões de reais, impactando toda a cadeia turística e, especialmente, os pequenos comerciantes de praias”, afirma a ex-ministra.
Como sugestão para enfrentar a tragédia, Marina defende a criação de um centro especializado em pesquisa e monitoramento de óleo no mar, financiado por um fundo estabelecido pelo governo federal. Essa medida, acredita, ajudaria a agir com celeridade para minimizar danos futuros. a repetição de fatos como o que ocorre agora no Oceano Atlântico.
Nesta entrevista ao Metrópoles, feita pelo aplicativo WhatsApp, a ex-ministra falou também sobre as hipóteses para as causas do acidente e chamou de “irresponsabilidade” as acusações sem provas feitas por Bolsonaro contra a Venezuela. Filiada à Rede, explicou como o partido atua no acompanhamento dos impactos das manchas de óleo.
Leia a íntegra:
Como a senhora avalia a atuação do governo brasileiro em relação ao petróleo espalhado no litoral do Nordeste?
Considero uma tragédia ambiental, econômica e social. Os danos causados à biodiversidade marinha são incalculáveis e seus efeitos podem durar por muitos anos. As comunidades de pescadores e marisqueiras também estão ameaçadas na sua sobrevivência. A economia dos municípios que são fortemente dependentes das praias está seriamente comprometida. Do ponto de vista político é também uma tragédia pois está evidente a incapacidade dos governos em enfrentar esse tipo de emergência ambiental.
A atuação do governo é totalmente irresponsável e desastrosa. É evidente que o governo Bolsonaro não tem capacidade técnica nem capacidade de gestão para lidar com desastres ambientais. Ele demorou 40 dias para se pronunciar e quando o fez já era tarde demais. O Ministério do Meio Ambiente não deu nenhuma atenção ao problema desde o início. Pode ser ver no site da Marinha do Brasil que a primeira ação tomada pelo Plano Nacional de Contingência foi em 27 de setembro de 2019, sendo que as manchas de óleo começaram a aparecer em 26 de agosto. Somente um mês depois se começou a fazer alguma coisa.
O óleo se dispersou pelo Nordeste de tal forma que não se conseguia mais encontrar a sua hidrodinâmica, ou seja, para onde estava se dispersando. Acabou chegando em todo a região sem que nenhuma gota fosse contida pelo governo.
Os órgãos do governo federal e dos governos estaduais estão preparados para enfrentar esse tipo de acontecimento?
Os governos federais e estaduais não estão preparados. A estatal Petrobras, que é uma das maiores do mundo, está preparada, mas o governo não se articulou de modo eficiente com a empresa e não pediu ajuda internacional, o que poderia ter feito. Ou seja, os governos não estão preparados, mas poderiam ter tido humildade para pedir ajuda científica, tecnológica e operacional robusta para mitigar os impactos e conter o óleo. Nenhum governo fez isso.
A senhora tem uma avaliação sobre as causas deste crime ambiental?
Todas as hipóteses ainda estão na mesa. Até o momento não existem resultados investigativos que possam assegurar a origem desse material. Não se tem elementos para afirmar com segurança se foi operação de transbordo entre navios, derrame acidental ou intencional feito por algum navio, se foi vazamento de alguma plataforma etc., porque não existe nenhum tipo de transparência nas investigações que estão sendo feitas. A sociedade não consegue acompanhar nem tem explicações aceitáveis para o fato de as informações estarem sob sigilo.
Diversos institutos e universidades estão fazendo um esforço extraordinário para realizar pesquisas sobre quais são as origens do óleo, mesmo estando fortemente afetados pelos cortes de verbas feitos pelo governo federal. Estão deixando de lado suas pesquisas tradicionais para se dedicar a esse desastre. Mas o foco no momento tem que ser a contenção do material que está se movimentando e dispersando bem como na remoção do material que está se depositando ao longo das praias.
Quais as consequências para o mar e para o país?
O impacto ambiental é gigantesco. Os impactos no mar são os mais profundos possíveis porque sabemos que a descontaminação é muito demorada. Pode levar algumas décadas para isso acontecer dependendo do volume e das características do óleo.
Antes do óleo chegar às praias ele passa pelos recifes de corais. Os principais bancos de corais brasileiros se concentram exatamente no Nordeste. Eles são ambientes muito frágeis.
