“Cargo exige maquiagem”, diz ministra que pediu salário de R$ 61 mil
Luislinda chegou a comparar seu caso com trabalho escravo. Como ela recebe aposentadoria de R$ 30 mil, o salário de ministra é de R$ 3 mil.
atualizado
Compartilhar notícia
A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, conversou com a Coluna do Estadão com Andreza Matais, nesta quinta (2/11), sobre o requerimento que protocolou no governo no qual compara sua situação com a de um trabalhador escravo por ter parte do salário glosado pela lei do abate teto. A ministra diz que é seu direito receber o valor integral para trabalhar como ministra porque o cargo lhe impõe custos como se “vestir com dignidade” e “usar maquiagem”. Ela não se arrepende de ter comparado seu caso ao trabalho escravo. “Todo mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo”, diz.
Conforme a Coluna revelou, dos R$ 30.934,70 a que tem direito a receber como ministra, ela recebe R$ 3.292 bruto. O valor cai porque ela já tem outra renda paga pelo Estado como desembargadora aposentada, de R$ 30.471,10 bruto. Ao final do mês ela recebe da União R$ 33,7 mil, mesmo salário de um ministro do Supremo. No requerimento ela pede ao governo para receber os dois valores sem cortes, o que lhe garantiria R$ 61 mil todo mês.
Luislinda – Eu trabalhei e ganho meus proventos porque eu contribui para a Previdência. Eu decidi requerer meu salário de ministra. Eu trabalho 12, 14 horas por dia, eu moro em Brasília, estou distante da minha família, eu pago condomínio, tenho minhas despesas, tenho que me vestir com dignidade, tenho que estar maquiada, eu tenho uma representatividade e eu trabalho. Ontem mesmo (terça, 1º) eu saí do gabinete quase dez horas da noite. Por que eu não vou requerer a remuneração desse trabalho que eu estou prestando ao Estado brasileiro? Foi o que eu fiz. Meu pecado foi esse.
E – Qual a expectativa da senhora?
L – Protocolei meu requerimento pedindo para que se avalie o caso. Se for acatada a pretensão, que me paguem o que me for devido, o quanto o que os demais ministros também recebem. Eu protocolei um requerimento. É um direito de postular. Um direito constitucional de requerer.
E – A senhora acha justo receber mais de R$ 60 mil por mês do Estado?
L – Eu trabalhei mais de meio século pagando todas as minhas contribuições previdenciárias. Até porque já vinha no meu contracheque descontado exatamente para obter, como todo brasileiro, a minha aposentadoria no momento oportuno. Eu contribuí para a Previdência. Esse dinheiro é meu, garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil. Me aposentei e em seguida fui convidada pelo presidente a trabalhar como secretária de Promoção da Igualdade Racial. Depois fui nomeada ministra de Estado dos Direitos Humanos. Sou soteropolitana. Com essas nomeações eu vim morar em Brasília.
E – A senhora mora em apartamento funcional?
L – Sim, mas eu pago o condomínio, que é altíssimo, quase R$ 1.600. Eu tenho meus imóveis em Salvador, que eu continuo pagando água, luz, condomínio, uma pessoa para cuidar da minha casa lá. Não tenho nenhuma cobertura do governo porque eu acho que é errado. O governo não tem que dar boa vida a ninguém, de maneira nenhuma. Não tenho nada, acho feio tudo isso. Nada contra quem tem, mas eu não tenho. Se o ministério tem cartão corporativo, eu nunca nem peguei. Sou muito radical nisso. A gente não precisa de muito dinheiro para viver. A gente precisa de paz.
E – Então o que justifica a senhora requerer o direito de receber mais de R$ 60 mil por mês?
L – Eu tenho minhas despesas aqui. Eu como desembargadora aposentada eu posso botar a minha sandália Havaiana e ir em qualquer lugar em Salvador. Mas como ministra de Estado eu não posso fazer isso, então já vem mais custo. Eu tenho uma representatividade. E eu recebo como ministra R$ 2.700 (líquido).
E – Por que a senhora comparou sua situação a trabalho escravo?
L – Eu fiz apenas uma analogia. Todo mundo sabe que o trabalho que não é remunerado é considerado trabalho escravo. Agora, por que que as pessoas se apegaram somente a isso? Isso é que eu não entendi.
E – É forte, não, ministra?
L – Querem achincalhar a minha vida assim? Estou muito triste. Sempre fui muito correta, estudiosa e não admito que queiram me levar para o lado negativo. Eu estou muito magoada.
E– A senhora acha que exagerou?
L– Não exagerei, não. Todo trabalho que é executado com dignidade, com respeito tem que ser remunerado. Todo mundo sabe disso. Quem é que não sabe? Por acaso alguém trabalharia 12, 14 horas por dia e diz que não quer salário? Que não gosta de salário? Quem faria um negócio desse?
E – Mas a senhora recebe um salário. Só que ele é menor, R$ 3 mil bruto, por causa da glosa.
L – Sim, mas os outros ministros não recebem esse valor. Eu quero somente o tratamento paritário. É só por isso que eu pedi.
E – Se o governo não atender a sua reivindicação, a senhora continua no cargo?
L – Eu continuo porque eu sou brasileira. Para mim, dinheiro não é tudo. Eu continuo sobrevivendo. O salário era menor, nesse mês que aumentou. Desculpe, mas tanta coisa que tem que se fazer no país e as pessoas ficam se apegando a miudezas? Eu só quero o meu direito de peticionar, agora a autoridade vai conceder e, se achar que não deve, vai indeferir. Se indeferir vou continuar trabalhando.
E – A senhora trabalha numa área de direitos humanos que trata de pessoas em condições extremas de pobreza. Muitas têm a carga horária da senhora e não recebem nem os R$ 3 mil que a senhora recebe. Como explicar sua demanda a essas pessoas?
L– Eu não tenho que explicar. É um direito de peticionar. Como eu peticionei pedindo a revisão, as pessoas também poderão fazer seus pedidos e encaminhar para seus patrões. Eu aconselho a quem achar que deve, é só requerer e aguardar a decisão da autoridade. Estou muito chateada. Eu não matei, eu não roubei. Faço coisas que ninguém faz e ninguém divulga uma agenda minha. Agora um requerimento e o povo está me execrando?
E – Vai manter o seu requerimento depois da polêmica?
L – Vou aguardar a decisão da autoridade competente. O que ela disser, eu vou acolher.,
E – A senhora falou com o presidente?
L – Hoje é feriado e eu não vou incomodá-lo. Por que eu vou falar com ele?
E – Por causa da polêmica? Por que ele é seu chefe?
L – Sexta estarei em agenda do ministério.