Além disso, existe também o impacto direto sobre a fauna marinha, como os golfinhos e tartarugas. A própria limpeza das praias é problemática porque ela retira muitos microrganismos que são levados juntos com a areia contaminada, os quais são fontes de alimentação das aves.
O impacto já observado não representa nem 1% do impacto real porque não existem navios no mar investigando quais outros animais estão sendo afetados. Muitos deles morrem e não chegam nas praias. Muitos barcos de pesca estão encontrando tartarugas atingidas no mar, mas eles não têm meios para socorrê-las adequadamente.
É fundamental, portanto, ter navios da marinha equipados com laboratórios, veterinários e biólogos para prestar socorro a esses animais.
Cada dia de inação aumenta exponencialmente os danos. Basta lembrarmos do caso de derrame de óleo no mangue de Bertioga há quase 30 anos, que o dizimou e hoje em dia não existe mais.
Infelizmente o governo Bolsonaro está mostrando para o mundo sua incapacidade de tratar das questões ambientais, manchando, mais uma vez, a imagem do país, tirando a confiança de potenciais investidores no país. As consequências para o turismo são gravíssimas. O Nordeste está entrando em sua alta temporada e deverá perder milhões de reais, impactando toda a cadeia turística e, especialmente, os pequenos comerciantes de praias.
Na sua opinião, a Venezuela está envolvida?
Isso tem que ser investigado de forma séria, célere e com altíssima credibilidade.
O que é inadmissível é que se crie uma hipótese para criar uma cortina de fumaça para esconder as responsabilidades do governo brasileiro em resolver o problema. Os cidadãos pagam seus impostos para que o governo cumpra suas funções constitucionais, dentre as quais, uma das mais importantes é a preservação do meio ambiente, conforme reza o artigo 225.
Hoje, o presidente novamente joga para a opinião pública mais uma ilação dele, como foi a de que as ONGs estavam queimando a Amazônia e agora diz, sem apresentar nenhuma prova, que o óleo pode ter sido jogado para atrapalhar o leilão dos blocos de exploração de petróleo.
É uma irresponsabilidade sem limites.
O que seria necessário fazer para impedir esse tipo tragédia no mar?
É necessário que o governo federal crie um centro especializado em pesquisa e monitoramento de óleo no mar e estabeleça um fundo de financiamento para apoiar a realização das pesquisas e ações deste centro. Dessa forma, saímos dessa tragédia mais preparados para evitar que se repitam e para agir com celeridade, eficácia e minimização dos danos.
Como a comunidade internacional pode interferir nesse assunto?
Oferecendo ao Brasil tecnologias, equipamentos e equipes especializadas para conter óleo. Na quinta-feira (17/10/2019) o presidente do Ibama, durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado, disse que o Brasil não tinha tecnologia para fazer essa contenção. É inconcebível que o país que está explorando petróleo a 5 km de profundidade não consiga conter um vazamento de óleo. O que falta mesmo é o compromisso ético e a competência para resolver o problema.
Não quero crer que, mais uma vez, seja preciso que a comunidade internacional tenha que pressionar o governo brasileiro, como foi no caso das queimadas na Amazônia, para que ele resolva enfrentar esse problema com seriedade e competência.
A Rede vai tomar alguma atitude em relação a este fato?
A Rede tem atuado apoiando os movimentos da sociedade civil, cobrando ações do governo. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, requereu do governo informações sobre o desastre, medidas que estão sendo tomadas e que estão sendo negadas à sociedade.
Além disso, realizou uma audiência pública que contou com a presença de representantes dos cientistas, técnicos especialistas, pescadores, presidente do Ibama, representantes do Ministério das Minas e Energia, Marinha do Brasil e da secretaria de meio ambiente de Sergipe.
As exposições e os debates da audiência deixaram patente a negligência, incapacidade, inoperância, isolamento e falta de liderança política por parte dos ministros das pastas diretamente responsáveis pelas medidas dentro do governo, comprometendo o trabalho dos órgãos ambientais e de suas equipes.
Temos defendido que o governo federal e os governos estaduais do Nordeste declarem estado de emergência ambiental para que sejam mobilizados todos os recursos possíveis para remover o óleo, recuperar as áreas, investir na prevenção e monitoramento.
Estamos estudando a viabilidade de apresentação de ações judiciais e ações legislativas, como projetos de lei.